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Teatro Arcano — Abordando recursos Mágicos no RPG

Existem alguns artifícios que podem mudar o andar da jogatina. Sendo puramente narrativas, ou previstas pelo sistema, algumas habilidades são um grande ponto de virada. Nos casos de jogos de fantasia, a magia é algo previsto e abrangente, podendo influenciar num extenso número de situações, variando em efeitos diversos. Assim, esse recurso necessita de atenção referente ao quando, quanto e como utilizar.

Por isso, é interessante se ter alguns conceitos em mente, para facilitar sua aplicação, tornando-a natural — coesa com a temática e ambientação — e a deixando diversa, sem podá-la, porém não onipotente.

Magia Flexível e Magia Rígida

Esse é um conceito proposto por Brandon Sanderson, que diz sobre como obras de ficção possuem dois “extremos” em seus recursos fantasiosos  — e não apenas a “magia” em si, mas ainda ciência, alquimia, milagres etc. No original, é chamado de “Soft Magic” e “Hard Magic”, e esses sistemas procuram entender o tipo de abordagem adotada por cada autor.

Aqui não vou fazer uma explicação detalhada. Em termos gerais, o sistema flexível seria aquele sem muitas regras estabelecidas, que causa grande maravilhamento e estranheza, sendo capaz de feitos grandiloquentes. Enquanto o rígido é aquele com métricas bem definidas, sem muitas variáveis e que determinam certa realidade, sendo muito poderosa, dentro de suas capacidades

Não que seja necessário se prender a essas ideias, mas elas são um guia que facilita o entendimento na hora de interpretar e narrar. Normalmente, as obras de ficção não se agarram a apenas um tipo, e sim flutuam entre elas, às vezes parando no meio do caminho. Um exemplo interessante de se observar é o anime e mangá Magi: The labyrinth of Magic. Onde o protagonista, Alladin, inicia a jornada com esses poderes inerentes e incrivelmente poderosos, e ao se aprofundar, conhece mais sobre ciclos de elementos, fórmulas, vantagens e fraquezas. Para quando domina esses poderes, utilizá-los no meio do caminho — valendo-se das regras propostas pelo mundo, e causando aquele maravilhamento.

Pautando-se nesse sistema, podemos definir melhor as arestas do que seria a “magia” em seu mundo. De como as pessoas se comportam ao vê-la e utilizá-la. Arton, por exemplo, flutua entre os dois tipos de magia. Outras obras como Percy Jackson, Deuses Americanos, O Nome do Vento, Kalciferum, O Alto da Maga Josefa são exemplos de obras que trabalham nesse meio termo.

Aplicando esse sistema no RPG entram algumas perguntas: O quanto é influente? Resolve problemas facilmente? Cria problemas facilmente? O que ela pode fazer? O que não pode fazer?

Seu mundo, mas não suas regras

Esse tópico envolve as três primeiras perguntas. Mesmo criando o cenário, e entendendo em seu íntimo, é a mesa de jogo que vai ditar como o mesmo funciona. Aqui cabe à narradora gerenciar esses recursos, não só mágicos, mas que podem mudar o rumo da crônica. Importante frisar que o papel jamais será o de limitar! E sim, guiar a mesa para uma coerência temática.

Sua influência diz o quanto a magia molda o universo a sua volta. O quão é difícil, ou não, manipulá-la. Se ela participa do tema principal da trama e como isso converge nos problemas as quais as jogadoras participarão. Determina quantas pessoas têm acesso a ela, se é difundida, se os “figurões” da mesa possuem o monopólio desse conhecimento. No escopo geral, o quanto a mágica dita a vida desse mundo. Em Tormenta temos que a Magia é abundante, nem todas as pessoas são capazes de utilizá-las, no entanto tem acesso a quem consiga executar esses efeitos.

Resolver os problemas com habilidades mágicas é um ponto delicado. É aqui o limiar entre tudo se resolver com uma bola de fogo, ou uma tempestade de raios, ou conseguir colocar todas as pessoas para dormir. Realmente, é um poder grande e que escala gradualmente, em níveis mais altos é capaz de encerrar conflitos com alguma facilidade. É crucial nunca tirar a agência das pessoas jogadoras, e sim criar outros meios e contrapontos as decisões tomadas.

Acredito que seja necessário um meio termo. A magia pode sim resolver problemas, não todos, e nem qualquer efeito, gerando um equilíbrio maior e criando-se desafios em volta das capacidades de cada personagem

Em contraponto, criar problemas mágicos é um pouco mais fácil. Não só com efeitos, utilizando-se também de artefatos, seres e livros com poderes místicos, servem bem para esse objetivo. Buscas por grimórios podem transformar uma simples sidequest em uma verdadeira campanha de intrigas políticas e espionagens. Também é curioso notar que esses problemas podem ser consequências de decisões tomadas anteriormente. Um efeito que, por acaso falhou, pode desenvolver a história para lados mais interessantes, com novas problemáticas a serem resolvidas e assim crescer as personagens em maturidade.

Criatividade em cheque

Agora, conversando sobre as duas últimas perguntas, voltamos ao tópico Magia Flexível e Rígida. Quando pensamos nas “possibilidades mágicas” também entramos na ideia de estranheza e maravilhamento. Não somente concebida em regras, contudo, tocando em suas aplicações. Abstraindo as listas e listas de efeitos prontos, faria sentido uma personagem usar uma habilidade de eletricidade para gerar fogo em uma poça de óleo? Bem, existe alguma lógica na situação, uma relação de causa e efeito — um exemplo do que seria a aplicação de Magia Rígida

Porém, pensando em uma circunstância parecida. Um incêndio ocorre, e a personagem tem a capacidade de criar fogo, entretanto nunca demonstrou a capacidade de controlar chamas já acesas, ela poderia, então, sugar todo aquele fogo e, criando uma esfera gigantesca, mandá-la para longe? Com certeza, seria um quadro grandioso, extrapolando uma habilidade já conhecida, para algo novo. No caso, um exemplo de Magia Flexível.

Não é fácil responder essas perguntas de primeira, e talvez seja necessário responder apenas se estiver criando uma ambientação autoral ou sistema de RPG. Em minhas mesas — e o que aconselho quando me indagam — adoto o meio termo desses conceitos. Sentido o que as jogadoras, e a narrativa, pedem para o momento.

Se a ideia for boa, interessante e trouxer desenvolvimento e diversão para mesa, eu frequentemente apoio. Como no exemplo anterior, não é porque a personagem encerrou o incêndio que o conflito terminou. Ela apenas concluiu um dos desafios propostos, e ainda podemos ter que resgatar inocentes, encontrar algum objeto específico, enfrentar diretamente antagonista e afins.

Agora, se acabar com o conflito sem muitos motivos, encerrar sem nenhum adendo ou for anticlimático, eu não veto, todavia, complemento a ideia até chegar em um acordo com a jogadora. Em uma sessão de jogo, não é bom optar pelos extremos. É bem normal que algumas opções não sejam tão apreciadas pelas jogadoras e narradoras, entretanto, conhecer os dois lados da moeda da “magia”, expande as possibilidades para soluções de conflitos e abrange sua utilização para além das ideias pré estabelecidas no senso comum dos jogos.

Dito tudo isso, considero que fique mais fácil de administrar um poder tão grande, que às vezes é difícil “bater de frente”. Claro que o sistema de jogo vai influenciar também nessas decisões, mas no final do dia, a mesa como um todo irá ditar sua progressão e coisas que querem ou não abordar. Lembre-se, seja em qualquer posição, todos os recursos utilizados devem servir para implementar e “crescer” a história que está sendo contada em conjunto.

Crônicas do RPG — Uma breve aventura de amor

Olá, aventureiro do amor!

Me diga: Você já se apaixonou na mesa de RPG?

Digo, seu personagem! (não vamos nos comprometer aqui, né?)

A crônica que trago hoje não se passou comigo, mas com uma das pessoas que compartilhou sua história no Twitter.

Deixe todo sangue, morte e destruição de lado e contemple a magia do amor *faíscas*

Esta é a história de amor de Vontura e Calespec.

Cabeça de Tarrasque ao molho madeira

Ok, esqueça o papo de não haver sangue, morte e destruição.

A expedição partiria para derrotar um tarrasque ― apenas ― que ameaça uma região. Vontura, guerreira experiente e calejada pelas inúmeras batalhas vividas, comandava um dos pelotões que enfrentaria o monstro.

Já era um grupo que vinha de batalhas anteriores, velhos amigos que confiavam suas vidas uns aos outros.

Exceto um.

Calespec, o elfo desgarrado de seu povo e exímio curandeiro, foi o último a compor o círculo de confiança da capitã Vontura. Confiança que quase não sobreviveu ao primeiro diálogo entre eles.

O jeito descomprometido de Calespec com o grupo deixava Vontura irritada e insegura quanto a estratégia que utilizaria. Eles precisavam confiar que o healer apareceria quando precisassem.

Uma ameaça acompanhada de um dedo trêmulo de raiva pareceu o suficiente para deixar o elfo ciente de que ele seria caçado se os deixasse na mão.

“Sua vida está gravada em meu destino”

A frase saída num gracejo maroto foi uma das últimas lembranças antes de Vontura ficar inconsciente.

Duas vidas e um destino

Não haviam gritos e nem fagulhas de magias voando acima de seu corpo. Achava que deveria ouvir ou ver algo, mesmo que estivesse tudo confuso.

“Opa! Não se levante ainda, madame.”

“Onde estou?”

“Viva. Descanse.”

Vontura deitou a cabeça novamente e sentiu o corpo sendo envolto numa quentura bem-vinda. Era magia de cura.

Sorriu e ouviu o riso daquele que era apenas uma silhueta em sua vista turva.

“Elfo? Não fugiu?”

“Como eu poderia? Eu disse que…”

“Minha vida estava gravada em seu destino.”

Além dos dados

Bonitinhos, né? Mas o romance não rolou ali na mesa não. Calespec era apenas um convidado daquela mesa, não voltaria na próxima sessão, mas sua presença ficou marcada.

Uma mensagem corajosa da jogadora o parabenizando e agradecendo pelo apoio e uma resposta tímida e surpresa.

“Se você quiser, podemos marcar uma mesa depois que as provas acabarem”

“Eu adoraria”


Você tem uma história parecida? Conta pra mim!

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Mesa Sonora — 5 Axés “das antigas” como aventuras de RPG

Confesso que não sou muito fã de carnaval. Confesso que fui apenas uma vez na vida até “a Avenida”, em Salvador, para ver os trios elétricos passando durante as festas. Porém, como soteropolitano que sou, é inevitável que eu conheça várias músicas da Axé Music. Essa é uma daquelas coisas na vida que não precisam de explicação, elas apenas “são”. Dada a minha idade atual, a maioria das músicas que eu conheço desse estilo já são consideradas antigas e, em geral, são marcos da história do carnaval baiano.

O que isso tem a ver com RPG?

Até agora nada, mas uma característica de vários clássicos do Axé Music dos anos 80 e 90 é a riqueza das letras e de temas que falam de história, mitologia, crenças, romances etc. Pensando nisso, pensei em pegar cinco dessas obras icônicas do carnaval de Salvador e transformá-las em ideias breves (ganchos) para aventuras de RPG que você pode usar na sua mesa. Não vou discorrer sobre regras nem estatísticas de inimigos, apenas apontar um caminho por onde sua aventura pode seguir. Observem também que não estou seguindo à risca algumas inspirações óbvias das músicas, o exemplo mais claro estará na primeira música da lista, onde ignoro completamente a mitologia egípcia que a inspirou.

Se você acha que isso parece com as matérias “Mestrando de Ouvido” que saíram em edições anteriores da Dragão Brasil, você está corretíssimo, parece mesmo. Peguei o formato emprestado, estiquei um pouco o tamanho dos ganchos e dei destaque aos trechos das letras mais relevantes às ideias de aventuras que quero propor.

Antes de começarmos, uma breve nota: algumas dessas músicas podem ser classificadas como samba-reggae e não como Axé Music, porém quase ninguém de fora da Bahia vai saber a diferença, então chamarei tudo de Axé mesmo. Peço perdão aos conterrâneos preciosistas. Além disso, a música Eva originalmente era uma canção pop italiana, mas ficou famosa mesmo na Bahia na voz de Ivete.

Faraó (Divindade do Egito)

(Escrita por Luciano Gomes)

Excerto da letra:
Deuses, divindade infinita do universo
Predominante esquema mitológico
A ênfase do espírito original, Shu
Formará no Eden o ovo cósmico

Osíris proclamou matrimônio com Ísis
E o mau Set, irado, o assassinou e impera
Hórus levando avante a vingança do pai
Derrotando o império do mau Set
É o grito da vitória que nos satisfaz

O Gancho: Um artefato de poder divino chamado Ovo Cósmico encontrava-se sob tutela da sacerdotisa Ísis, cuja mão em casamento era disputada entre dois reis inimigos: Osíris e Set. Ísis aceitou o pedido de Osíris e de sua união surgiu seu filho Hórus. Irado pela rejeição, Set matou Osíris e uma guerra explodiu entre os dois reinos. O príncipe Hórus parte em uma busca por aventureiros dispostos a invadir o palácio de Set e dar fim ao conflito. Mas o que parecia um pedido de ajuda numa vingança pessoal se revela como um plano de Hórus para dominar o poder do Ovo Cósmico e reinar incontestável sobre as terras de Set. Os aventureiros devem decidir entre cumprir o contrato até o fim ou se opor ao jovem déspota.

Eva

(Escrita por Umberto Tozzi)

Excerto da letra:
Meu amor
Olha só hoje o sol não apareceu
É o fim
Da aventura humana na Terra
Meu planeta Deus
Fugiremos nós dois na arca de Noé
Mas olha bem meu amor
O final da odisseia terrestre

E minha vida é um flash
De controles, botões antiatômicos
Mas olha, olha bem, meu amor
O final da odisseia terrestre

O Gancho: Nos últimos dias de um terrível conflito que extinguiu a maior parte da vida no planeta, o casal de governantes do lado vencedor decide que não há motivos para manter a vida no mundo. É traçado um plano de destruição total do planeta, durante a qual rei e rainha partirão em sua nave em busca de outros mundos. Um conselheiro real descobre a trama nefasta e contrata um grupo de soldados de guerrilha, desesperados e sem nada a perder, para se infiltrar nos silos das armas de destruição em massa, sabotar os planos reais e prender os regentes genocidas.

O Canto da Cidade

(Escrita por Tote Gira e Daniela Mercury)

Excerto da letra:
A cor dessa cidade sou eu
O canto dessa cidade é meu
O gueto, a rua, a fé
Eu vou andando a pé pela cidade bonita
O toque do afoxé e a força de onde vem
Ninguém explica, ela é bonita

Não diga que não me quer
Não diga que não quer mais
Eu sou o silêncio da noite
O sol da manhã

O Gancho: Um bardo apaixonado por sua cidade natal decidiu rodar o mundo contando a todos sobre as maravilhas de sua terra. Depois de décadas viajando para todos os cantos de seu reino, ele retorna para encontrar uma localidade completamente diferente do que lembrava. Rejeitado pelos mecenas locais que não o reconhecem nem valorizam seu trabalho, ele começa a cometer pequenos atentados pelas ruas, com o intuito de “restaurar a glória dos velhos tempos”. Esses pequenos atentados começam a ficar cada vez mais sérios e a guarda local, incapaz de lidar com um poderoso e insano bardo, decide pagar para que heróis mais experientes cuidem do problema. Os aventureiros, porém, logo descobrem que o bardo já possui um número considerável de seguidores, que farão de tudo para proteger seu mentor.

Vai Sacudir, Vai Abalar

(Escrita por Pierre Ramos e Paulo Jorge)

Excerto da letra:
Vai sacudir
Vai abalar
Quando o meu amor passar
Explode coração
É muita emoção no ar
Vou abrir mão de tudo
Pra gente ficar junto
Não vou deixar você fugir de mim
Amor, por terra, céu e mar
Eu vou te acompanhar
Preciso de você

O Gancho: Numa pequena vila próxima a uma floresta, uma improvável história de amor começou entre a filha de um barão local e um bruto gigante da floresta. Em suas tentativas desastradas de cortejar a jovem nobre, o gigante causou danos por onde passava, mas tentativas de enfrentá-lo foram logo impedidas pela moça, que ameaçou abandonar sua família para viver com seu amado. O barão tranca sua filha em seu castelo e contrata os aventureiros para “dar um sumiço” no gentil, mas desajeitado gigante. Ao aprenderem a verdade sobre o amor retribuído entre gigante e nobre, os heróis precisarão dar um jeito de protegê-los sem destruir toda a vila no processo.

É o Bicho

(Escrita por Ricardo Chaves)

Excerto da letra:
Quando o vento bater no seu cabelo
Espalhar sua magia pelo ar
Ele vai me encontrar esperando que o destino revele, enfim
Os segredos que tem pra me contar

Meu coração bate mais forte na emoção de ter você pra mim
Aquele grito que era preso na garganta se transformou

É o bicho é o bicho vou te devorar crocodilo eu sou

O Gancho: Como num conto de fadas reverso, um jovem fazendeiro perdidamente apaixonado por uma aventureira local finalmente criou a coragem necessária para declarar o seu amor. Porém, ao descobrir que o sentimento é recíproco, o rapaz foi vítima de uma maldição e se transformou numa besta reptiliana voraz e irracional. A aventureira conseguiu prender a criatura, mas se viu incapaz de deixá-lo sozinho por longos períodos, por medo de que escapasse, ou que fosse encontrado e morto pela milícia local. Após algumas semanas, ela encontra os heróis na taverna local e lhes implora para que encontrem a cura para a maldição de seu amado. Os aventureiros partem em busca de informações sobre a origem da maldição e como ela pode ser revertida antes que seja tarde demais.

E aí? Gostaram dessa coluna temática? Gostaria de ver algum outro estilo musical transformado em RPG aqui? Deixe suas opiniões nos comentários!

Monstruário — Escandente Sanguínea

monstruário

A coluna Monstruário traz todos os meses uma criatura inédita e exclusiva do blog para matar seus jogadores deixar sua mesa mais emocionante! Para esta missão, convocamos Jorge Junior, com toda sua experiência como biólogo para imaginar como seriam alguns seres típicos de Arton.


Nas florestas densas das ilhas de Arton, animais dos mais diversos tipos deixam aventureiros atentos a possíveis emboscadas violentas. Mas nada disso se compara ao risco e crueldade do ataque de uma Escandente Sanguínea.

Em meio a arbustos, galhos, troncos e folhas, algumas plantas podem destoar da paisagem de tons verde-terrosos pela cor levemente preto-avermelhada que suas folhas e caule apresentam. Enraizada e apoiada em árvores, cresce uma trepadeira de tronco único, espesso, rígido e levemente mais quente do que outros. Ela sobe até as copas da vegetação e de lá se divide em diversos cipós que se espalham em todos os lados por entre as partes altas da floresta, para depois descer até o solo. Quanto mais densa a vegetação, mais camuflados os cipós ficam, e mais perigoso é para qualquer um transitar por entre essas lianas.

Na ponta de cada um desses cipós maleáveis existe uma parte rígida em forma de gancho. Quando precisa se alimentar, detecta a presença de criaturas ao alcance de suas extremidades, que retrai rapidamente na tentativa de fisgar os incautos. Quando consegue, o cipó suspende a presa no ar e imediatamente começa um processo de drenagem até sua última gota de vida. Após a presa se tornar um cadáver, a planta secreta substâncias digestivas para acelerar o processo de decomposição até que quase não sobram rastros para serem percebidos. Notar esses restos é a melhor forma de saber que se está na área de uma Escandente Sanguínea.

Ninguém sabe ao certo a origem dessa criatura. Alguns dizem que surgem quando uma dríade é morta por um vampiro que amava. Outros dizem que surge quando uma criatura é enterrada com uma semente fincada no coração que nunca tocou a terra. E ainda há histórias de que se alguém obcecado por vingança regar uma planta com o próprio sangue dia após dia, ela se torna uma Escandente Sanguínea caso seu jardineiro morra depois de cumprir sua vingança. O que se sabe sobre essa planta é que no centro de sua raiz existe uma pedra feita de sangue cristalizado, acúmulo de muitas refeições. Muitos vampiros e arcanistas procuram por esse item com intenções duvidosas, mas para consegui-lo primeiro é necessário sobreviver.

Encontrando com uma Escandente Sanguínea 

A trepadeira usa outras árvores para apoiar seu tronco principal, escalando-o em forma espiral, por isso, possui tamanho médio, apesar de ser longa. Por conta dos cipós se espalharem em torno do caule, ela pode fazer ataques corpo a corpo com até 6m de alcance. É comum que regiões selvagens possuam terreno difícil, isso faz a fuga de suas presas mais difícil.

É possível perceber que os cipós são avermelhados se estiverem dentro ou pelo menos a 1,5m de sua área e passarem num teste de Sobrevivência CD 22. Se os personagens estiverem averiguando o solo, podem perceber rastros de decomposição com um teste de Sobrevivência ou Investigação CD 18. Depois de identificar a criatura ou se já estiverem sendo atacados, podem localizar o caule principal com um teste de Percepção ou Sobrevivência CD 25. Ele está sempre bem embrenhado na estrutura que escala e em meio a suas próprias folhas, o que concede cobertura. A cobertura pode ser retirada com uma ação padrão e o uso de uma mão livre, o uso de magia ou armas cortantes.

A Escandente sempre está com a ação Cravar preparada, aguardando até que uma potencial presa fique a pelo menos 4,5m de distância do caule principal ou que adentre a área de ameaça e depois comece a se afastar. Após o primeiro ataque, os aventureiros podem rolar Iniciativa.

Uma vez tendo agarrado uma criatura média ou menor, a planta a suspende e começa sugar seu sangue ou decompor seus tecidos. Para suspender criaturas grandes é necessário que dois cipós se prendam a ela. Caso todos os alvos na área tenham sido presos ou suspensos, a planta usa sua ação para preparar outra ação de Cravar para as presas que consigam se soltar.

Combater a planta utilizando fogo é uma alternativa eficaz, mas com alguns riscos quando presentes em uma floresta. O mestre decide se o fogo pode causar maiores problemas ou não. Como alternativa, sempre que esse tipo de dano for causado, 1d20 pode ser rolado, caso o resultado seja maior que metade do dano, um foco de incêndio se inicia. Isso poderia levar a um perigo complexo de incêndio florestal.

Escandente Sanguínea ND 7

Monstro Médio

Iniciativa +9, Percepção +3, perceção às cegas

Defesa 8, Fort +10, Ref -, Von +5, Resistência à Dano 5/ mágico e cortante. Imunidade à fadiga e sono, não precisa dormir. Vulnerabilidade a Fogo.

Pontos de Vida 200 

Deslocamento 0m (0q).

Corpo a Corpo Gancho +20 (1d12+5 e agarrar).

  • Cravar (Ação). A Escandente retrái seus cipó para atingir cada uma das criaturas dentro de seu alcance que ainda não foram suspensas com seu ataque de Gancho, na tentativa de impedir que se movam. A planta usa a manobra Agarrar para prendê-los, e em caso de sucesso eles são arrastados para um quadrado aleatório na área de ameaça. Se livrar deles exige um teste resistido contra o mesmo ataque. 
  • Suspender (Movimento). Os alvos presos devem passar num teste de Fortitude CD 25 para não serem arrastados por 1d6 quadrados dentro da área de ameaça aleatoriamente e suspendidos a 6m de altura. Caso consiga se soltar depois que for suspensa, a presa sofre 4d6 de dano por queda.
  • Drenar e Digerir (Livre). Todos os alvos agarrados sofrem 2d8+5 de dano perfurante se forem vivos ou ácido se não forem. Esse dano só pode ser recuperado se o alvo não estiver agarrado pelos ganchos da Escandente Sanguínea.
  • Cipós. Mesmo que usados para atacar, os cipós também podem ser alvos de ataques. Eles possuem Defesa 15, Resistência a Dano 5/mágico e cortante, Vulnerabilidade à Fogo e 25 PVs.

Atributos For 18, Des -, Con 20, Int 2, Sab 10, Car 8

Tesouro Uma gema sanguínea (Sobrevivência CD 20 para extrair sem danificá-la, T$ 2500).

Arrepios — Morte

A morte.  Um rosto sem face e ao mesmo tempo repleto de semblantes, como uma avenida com infinitas pistas que levam até o mesmo inevitável destino. Vive no subconsciente até daqueles que mentem não temê-la. Um céu de paz, reencarnação, o vazio absoluto ou apenas energia reciclada ad aeternum pelo universo, nascemos com a certeza que teremos, no mínimo, uma grande dúvida por toda a vida.

O conto de hoje é sobre o fim. Bons arrepios! 


Achei que fossem meus olhos embaçados ou minha mente ainda atordoada do tombo de moto. A imagem disforme lutava contra meus pensamentos raivosos direcionados ao maldito motorista que me fechou e fugiu, até finalmente me concentrar na figura esguia posta em minha frente.

É difícil não se sentir em um sonho. Olhar para aquele capuz, não preto como retratado em tantos filmes, mas repleto do vazio total. A caveira branco marfim com a expressão de um balde, e os dentes que parecem sempre ranger lhe dão um ar tenebroso e estranhamente familiar. 

Ela apontou seus dedos finos e tão brancos como seus dentes em minha direção, oferecendo ajuda para que eu me levantasse. Fugi com pressa, tateando o chão e jogando o corpo para trás, enquanto ignorava meu joelho molenga e a fratura exposta na canela, que não emitia dor alguma, como uma holografia de mal gosto.

Olhei em volta e vi a avenida 23 de Maio rodeada de uma neblina que deixava tudo cartunesco. Os curiosos, e esses eu conheço bem, rodeavam meu corpo inerte no chão, 

Minha querida moto estava a bons metros de distância, e o baú com os lanches jazia aberto próximo ao meio fio. Me veio a vontade de chorar, mesmo não entendendo como tristeza o que sentia. Era como uma angústia quente, grossa e grudenta descendo desajeitada por todo meu corpo, um sentimento de impotência formigando o rosto. Difícil descrever.

Comecei a aceitar o acontecido, e a figura esquelética parada no mesmo lugar mexeu um pouco o crânio em minha direção. Dois passos pesados causaram uma avalanche em minha coluna, e no ímpeto, me arrastei para trás impondo mais velocidade.

Sabia que meu corpo estava se afastando para o meio da neblina, mas tudo continuava no mesmo lugar. A imagem cada vez mais apagada da avenida e os curiosos, meu corpo imovel no chão coberto pela neblina, tudo me dava a impressão de se diluir aos poucos. Já os ossos de uma mão assustadora apontando em minha direção, essa parecia cada vez mais real.

Lembrei então de minha família. Esposa, filhos e minha querida mãe, que ainda estava sofrendo o luto após a morte do meu velho há poucos meses. Será que já sabiam? Alguém conseguiu telefonar? Ou os curiosos se mantinham alimentados apenas com o que sobrara de um trabalhador no início de um dia de trabalho? Fabiola sentiria minha falta? Diria para Miguel, Liz e Renatinha que o papai foi para o céu? Ou contaria a verdade? Se manteria viúva para sempre ou arrumaria logo um namorado e me esqueceria? E esse namorado, como iria tratar meus três filhos?

Minha vida parecia algo tão complexo e agora se resumia apenas a dezenas de curiosos, a morte ainda esticando a mão em minha direção e o medo grudado na garganta. Pensei na comoção que um homem morto poderia causar, quando perdi meus pensamentos ao observar dois moleques animados puxando o baú para longe. Todos meus sentidos morreram ao ouvir “Chegou a hora do lanche” e não distinguir se vinha dos jovens famintos, ou da criatura sem face em minha frente.

 

A Jornada da Mestra — Navegar é preciso, RPG não é preciso

jornada da mestra

RPG é sobre contar histórias. O mestre propõe uma situação, os jogadores a desenvolvem e isso se repete até o desfecho. E, é claro, essa proposta em algum momento vai descambar, afinal, lidamos com jogadores imprevisíveis.

Antes de começar a mestrar, esse era um dos meus medos: não saber conduzir a imprevisibilidade da narrativa. E se um jogador não quiser ajudar o taverneiro? E se o grupo desviar do caminho que eu preparei? O que eu faço quando uma situação acontece e isso não estava no meu planejamento?

Particularmente, eu não gosto de estar despreparada quando falo sobre algo. Em todos os seminários que participei, eu estudava até o último minuto sobre o assunto. Entretanto, mesmo com o preparo do Batman, imprevistos sempre ocorrem. É normal. E isso acontece bastante no RPG. Mesmo assim, eu ainda sentia receio do improviso.

Com preparo ou sem preparo?

A “batinização” também pode ser um risco. Perdi as contas de quantas vezes escrevi vários textões, mas não usei metade do planejado. E, mesmo assim, imprevistos sempre aconteceram. Seja porque eu esqueci de algo ou porque tomaram uma decisão inesperada.

Por exemplo:

O grupo encontrou uma lápide e nela havia uma inscrição um pouco apagada. Usei traços para simular as letras faltantes, mas uma frase ficou indecifrável porque eu não me lembrava do que havia escrito, nem havia salvo o trecho completo em outro lugar. O túmulo pertencia ao antepassado de um senhor, como ele sentia muito orgulho de sua linhagem familiar, aproveitei esse gancho e as perguntas dos jogadores para explicar mais sobre as lendas locais. Deu tudo certo e os jogadores saíram satisfeitos.

Num outro momento, o grupo investigaria um lugar o qual eu esqueci de aprofundar. Como eu não queria deixar ninguém de mãos abanando, utilizei pontos chaves que eu já havia escrito e alguns trechos da história maior para compor a cena. Sempre que os jogadores se interessavam por algo, eu tentava fazê-lo ser importante com base no que eu tinha, como um mecanismo que surgiu porque eles estavam muito curiosos com uma mesa.

O grupo outra vez encontrou uma serva de Tanna-Toh, orgulhosa de seu orfanato e casa de letramento. O encontro era sobre suas pesquisas, mas os jogadores resolveram transformá-lo num processo de adoção. Eu precisei tirar um monte de NPC do umbigo e não consegui revelar as informações que eu havia planejado.

Numa caverna, eles encontraram uma passagem bloqueada e acharam que tinha algo do outro lado. Spoiler: não tinha. Mas eles estavam tão empenhados em atravessar, até se arriscaram para isso, que procurei por uma carta importante que apareceria posteriormente e fingi que ela estava lá o tempo todo.

Deixa Nimb me levar, Nimb leva eu

Imprevistos acontecem e não há nada o que possamos fazer sobre isso. Entretanto, podemos lidar com eles da melhor maneira possível.

Improvisar não é tão difícil quanto eu havia imaginado, mas esse ainda é um dos meus maiores nêmesis. Tento sempre ter algo básico para me guiar, um plano maior e menos detalhado que pretendo seguir, um esqueleto que é preenchido continuamente. Ainda não precisei me virar nos 30, criando algo do absoluto nada, mas sei que essa hora pode chegar (e sei que não vou estar preparada, mas é sobre isso e está tudo bem).

Não importa se você tem um plano B, C ou D, uma hora o improviso vai te pegar. Não é nenhuma chuva da Tormenta, nem um bicho de sete cabeças, e podemos sempre contar com a ajuda dos jogadores, afinal, construímos a história em conjunto.

Ter pouco preparo é perigoso, assim como preparar muito pode ser frustrante caso você não consiga utilizar todo o planejado. Sigo tentando manter um equilíbrio e fazer amizade com o improviso.

Bebam água, joguem RPG comendo frutas e até a próxima!

Escolinha de Tanna-Toh — Queísmo

crase

Olá, artonianos, sejam novamente bem-vindos à Escolinha de Tanna-Toh! Neste mês vamos tratar de um assunto um tanto diferente, sendo motivo de terror para muitas pessoas, tanto para quem lê quanto para quem escreve: o famigerado Queísmo!

Mas o que é isso?

Queísmo nada mais é do que o uso excessivo do termo “que”. Simples, não?

Conceitualmente sim, mas a sua ocorrência pode prejudicar fortemente textos que, sem a sua presença, poderiam ser muito melhores e fluidos. Isso acontece porque palavras que se repetem muito ou que possuem sons que se parecem, podem dar a entender que quem escreveu é alguém que possui um vício de linguagem ou alguém que possui um vocabulário que é fraco.

Percebeu?

Vamos de novo: Isso acontece porque palavras usadas repetidamente, ou de sonoridade semelhante, podem dar a entender que o escritor está com um vício de linguagem ou possui pouco vocabulário.

Veja que, na primeira explicação, eu usei o termo “que” sete vezes, e na segunda, apenas uma, deixando o trecho muito mais fluido e simples de ler. O Queísmo é um fenômeno bastante comum porque o termo “que” pode exercer diversas funções gramaticais dentro de uma frase, funcionando como substantivo, pronome, conjunção e até mesmo como preposição.

Assim, é importante sabermos como substituir esse termo quando, por distração ou cansaço, o usamos em excesso. Aqui vão algumas dicas:

Os verbos no infinitivo são seus amigos

A forma infinitiva de um verbo é o seu próprio nome, por exemplo, “haver” é a forma no infinitivo do verbo haver.
A frase: Precisamos tomar cuidado para que não haja desperdício de PM.
Pode ser reescrita como: Precisamos tomar cuidado para não haver desperdício de PM.

Trocar as palavras de lugar é um recurso valioso

Os clérigos de Arsenal querem que mais templos sejam construídos.
Se mudarmos o lugar de “mais templos” para o final da frase, temos:
Os clérigos de Arsenal querem a construção de mais templos.
Importante notar que, ao trocar as palavras de lugar, precisamos prestar atenção às suas formas e quais serão modificadas ou não.

Reduzir frases e orações também elimina os “quês”

Assim que subir de nível, poderá escolher um novo poder.
Ao subir de nível, poderá escolher um novo poder.

O cavaleiro que vestia a capa vermelha fugiu.
O cavaleiro de capa vermelha fugiu.

O recurso de redução de frases não é útil apenas para a eliminação de termos que possam causar ruídos. Escrever frases curtas que transmitam o sentido que se deseja podem ser úteis em diversos casos, desde a simples organização do texto na fase de diagramação, facilitando a organização do espaço na página (especialmente em livros com ilustrações junto ao texto), mas também se você precisa manter o texto dentro de um número máximo de caracteres ou palavras. Lembre-se que a maioria dos editais de escrita impõem um limite máximo de caracteres ou palavras.

Aumente o seu vocabulário

Se você quer (ou precisa) diminuir a repetição de palavras nos seus textos, o melhor caminho é expandir seu vocabulário, e embora exista mais de uma forma de fazer isso, a melhor ainda é a leitura. Leia tanto quanto puder e procure experimentar livros de autores desconhecidos para você. Aqui no site da Jambô, você encontra uma boa disposição de títulos na aba Jambô Curadoria, com livros recomendados por quem entende (muito!) de escrita. Boa pesquisa e boa leitura!

Uma última recomendação: quando tiver terminado seu texto, respire e descanse. Vá fazer outra coisa. Cansado e com a mente ligada no que você acabou de escrever, uma releitura ou revisão imediata pode fazer você deixar de ver erros e ruídos óbvios ou bobos. Descanse e só depois releia seu material, tenho certeza de que você vai perceber nuances e detalhes que haviam passado despercebidos.

Mais dicas de escrita da Escolinha de Tanna-Toh

Gramática
Porques
Vírgula

Brigada Ligeira Estelar: o Ano Perdido (07)

Brigada Ligeira Estelar

Brigada Ligeira Estelar: O Ano Perdido — Episódio Sete: 0,8 Miligramas por Litro

Anterior: nossos pilotos da Brigada Ligeira Estelar, exauridos pelas ameaças enfrentadas nos capítulos anteriores, tem direito a uma folga antes de levarem as peças tecnológicas para fora da Ponta do Sabre. Mas com a guarda baixa, talvez seja a melhor hora para roubá-las…

Local: Merimah, Safiye (Ottokar)

Situação Prévia:

O Grão-Domínio de Safiye em geral (e sua capital Merimah em particular) é o local mais cosmopolita e aberto para pessoas de outros mundos em Ottokar. Contudo, muitas delas voltaram a seus mundos com a guerra. Mesmo assim, muitos também fizeram sua vida nesta cidade e não mais a largariam. Todavia, há sempre vozes conservadoras pouco felizes com tal status…

Evento:

A milícia mercenária AK-49, composta só de jovens bonitas, talentosas e letais, pretende obter as peças no centro de pesquisas local. Assim, para manter nossos protagonistas ocupados, cinco de suas operativos (escolhidas entre as nascidas em Ottokar) se passam por estudantes amigáveis. Na verdade, seu plano é embebedá-los e mantê-los distantes enquanto o resto do seu grupo age.

Porém, essa cena chama a atenção de jovens membros de um grupo radical conservador local, afeito à atos de violência. Eles não sabem, mas as moças (seu alvo preferencial, por em tese não reagirem) sabem se cuidar. O problema está com nossos personagens: como eles irão enfrentar os sujeitos — e caso descubram, impedir a AK-49 — quando estão bêbados como gambás?

Reviravoltas

Incursão Secreta: a missão da AK-49 é se infiltrar na base com um esquadrão de mercenárias armadas e quando estiverem com as peças na mão, sair correndo — contando com várias outras para lhe dar cobertura. Mas as peças guardadas no local não são a única tecnologia ali presente. E se elas quiserem usar tudo o que encontrarem como armas improvisadas?

Muvuca Mortal: caso os encrenqueiros estejam conscientes, avisarão os demais membros do seu grupo e os chamarão para revidar. Se seguirem o rastro dos personagens, invadirão a base sem a menor sutileza. Com isso, as chances de caos completo são enormes: cada lado irá enfrentar outras duas forças — e, é claro, a AK-49 pode se valer disso para fugir…

Rostos Familiares: quem resgatará as moças é justamente a grande belonave responsável pelo ataque à lua de Peleja (episódio 03). Sim, são os mesmos inimigos. Se houver algum oponente familiar para o combate, e especialmente caso não tenha acontecido nenhuma luta com essa figura ainda, pode apostar: ela vai ser casca-grossa — e tem uma arma secreta!

Epílogo

Caso os personagens vençam, ou segurem as pontas até as forças da Brigada Ligeira Estelar (ou da Guarda Regencial local chegarem), não perderão tempo. Assim, seguirão sua jornada no dia seguinte, saindo do planeta com os itens. Mas o farão de ressaca! Pelo menos contarão com a escolta de seus colegas até saírem do Espaço Vital de Ottokar e finalmente, executar um hipersalto…

Ideias

Vilões Pragmáticos: como o tom do episódio é leve, assuma que a AK-49 quer evitar casualidades (são autoridades, afinal). Pensem em ataques indiretos — o velho Esquadrão Classe A é uma ótima referência nesse sentido. Da mesma forma, os grandes vilões querem só os itens. Assim, se eles sentirem que não conseguirão, irão embora e tentarão outro dia.

Porrada é Bom e eu Gosto: da mesma forma, quando as três forças antagônicas se encontrarem, trate como se fosse um grande quebra-quebra de bar, mas espalhando-se em toda a base. Estimule situações ridículas: um dos encrenqueiros sendo folgados com uma das mercenárias, um hussardo batendo nele para tentar xavecá-la, ela lhe respondendo com um chute…

Considerações para Brigada Ligeira Estelar RPG

É hora de nos despedirmos de Ottokar e após dois episódios muito tensos e dramáticos, talvez caia bem uma olhada no aspecto mais divertido e potencialmente picaresco de tudo — daí um episódio cômico para variar. A princípio, não é difícil isolá-lo para fazer dele um one-shot. Ao invés da nave dos vilões, poderia ser uma nave principal das forças mercenárias por exemplo.

De qualquer forma, essa aventura foi pensada para ser usada tanto com regras opcionais de hordas quanto de embriaguez (Belonave Supernova, Vol. 2, página 40). Assim, estimule os atos mais ridículos quando todos estiverem bêbados (os personagens, não os jogadores)!

Divirtam-se.

Episódios Anteriores

00 — Introdução (AQUI)
01 — O Sinal Desconhecido (AQUI)
02 — Madredeus (AQUI)
03 — A Fortaleza Lunar (AQUI)
04 — Cidade do Perigo (
AQUI)
05 — O Templo dos Guerreiros (
AQUI)
06 — Zona Devastada (
AQUI)

Twitter de Brigada Ligeira Estelarhttps://twitter.com/BrigadaEstelar
Blog oficial de Brigada Ligeira Estelar: https://brigadaligeiraestelar.com/
Instagram de Brigada Ligeira Estelar: https://www.instagram.com/brigadaligeiraestelar

Teatro Arcano — Como dar vida a pessoas mágicas no RPG

A magia, em nosso mundo, é um conceito tão abstrato quanto as palavras. Você não vê pela rua pessoas soltando bolas de fogo com um estalar de dedos, e isso torna sua existência dúbia. Mas esse não é o caso do RPG! Em ambientações de alta fantasia existem até mesmo academias que ensinam a arte de manipulação da trama, de milagres, até mesmo por meios artísticos! Em um cenário como Tormenta, muitas são as possibilidades de personagens que utilizam esse recurso, então é normal se confundir na hora de escolher  com o que jogar, e é por isso que temos esse artigo, para auxiliar a criar sua “Pessoa Mágica” dentro da mesa de jogo.

O Conceito de sua Magia

Com quem seu mago estudou, ou círculo de seu druida, até mesmo o clero de sua clériga podem influenciar sua forma de conjuração, mas não quer dizer que está preso a um estilo específico. Eles são a base de seu conhecimento, e não uma regra escrita em pedra. Mas sim, uma forma de entender de onde vem a sua magia, saber sua origem e como explorá-la. 

Também imagine se sua magia é um simples recurso, uma habilidade que está ali para usar, ou um estilo de vida a qual se devotar — não necessariamente de forma religiosa. A magia externaliza o “eu” de sua personagem, fazendo uma transição do que ela aparenta ser para o que realmente é. Só então, quando tiver seus conceitos mais claros, responda: “O que é a magia para minha personagem?”

Neste momento, não é necessária uma resposta complexa e elaborada, muito menos uma história de várias páginas. Aqui estamos lidando com frases simples, como guias de interpretação para auxiliar sua jogatina. Pense em aspectos, um conceito que resume sua relação com a magia, um que traga a ideia de sua origem e no final o que sua personagem acredita que a magia seja, talvez até algum tipo de problemática que a envolva.

Como Conjurar

Utilização de algum item, palavras confusas em um idioma desconhecido, sua arte — como dança, música ou poesia —, uma oração ou até mesmo um simples levantar de mãos. Sabendo os principais conceitos de sua personagem, está na hora de mostrar como ela cria esses efeitos fantásticos! 

Customize, converse com a narradora caso isso possa vir a modificar alguma mecânica, mas seja livre para imaginar como a sua personagem externaliza seus poderes. Minha Barda Mayglenn, por exemplo, faz pequenas rimas para cada efeito que é capaz de produzir. Já tive um mago que, auxiliado de seu grimório, suas “palavras mágicas” eram mantras dedicados a Wynna. 

Entendo que ir para o “clássico” pode ser mais fácil para quem está jogando a primeira vez de conjurador. Mas a diversão da magia, é seu alto nível de customização. Isso podemos perceber, também, em sistemas focados em pessoas mágicas, onde podemos conjurar usando cartas de tarot, ou rolando búzio. 

Procure referências, faça anotações, mude o método durante o decorrer das sessões, afinal sua personagem está em constantes transições durante o passar do tempo. O método de conjuração é só um meio de externar essa transformação. 

O que conjurar

Esse é o ponto principal da personagem. Como dito anteriormente, a magia externaliza o seu “eu”, logo, vale perguntar: como ela gera esse efeito? Em rpgs clássicos, temos as “escolas de magia” que afetam tanto conjuradores arcanos quanto divinos. Mas elas não são restritivas. Necromantes sabem manipular a “energia negativa”, mas isso não quer dizer que eles também não conheçam sobre outras escolas. Algumas outras trabalham com esferas de conhecimento, onde as personagens começam com alguns pontos, e podem aprender novas com o passar do tempo.

Eu gosto de pensar em termos gerais. Se quero criar um Arcanista, por exemplo, que seja bom em efeitos de utilidade para o grupo, ou um controle geral no combate, foco em magias que criem essa possibilidade para mim. Por isso, é interessante ter um repertório diverso, mas que seja representativo.

Também existem personagens e classes, como bardos, que tem acesso a pouco repertório, e precisam escolher com algumas restrições. Por isso, lembre-se que as habilidades mágicas não se restringem a “magia”, mas também abrange determinados poderes. Afinal, Melodia Curativa não é uma simples música. É a capacidade de curar aliados através de sua arte. A Forma Selvagem de Druida te dá a capacidade de transformar-se em um animal, e isso com certeza é algo considerado “mágico”. Entenda que não é só aquela lista imensa de efeitos que o define como conjurador, mas também os feitos mais específicos que te diferenciam.

Últimos detalhes

Para finalizar, dê vida a sua volta. Seu círculo druídico, ou a igreja que segue. A academia ou mestre com quem estudou. Uma origem mística na sua família. Suas vestimentas e adereços que te identifiquem. Elementos estéticos, ou de história, que demonstrem como você chegou até seu estado atual. 

Por exemplo, o cenário de Arton dá muitas bases para desenvolver esses pequenos pontos. Existem locais conhecidos de onde vieram grandes PnJs místicos como Vectorius, Niala, Kalamar e outros. Grandes templos conhecidos abrigam futuros aventureiros, bosques escondem os segredos de Alihanna. Locais esses que podem ser o plano de fundo até mesmo para toda a aventura. 

E não se limite ao que foi pré-estabelecido. Adapte-se e mude conforme a história se desenvolver. O misticismo de sua personagem sempre será um fator importante, mas os paradigmas dela não estão escritos em pedra. Também divirta-se interpretando a conjuração, até mesmo gritar o nome dela, caso sua personagem goste. A magia é mais uma possibilidade de incrementar seu jogo, então não tenha medo de paradoxo! 

Heróis de Bolso 05 — Fichas prontas para Tormenta20

Fichas prontas para Tormenta20

Mais um mês se completa, e com seu fim, uma nova galeria de personagens prontos para você que precisa de fichas para Tormenta20, mas está sem tempo ou criatividade para criá-las. Seja para um grupo jogar a incrível Jornada Heroica: Coração de Rubi ou as Breves Jornadas, da Revista Dragão Brasil, estes heróis de 1º nível estão aqui para aqueles que precisam, sempre atendendo o chamado para aventura!

Vocês podem baixar todas as fichas prontas para Tormenta20 em arquivos em PDF por Diogo Almeida aqui ou baixá-las individualmente abaixo!

Hynne Paladina de Marah  1, Acólita

Iniciativa +1, Percepção +2
Defesa 16, Fort +3, Ref +1, Von +6.
Pontos de Vida 23.
Deslocamento 6m (4q).
Pontos de Mana 7.
Aura de Paz (livre, 2 PM). Você gera uma aura de paz com alcance curto e duração de uma cena. Qualquer inimigo dentro da aura que tente fazer uma ação hostil contra você deve fazer um teste de Vontade (CD Car). Se falhar, perderá sua ação. Se passar, fica imune a esta habilidade por um dia.
Código do Herói. Você deve sempre manter sua palavra e nunca pode recusar um pedido de ajuda de alguém inocente. Além disso, nunca pode mentir, trapacear ou roubar. Se violar o código, você perde todos os seus PM e só pode recuperá-los a partir do próximo dia.
Palavras de Bondade. Você aprende e pode lançar Enfeitiçar (CD Sab).
Pequeno e Rechonchudo. Seu tamanho é Pequeno (veja a página 106, Tormenta20). Você usa o modificador de Destreza para Atletismo (em vez de Força).
Sorte Salvadora (1 PM). Quando faz um teste de resistência, você pode gastar 1 PM para rolar este teste novamente.
Obrigações & Restrições de Marah. Devotos de Marah não podem causar dano e impor condições a criaturas, exceto fascinado e pasmo (habilidades que aumentem o dano causado por seus aliados também são proibidas). Em combate, só podem proteger e curar, ou então fugir, render-se ou aceitar a morte.
For 12, Des 12, Con 16, Int 8, Sab 14, Car 18.
Perícias. Diplomacia +8, Intuição +4, Religião +4.
Equipamento. Escudo leve, gibão de peles, mochila, saco de dormir, símbolo sagrado de Marah, traje de sacerdote, traje de viajante, T$ 14.

Opcional — Temeroso (Desvantagem, Revista Dragão Brasil 156)
Você sofre –5 em Luta.
Poder Bônus — Aparência Inofensiva. A primeira criatura inteligente (Int 3 ou mais) que atacar você em uma cena deve fazer um teste de Vontade (CD Car). Se falhar, perderá sua ação. Este poder só funciona uma vez por cena; independentemente de a criatura falhar ou não no teste, poderá atacá-lo nas rodadas seguintes.

Qareen Nobre 1, Membro de Guilda

Iniciativa +0, Percepção -1
Defesa 22, Fort +2, Ref +0, Von +1, resistência a luz 10.
Pontos de Vida 18.
Deslocamento 9m (6q).
Pontos de Mana 4.
Corpo a Corpo. Cimitarra +4 (1d6+2, 18).
Desejos. Se lançar uma magia que alguém tenha pedido desde seu último turno, o custo da magia diminui em –1 PM. Fazer um desejo ao qareen é uma ação livre.
Foco em Perícia (1 PM). Quando faz um teste de Diplomacia, você pode gastar 1 PM para rolar dois dados e usar o melhor resultado.
Orgulho. Quando faz um teste de perícia, você pode gastar uma quantidade de PM a sua escolha (limitado pelo seu modificador de Carisma e nível). Para cada PM que gastar, recebe +2 no teste.
Tatuagem Mística. Você pode lançar a magia Orientação (CD Car).
For 14, Des 10, Con 14, Int 10, Sab 8, Car 22.
Perícias. Diplomacia +10, Enganação +8, Intimidação +8, Misticismo +2, Nobreza +2.
Equipamento. Adaga, cimitarra, couraça banhada a ouro (espólio), escudo leve, kit de ofício alquimia, mochila, saco de dormir, traje de viajante, T$ 14.

Opcional — Devoto de Azgher
Poder Concedido — Espada Solar (livre, 1 PM). Você faz uma arma corpo a corpo de corte que esteja empunhando causar+1d6 de dano por fogo até o fim da cena
Obrigações & Restrições. O devoto de Azgher deve manter o rosto sempre coberto (com uma máscara, capuz ou trapos). Devotos do Sol também devem doar para a igreja de Azgher 20% de qualquer tesouro obtido.

Kliren Ladino 1, Guarda

Iniciativa +5, Percepção -1.
Defesa 16, Fort +3, Ref +5, Von -1.
Pontos de Vida 12.
Deslocamento 9m (6q).
Pontos de Mana 4.
A Distância. Besta leve +5 (1d8, 19, alcance médio).
Ataque Furtivo. Uma vez por rodada, quando atinge um alvo desprevenido com um ataque corpo a corpo ou em alcance curto, ou um alvo que esteja flanqueando, você causa 2d6 pontos de dano adicional.
Detetive. Você pode substituir testes de Percepção e Intuição por testes de Investigação.
Especialista. Ao fazer um teste de Conhecimento, Diplomacia, Intuição, Investigação, Misticismo ou Ofício (Alquimia), você pode gastar 1 PM para dobrar seu bônus de treinamento.
Lógica Gnômica (2 PM). Quando faz um teste de atributo ou perícia, você pode gastar 2 PM para substituir o modificador de atributo utilizado por Inteligência.
Ossos Frágeis. Você sofre 1 ponto de dano adicional por dado de dano de impacto. Por exemplo, se for atingido por uma clava (dano 1d6), sofre 1d6+1 pontos de dano.
Vanguardista. Você recebe proficiência em armas de fogo.
For 8, Des 16, Con 10, Int 22, Sab 8, Car 12
Perícias. Acrobacia +4, Conhecimento +8, Cura +1, Diplomacia +3, Furtividade +4, Intuição +6, Investigação +10, Ladinagem +4, Misticismo +8, Nobreza +8, Ofício (Alquimia) +10, Pilotagem +5.
Equipamento. Apito, besta leve, couro batido, espada longa, insígnia da guarda, mochila, saco de dormir, traje de viajante, T$ 14.

Opcional — Devoto de Tanna-Toh
Poder Concedido — Voz da Civilização. Você está sempre sob efeito de Compreensão.
Obrigações & Restrições. Devotos de Tanna-Toh jamais podem recusar uma missão que envolva a busca por um novo conhecimento ou informação. Além disso, o devoto sempre deve dizer a verdade e nunca pode se recusar a responder uma pergunta direta.

Anão Caçador 1, Capanga

Iniciativa +2, Percepção +7, visão no escuro.
Defesa 15, Fort +4, Ref +2, Von +5.
Pontos de Vida 21.
Deslocamento 6m (4q).
Pontos de Mana 4.
Corpo a Corpo. Machado de batalha +5 (1d8+5, x3)
A Distância. Machadinha +2 (1d6+5, x3, alcance curto),
Confissão. Você pode usar Intimidação para obter informação sem custo (veja a perícia Investigação, p. 120, Tormenta20).
Conhecimento das Rochas. Você recebe +2 em testes de Percepção e Sobrevivência realizados no subterrâneo.
Marca da Presa (movimento, 1 PM). Você analisa uma criatura em alcance curto e recebe +1d4 nas rolagens de dano contra essa criatura até o fim da cena.
Rastreador. Você pode se mover com seu deslocamento normal enquanto rastreia sem sofrer penalidades no teste de Sobrevivência.
Tradição de Heredrimm. Para você, todos os machados, martelos, marretas e picaretas são armas simples. Você recebe +2 em ataques com essas armas.
For 16, Des 10, Con 14, Int 8, Sab 20, Car 8
Perícias. Atletismo +5, Intimidação +3, Sobrevivência +9.
Equipamento. Escudo leve, gibão de peles, machadinha, machado de batalha, mochila, saco de dormir, tatuagem aprimorada (+2 em Intimidação, já contabilizado), traje de viajante, T$ 8.

Opcional — Devoto de Khalmyr
Poder Concedido — Dom da Verdade. Você pode pagar 1 PM para receber +5 em testes de Intuição até o fim da cena.
Obrigações & Restrições. Devotos de Khalmyr não podem recusar pedidos de ajuda feitos por pessoas inocentes. Também devem cumprir as ordens de superiores na hierarquia da igreja e só podem usar itens mágicos criados por devotos do mesmo deus.

Para mais personagens:

Heróis de Bolso 01 — Fichas prontas para Tormenta20
Heróis de Bolso 02 — Fichas prontas para Tormenta20
Heróis de Bolso 03 — Fichas prontas para Tormenta20
Heróis de Bolso 04 — Fichas prontas para Tormenta20

Balbúrdia Narrativa — Seu anão é um humano mascarado: Criando traços para seu personagem

Só para deixar claro, estou falando do seu personagem anão e sobre por que, na verdade, seus traços são de um humano. Foi você quem o criou e é quem o interpreta, correto?

Os principais traços de todo personagem é ser um humano mascarado

Humano é apenas uma das inúmeras raças do mundo RPGístico, expandindo-se imensamente com personagens de outras mídias. Porém, todos eles, de ewoks e vogons aos anões e fadas, não passam de uma caricatura humana, replicando traços e características nossas. A realidade é que todos os personagens já criados foram criados por seres humanos. Portanto, de certa maneira, sempre serão representações humanas.

Só um ser humano consegue fazer uma coisinha tão fofa e detestável idiota. Créditos a Star Wars.

Eu acredito ser impossível fazer diferente. Pense em qualquer fantasia sobre um mundo inexistente, com sociedades distintas de povos fictícios. Ao escrever, o autor estará se baseando nos moldes de uma sociedade humana, pois esta é a única sociedade que ele conhece e participa. Nós, seres humanos, somos os únicos seres pensantes, a única sociedade avançada (que conhecemos), os únicos seres com um idioma formal e por aí vai. Então, sempre que criar um personagem, não importa o quão abstrato seja, ainda assim terá traços de um humano. Será um humano mascarado. Uma pedra sem rosto ou expressão, que não fala e não interage com nada ao redor, mas que é capaz de pensar por si própria, ainda assim é um humano abstraído.

Isso parece meio óbvio agora que escrevi, mas o que quero dizer é o seguinte.

A placidez dos elfos de Valfenda, sua altivez e requinte, presentes em seus personagens, cultura e sociedade, são todas características humanas realçadas. O mesmo vale para os anões, mineradores e ferreiros, gananciosos por metal e gemas. Também vale para os vogons e sua infindável burocracia desnecessária. Até mesmo para a vaidosa bruxa má, que não consegue aceitar a idade e devora jovens garotas para absorver sua juventude.

Altivez, ganância, burocracia e vaidade. Todas características e preocupações humanas, realçadas em personagens fictícios de modo que tenhamos empatia ou antipatia por aqueles que as carregam.

Dissecando o humano por trás do personagem

Considerando que o RPG de mesa não é um jogo puramente sistemático, mas também narrativo, os traços de personalidade trazem diversas novas possibilidades aos personagens. E por mais que eles possam ser pessoas inexistentes vivendo em um mundo mágico, seus medos, gostos e vontades ainda dependem do que nós definimos como sendo medo, gosto e vontade.

Enfim chego ao ponto do texto. Abordar traços e características de um ser humano em seu personagem de RPG há de torná-lo mais vivo, criando uma camada mais profunda a ser explorada. Além de grandes objetivos na vida, pense em outros detalhes. De medos e princípios até pormenores. Talvez se sinta desconfortável quando vê uma criatura com chifres. Talvez goste muito de um chaveiro colorido que sempre carrega, e perdê-lo pode significar um abalo emocional enorme. Por quê?

Eu costumo jogar bastante RPG, por mais que já tenha jogado bem mais. Já devo ter criado e jogado com mais de trinta personagens. Em determinado momento de uma campanha, um colega jogador me perguntou o porquê de eu ter tratado uma figura de autoridade de uma determinada maneira. Eu não sabia da resposta na hora. Para mim era apenas a maneira que o meu personagem deveria tratar aquela figura. Levando essa questão para a terapia, descobri que aquela pequena ação dizia mais do que eu imaginava sobre mim e o personagem…

Isso me leva ao próximo ponto.

Não se esqueça que você também é um humano

É espantoso quando paro pra pensar e consigo perceber que cada um desses trinta personagens, por mais distintos que sejam entre si, possuem traços meus. Pode ser algo direto, como uma goblinoide com ansiedade e TDAH. Ou algo muito subjetivo, como ser o mais velho da equipe e sentir um senso de responsabilidade sobre os demais — considerando que desde a adolescência costumo ser o mais velho dentro meu grupo de amigos e tenho um sentimento parecido em relação a eles. Todos seus personagens são partes suas com algo a mais, e é impossível se desfazer disso.

Muitos jogadores, principalmente novatos, tremem as pernas ao tentar definir os traços de seu personagem. Eu acho que existe um caminho fácil a se seguir, que eu, particularmente, gosto muito. Comece a pensar nos seus traços, nos seus gostos, nos seus medos, nas suas manias e cacoetes. Perca um tempinho nisso até encontrar alguma coisa divertida e/ou que se encaixe bem no personagem que está sendo criado. Decida uns três ou quatro destes traços e tá pronto o sorvetinho. Pensar em pessoas próximas e trazer traços que se destaquem também é válido. Talvez expor um medo seu possa ser pessoal demais. Expor o medo inexplicável que seu pai tem por minhocas, talvez não.

Todos seus personagens são você, cara. *Sussurra* Todos eles…

Subvertendo os traços humanos do personagem

Depois de já ter se acostumado a atribuir tais características aos personagens, sair desta zona de conforto não é difícil. O que gosto de fazer é pensar em características totalmente opostas e então encontrar o meio do caminho.

Se meu antigo personagem era um elfo paladino, carismático e complacente, a primeira coisa que me vêm à mente é um goblinoide fedorento e maltrapilho. Um assassino sem nenhuma das ânsias élficas e que detesta quaisquer valores ligados ao engrandecimento e orgulho da antiga raça.

A partir daí, diminuo a intensidade destes traços. Em vez de um goblinoide, talvez seja um halfling, ou hynne, como é chamado no mundo de Arton. Ainda baixinho e ligeiro, mas não tão asqueroso. Ele pode não ser fedorento nem maltrapilho, apenas não faz tanta questão de se arrumar ou de tomar banho diariamente por ser preguiçoso demais. Não odeia os elfos, apenas não costuma confiar neles pois não gosta de gente orgulhosa e presunçosa demais. E em vez de assassino, é apenas um batedor de carteiras. Talvez roube exatamente por ter preguiça de aprender a lutar, então ele entra, pega o que precisa ser pego e vai embora.

Com este exercício já temos em mãos um possível próximo personagem. Um hynne ladrão e preguiçoso, que não se dá bem com gente orgulhosa e também não gosta de tomar banho. Agora que penso sobre ele, talvez ter 50 anos de idade pode não ser má ideia. E então ele não é apenas preguiçoso, ele já está ficando cansado, mesmo…

Pois bem. Espero que tenha conseguido dar uma pequena luz àqueles com dificuldades de encontrar tais traços para seus personagens em mesa. O segredo é que, no final das contas, se resume a sermos todos humanos. Mesmo que às vezes também sejamos anões, elfos, hobbits, fadas ou ewoks.

Arrepios – Natal

Para começar bem o ano de 2022, porque não um conto assustador de Natal? Na coluna Arrepios de hoje, descubra até onde vai as perversidades na cabeça de alguém “inocente”.

E um ótimo 2022 para todos nós!


Empinadora sempre foi a mais sentimental. Enquanto aliso seu corpo pela última vez, sempre no sentido do pelo, como ela gosta, sinto que se despede. Não sei se são os olhos brilhantes, o focinho mais gelado que o normal; talvez um suspiro que pode ser apenas mera respiração acelerada, após carregar o trenó por todos esses quilômetros, como deveria de ser.

Rudolph me observa e seu nariz piscando de forma mais fraca. Como se pressentisse o que acontecerá, rouba minha atenção. Tirei as amarras que as prendiam ao trenó, tentei fazer com que voassem livres, mas todas permanecem me olhando, em um silêncio triste e brutal.

As casas brasileiras são das mais complicadas de se entrar. Não fosse a falta de chaminés uma chateação suficiente, ainda tem os cachorros soltos, travas, portões altos e até alguns cacos de vidro e resto de garrafas concentrados por cima dos muros. Sentirei falta disso também, as calças rasgadas sempre fizeram a Dona Noel rir.

Toda a minha vida foi sabendo que esse dia chegaria. Uma maldição tão óbvia que estava escondida em sua simplicidade. Uma hora alguém iria entender que minha condição é assustadora: refém da vontade de crianças. Todas são vistas como ingênuas e doces, e em sua maioria realmente são. Mas, uma hora isso aconteceria, uma hora alguma jovem alma se corromperia e entenderia o seu poder. Bastavam as palavras certas, a estratégia certa. A vontade certa.

Enquanto adentro a casa usando umas das geringonças que os eficazes duendes criaram para abrir portas sem chamar atenção, repasso a cartinha do menino Márcio em minha cabeça.

Tudo bem calculado, palavra por palavra, frase por frase. Um conjunto de sílabas voltadas a um plano extremamente engenhoso, assim como a decoração natalina desta sala.

A árvore na parede oposta à porta, visível de todos os ângulos do ambiente, como deveria de ser. O pisca-pisca nem forte nem fraco demais, numa frequência tranquilizadora, quase sonífera. Botas de papel marchê espalhadas pela parede, conectadas por um fino cordão verde. O pequeno Papai Noel de pelúcia subindo uma escada que não leva a lugar nenhum.

O saco vazio em minhas costas quase não pesa nada. A última das últimas caixas que será entregue no dia 25 de dezembro de 2021, não ocupa espaço o suficiente para mostrar o volume que minhas fotos, desenhos e animações representam com tanta verdade. O saco vazio parece tristonho e cabisbaixo.

Retiro o embrulho azul, coloco a tampa de lado e o apoio no chão. O tamanho é exato, como deveria de ser, os duendes são perfeccionistas ao extremo. Sentirei saudades até de sua mania de limpeza e do incômodo que me causavam quando perguntavam insistentemente se eu precisava de algo mais antes de sair pelo mundo contemplando a minha maldição.

O adesivo plástico azulado que recobre a lâmina me causa certo arrepio ao puxá-lo. Lentamente, o meu reflexo deixa a lâmina avermelhada como se um borrão a pintasse. Retiro a base de madeira e a deito no chão. Coloco uma peça de metal que lembra um U sem as extremidades arredondadas sobre a base e parafuso ambas as partes para ficarem bem firmes. Encaixo a lâmina no espaço , respiro fundo e sorrio em um lapso de alegria ao notar que Misia, a chefe dos duendes e única que realmente sabia o que estava acontecendo, colocou uma bela almofada acolchoada para que meu pescoço ficasse confortável. 

Refaço toda a operação, ganhando poucos segundos a mais, respirando o ar quente e sentindo o cheiro de chuva típico dessa época em São Paulo. Um sereno leve, suficiente para ensopar os pelos das renas. Dançarina era a que mais se incomodava.

Coloco minha cabeça no suporte, puxo a corda para a folha de metal afiadíssima subir e calculo o espaço certo para que o presente caia na caixa aveludada. Milimétrico, como deveria de ser.

Coloco a cartinha que recebi ao lado do presente e solto, enfim, a corda.

 

Querido Papai Noel,

Fui um ótimo menino, fiquei o ano todo sem causar confusão alguma. Duvidaram que eu conseguiria, todos achavam que eu era incontrolável, mas provei que estavam errados. Como a regra é clara, por não ter dado trabalho aos meus pais e ter sido um bom garoto (um ano longo), quero o meu presente e você não tem como negar. Foram vários anos sem ganhar uma meiazinha que fosse, vendo crianças e mais crianças felizes com algo que não me deram a opção de ter.
Agora ficarei como elas, todas seremos iguais. A injustiça será desfeita com um único presente:
Sua cabeça em uma caixa de veludo.
Feliz último Natal,

Marcinho.