Romances de fantasia inspirados em universos de RPG são ótimos por vários motivos. O mundo apresentado costuma seguir a lógica de uma mesa de RPG. Os tropos típicos estão lá, embora temperados com momentos épicos, diálogos criativos e diversas cenas e lugares que queremos transportar para nossos jogos.
Além de tudo isso, os romances de Dragonlance tem um sabor especial: o grupo de aventureiros principal. Os Heróis da Lança são uma boa inspiração para RPGs de fantasia e um exemplo de como vários personagens diferentes e tretosos podem funcionar em conjunto. (mais…)
Esse mês me ocupei de ler o volume 2 de As Brumas de Avalon, de nome A Grande Rainha. Me lembro de já ter lido esses livros quando mais novo, mas queria ter a história fresca para saber o que falar sobre.
Por conta do título, já imaginava que seria focado em Guinevere e em todas as suas frustações relacionadas ao casamento com Arthur e o seu amor proibido com Lancelot, mesmo assim me incomodou um pouco o foco em uma personagem tão irritante quanto esta, acho que em parte pois me apeguei de mais ao núcleo de Avalon.
Aqui vemos a capacidade da autora em escrever personagens. O que senti com esse livro foi um misto de ódio, amor e pena por todos os personagens, em especial aquela que teve maior destaque em toda a trama, a esposa do grande rei Arthur. Senti pena da criação extremamente religiosa centrada na imposição de culpa, que fazia com que a maioria das mulheres da época sentissem por um pecado que não haviam cometido. Ao mesmo tempo, senti ódio de várias falas e atitudes dela, que foram tanto devido a sua arrogância como nobre como ao seu fanatismo religioso. Marion Zimmer Bradley soube retratar isso muito bem, de forma a despertar sentimentos antagônicos em relação a mesma personagem.
Ler esse livro me fez perceber como nós podemos ser paradoxos em relação a sentimentos e pensamentos. Tanto em relação às minhas próprias reações em relação a Arthur, Guinevere e Lancelot, que iam de raiva profunda a pena e até compreensão e carinho, quanto aos sentimentos da própria rainha, que tinha que lidar com sua criação extremamente cristã, seu amor e devoção para com seu rei e seu desejo incontrolável por Lancelot, além da vontade de ter um filho, que a faria cogitar ir contra tudo o que ela acreditava apenas para dar um herdeiro ao trono da Grande Bretanha.
Confesso que senti bastante falta das partes narradas por Morgana.
Muitas vezes eu parei para respirar um pouco e digerir o que acontecia, já que a raiva que eu senti de certas atitudes dos personagens me impedia de continuar a leitura no momento. Essa raiva não estragou, porém, o prazer da leitura. Como um autor que eu gosto muito me disse uma vez: “Quando alguém tem sentimentos tão fortes como a raiva lendo algo que eu escrevi é porque estou fazendo algo certo.”, o que significa que quando uma obra mexe com a gente (tanto na forma de mostrar os personagens como no enredo em si) a ponto de nos fazer sentir ódio, raiva, amor, compaixão, é porque o autor fez um bom trabalho, e a leitura desse livro nos faz sentir tudo isso.
Como cereja do bolo temos o personagem Kevin, que nesse livro teve um pouco mais de tempo do que no anterior. O bardo se tornou um alívio para meus olhos e foi de fato o único personagem do qual eu não senti raiva em nenhum instante. De fato, eu posso afirmar que ele já é o meu segundo personagem favorito em todos os quatro volumes da série.
Ao mesmo tempo doce e amargo, Kevin me causou o sentimento que mais eu gosto de sentir ao ler um personagem. Mais uma vez eu senti uma identificação enorme com o personagem e tudo o que ele pensava e sentia, e sobre a forma como as pessoas lidam com ele. O bardo me fez sorrir nos momentos em que todas as cenas me faziam querer esganar certos personagens. Nesse livro eu consegui enxergar a mim mesmo no personagem. Fiquei satisfeito com isso.
E você? Já leu A Grande Rainha? Me conta o que achou aqui embaixo.
Uma das histórias mais contadas e recontadas através dos tempos é a lenda em volta do mítico Rei Arthur e todos os personagens envolvidos com ele. Várias releituras foram feitas sobre esse jovem rei celta, que após receber a espada Escalibur, tornou-se o maior rei que a ilha da Grande Bretanha um dia possuiu. Podemos citar, mais recentemente, obras como as séries Merlin e a fresca e nova Cursed, da Netflix. Mas, a meu ver, nada se compara a versão épica escrita por Marion Zimmer Bradley, revisitando a história clássica e lendária sob uma outra ótica. Tendo como ponto de vista o olhar de Morgana, meia-irmã de Arthur e uma grande sacerdotisa de Avalon, As Brumas Avalon mostra uma visão feminina e pagã das lendas contadas desde antes da Idade Média. Essa resenha tratará de falar do primeiro livro da quadrilogia, chamado A Senhora da Magia,disponível na loja da Jambô em uma edição única de As Brumas de Avalon. Nele, Marion introduz os personagens que permearão toda a história, mas principalmente, nos conta sobre a infância de Morgana em Tintagel e posteriormente na corte do Rei Uther, e o resto de sua juventude na sagrada ilha de Avalon, com sua tia e sumo-sacerdotisa, a Dama do Lago Viviane.
Ligando as lendas aos fatos históricos, a autora menciona muitas vezes o domínio romano sobre o território da Gran Bretanha, a chegada do cristianismo e seu crescente domínio sobre a grande ilha, assim como as invasões bárbaras, tendo foco nos povos saxões, que vindos do norte, pretendiam dominar aquela região. Em verdade, no livro de Bradley, fora o constante perigo das invasões saxãs que fez com que Avalon, sob comando da Senhora do Lago e de Merlin, decidisse por colocar Uther Pedragon como o Grande Rei e, casando este com Igraine, ter um filho que seria preparado para ser o futuro Grande Rei, que afastaria os invasores e uniria a Gran Bretanha sob a bandeira da Grande Deusa.
Uma das coisas que eu mais admiro em A Senhora da Magia, e também em todos os outros livros da trilogia, é o fato de Marion mostrar um estudo profundo sobre a cultura dos povos celtas e bretões, além de ter dado uma pitada de realidade nas histórias, como o fato de Merlin ser um título e não um nome. De fato, eu tomo isso atualmente como uma verdade.
A escrita de Marion tem a densidade que necessita e, com um enredo dinâmico e atraente, consegue nos envolver em cada palavra, nos fazendo terminar o livro sem sequer nos darmos conta. Mesmo que, em algumas descrições e falas, possa causar certa raiva, como em como Viviane e Morgana são descritas por alguns personagens, ou como esta falou do bardo Kevin, mesmo estas vezes são justificáveis pela personalidade dos personagens e a criação de pessoas da época.
A autora fez uma coisa interessante ao unir alguns personagens em um só, sendo um desses personagens o próprio Merlin e uma figura tanto histórica quanto mítica, Taliesin. Outros dois personagens que foram juntos em um só foram Galahad e Lancelot. No livro, o nascido Galahad é filho de Viviane e um dos reis do sul e, ao ser criado por seu pai como cristão, adotou o nome com o qual foi chamado por seus companheiros de armas, Lancelot. Um adendo é que existe, neste livro, a introdução de um personagem criado por Marion, extremamente carismático e talentoso, chamado Kevin o Bardo.
E se estou falando de personagens, não posso evitar falar dos três que eu mais amei nesse primeiro livro. Tratam-se, é claro, de Morgana, Arthur e Kevin.
Arthur é, nesse primeiro livro, mostrado tanto no início da infância quanto já na entrada na vida adulta. Quando criança, é um menino doce, ingênuo, mas muito corajoso e totalmente desejoso do orgulho do pai, quase morrendo em uma de suas tentativas de se mostrar digno, isso logo antes de ser enviado para ser criado escondido em um dos reinos vassalos de Uther. Como adulto, Arthur continua mantendo a inocência e a bondade de anteriormente, mas fora convertido em um guerreiro forte e virtuoso. Principalmente, virou um homem apaixonado, tanto por sua família quanto pelo seu próprio senso de justiça.
Kevin pouco aparece em A Senhora da Magia, tendo mais destaque nos outros três livros, sendo apenas introduzido ao leitor durante a cena em que Taliesin o leva para uma reunião com Morgana e Viviane. Nesse breve momento, já dá para ver que toda a sua trajetória anterior o marcou para transformá-lo no que ele virou e que, apesar das descrições feitas por Morgana, o rapaz tem sua própria e peculiar beleza, que seduz aquele que lê e entende as dores e mágoas que o moldam.
Morgana é descrita como feia e bonita ao mesmo tempo. Uma mulher pequena, de cabelos e olhos escuros, e pele descrita como sendo “morena como um picto”. Esse aspecto dela, de ser considerada pequena e feia por ser fora dos padrões de beleza da época, e ser linda quando mostra a altivez e o poder de uma sacerdotisa de Avalon, me fez muitas vezes me identificar com ela quando eu era criança. Sua personalidade é forte e sua inteligência assusta, mas cativa. Ela tem dentro dela uma disputa entre os valores ensinados em Avalon, que ela respeita e ama, com aquilo que aprendeu na sua infância na corte de Gorlois, o que causa uma ruptura ao final do primeiro livro.
Me atrevo em dizer que em nenhuma outra releitura das lendas arturianas eu vi personagens tão bem escritos e aprofundados, com personalidades plausíveis e reais, e não apenas meras caricaturas do que é ser herói e vilão. Mesmo aqueles que, no decorrer do livro, eu criei desprezo, tem seus motivos para serem o que são e fazerem o que fazem, são pessoas cujas personalidades nós poderíamos ver no dia a dia.
Como a cereja do bolo, temos os pequenos capítulos “Morgana fala”, narrados em primeira pessoa pela própria personagem. Apesar de toda a história ser do ponto de vista, apenas nas partes onde ela é a narradora podemos ver seus sentimentos e pensamentos em relação aos fatos, além de ter sido um ótimo artifício para omitir algumas coisas que a autora não tinha total conhecimento, afirmando que Morgana era proibida de falar sobre aquilo.
Com personagens complexos e bem construídos, assim como um enredo cativante e dinâmico, A Senhora da Magia é uma ótima leitura tanto para os apaixonados pelas lendas arturianas como para quem apenas ama uma boa história de fantasia, e uma ótima introdução para essa obra prima de quadrologia.
Gosta de histórias arturianas? Leu A Senhora da Magia? Conta o que achou nos comentários.
Quando Suzanne Collins anunciou que escreveria um novo livro dentro do universo dos Jogos Vorazes muita agitação aconteceu entre os fãs. Houve muita expectativa sobre qual seria o protagonista e teve até quem esperasse um livro sobre o primeiro massacre quaternário vencido por Haymitch Abernathy, mentor de Katniss Everdeen. Contudo, A Cantiga de Pássaros e Serpentes trata sobre uma parte da vida de um personagem importante para a saga dos Jogos Vorazes, mas que no fundo ninguém esperava ver como narrador: Presidente Snow.
O vilão vira protagonista
Graças a essa quebra de expectativa, o livro nos traz um presente: conhecer mais sobre o surgimento dos Jogos, sobre o seu aprimoramento, assim como se desenvolveu o caráter de Snow que conhecemos com a leitura da trilogia. Porém, é necessário ressaltar que mesmo o leitor acompanhando a trajetória de tal personagem no período pós-guerra, com a garra de conseguir reconquistar o prestigio na Capital que uma vez a sua família já teve, a autora consegue trabalhar isso de forma bem coesa, pois não nos faz sentir pena de Snow.
Se na trilogia de Jogos Vorazes seguimos a leitura sabendo que o Distrito 13 não existia mais, nesse livro descobrimos que era lá que estava toda a fortuna pertencente à família do Snow. Com a perda das usinas nucleares, a família dele passa a viver em uma drástica situação financeira e faz de tudo para manter as aparências. Desde o início, fica claro que Coriolanus Snow tem muitas ambições para alguém com apenas 18 anos terminando o seu período na escola, a Academia. Snow quer ir para a faculdade, mas para isso precisa conseguir se destacar muito mais do que os outros, visto que sua família não tem como pagar por isso.
Jogos Vorazes: uma oportunidade
Surge a oportunidade de ser mentor de um dos tributos na décima edição dos Jogos Vorazes. A oportunidade é agarrada com todas as forças por Snow, pois se ele conseguisse se destacar o suficiente conseguiria uma bolsa para a Universidade. A narrativa muda um pouco para o lado da descrença, visto que no dia da colheita, Snow fica com um tributo do Distrito 12. Da mesma forma que na trilogia, os tributos desse distrito não conseguem se destacar.
A sorte começa a estar ao seu favor no dia da colheita em que Lucy Gray, de quem Snow seria o mentor, consegue ter uma entrada um tanto chamativa. Além de causar tumulto, Lucy também tem uma voz magnífica e uma presença de palco. Isso faz com que Snow repense a sua estratégia e consiga ver uma chama de esperança ao compreender que ele não precisa necessariamente ser o mentor daquele tributo que ganharia a competição, mas sim apenas mentorar alguém que o público gostasse. Isso seria o suficiente para ele se destacar.
Esse é apenas o ponto de partida da história que Collins nos conta neste livro. Durante a narrativa, o leitor ainda é apresentado para alguns personagens extremamente importantes, tal como Tigris. Como dito, o livro não tem intenção de nos fazer gostar de Snow, mas com o passar das páginas, o livro nos apresenta muito sobre tal figura e de como todas as escolhas feitas por aquele jovem resulta em uma Panem que se sustenta com o massacre e o medo dos distritos.
O protagonista continua sendo vilão
Collins não poupa palavras para nos mostrar quem Snow realmente é, tanto que uma das características trabalhadas por ela na personagem é o preconceito. Snow não esconde que não gosta de ver pessoas que eram pobres nos distritos chegando a capital e ocupando um status que deveria pertencer somente para aqueles já nascidos de berço. Snow também morre de medo de não conseguir subir na vida de novo financeiramente e ter que viver como qualquer outra pessoa.
Outro ponto muito interessante do livro é que aprendemos um pouco mais de como os Jogos Vorazes foram orquestrados e como surgiu as ideias que já vemos estabelecidos quando Katniss se oferece como tributo, como a Aldeia dos Vitoriosos, os jogos serem obrigatoriamente televisionados nos distritos, os presentes que se pode mandar para a arena, entre outros elementos.
Lançado em 2017 pela New Order Editora, 7º Marpromete levar os jogadores a terras distantes, singrando os mares, em meio a duelos e batalhas emocionantes.
O continente do livro, Théah, vive um período similar à nossa Renascença, repleto de revolucionários e príncipes, piratas e corsários, heróis e vilões.
O cenário foi criado por John Wick, famoso por Lenda dos Cinco Anéis, Blood & Honor e House of the Blooded. Diferente de outros dos seus jogos, aqui o game designer brinca com o imaginário do Conde de Monte Cristo, A Princesa Prometida e Três Mosqueteiros.
Ao contrário do que muitos pensam, seu personagem não precisa ser um pirata, nem a campanha sequer precisa se passar no mar. Mas tendo uma variedade riquíssima de nações e povos para visitar, é difícil não usar esses elementos no seu jogo.
O mundo do 7º Mar
Sim, o mundo de 7º Mar se chama Terra, mas não por causa do Português, e sim do Latim. No jogo original, o nome do mundo também é esse. O livro básico, no entanto, traz apenas Théah, o equivalente europeu desse mundo.
O cenário se inspira livremente em períodos históricos reais da Europa para estabelecer as nações do continente. É um prato cheio para quem gosta de História!
Avalon: uma ilha similar à Inglaterra pré-industrial misturada às lendas arturianas.
Castilha: o equivalente à Espanha com um pouquinho de Portugal, com forte influência da Igreja dos Vaticínios (sim, tipo aquela Igreja bem famosa da vida real!). Grandes desbravadores dos mares.
Comunidade Sarmática: um país que resume bastante da cultura do leste europeu durante a Renascença.
Eisen: uma versão da Alemanha arrasada depois de uma longa guerra religiosa.
Inismore: a interpretação da Irlanda de Théah. Possui algumas tensões políticas com Avalon, como seria de se esperar.
Montaigne: muito parecida com a França anos antes da Revolução. Um país marcado por muita desigualdade entre a plebe e a monarquia absolutista.
Terras Altas: a versão da Escócia, com referências culturais ao separatismo sempre latente e a tensões culturais.
Ussura: uma espécie de Rússia bastante feudal pré-revolucionária misturada a grandes mitos do folclore russo.
Vestenmennavenjar: o equivalente aos países nórdicos com um pouco da Holanda.
Vodacce: uma versão da Itália pré-unificação, com seus diversos príncipes mercantes maquinando intrigas pelo poder.
Isso tudo só no livro básico! Em outros livros (ainda não publicados no Brasil), 7º Mar expande para o resto do globo com os outros continentes: Pirate Nations, The New World (com o continente de Aztlan, similar à América pré-colonial), Lands of Gold and Fire (com o continente Ifri, espelho da África pré-colonial), Crescent Empire (com a região análoga ao Oriente Médio) e The Colonies e 7th Sea Khitai, que trarão no futuro respectivamente o equivalente às colônias estadunidenses e à Ásia e Oceania.
Personagens imbatíveis
O que mais atrai a atenção para 7º Mar é como suas regras focam em ajudar a contar uma história, mas sempre com o clima de capa e espada.
Os personagens não podem morrer a não ser que um vilão os mate, e um vilão não é qualquer inimigo. Ou seja, a maior parte do tempo, os heróis são realmente muito capazes e sagazes na resolução dos conflitos e problemas, e quando algum deles está prestes a morrer, o momento será dramático.
Para alguns que gostam de ver seus personagens passando sufoco à mercê dos dados e da narrativa emergente, isso pode não ser muito interessante.
No entanto, não é por ser um jogo pouco letal que 7º Mar é um jogo menos desafiador. O desafio aqui está mais em construir junto com seus amigos uma história cativante, mas também está nas obstáculos propostos pelo mestre.
Com a mecânica de Corrupção, a cada vez que faz algo vil ou maligno, o jogador tem uma chance crescente de ver seu personagem se tornar um vilão da história, deixando de ser controlado por ele.
A depender do que seu herói faz na campanha, há mais chances de perdê-lo para a Corrupção do que para a morte.
Isso não apenas posiciona os jogadores do lado certo da história, mas também faz com que entendam que valores e princípios são muito importantes nesse jogo.
Você pode ser um pirata bem do desonesto, mas há limites morais que estão traçados mecanicamente para simular aqueles anti-heróis que achamos tão incríveis da ficção. Talvez à beira da ilegalidade, mas não da imoralidade. Afinal, você ainda é o herói!
Onde fica o combate?
A resolução de conflitos em 7º Mar vai em uma direção completamente diferente de jogos como Tormenta20 ou D&D. Aqui, temos dois tipos de cena: a sequência de ação e a sequência dramática.
A primeira pode ser facilmente confundida com o que costumamos chamar de combate em outros jogos, mas não se engane: as regras também são para situações de perseguição, batalha naval, fuga e armadilhas.
Isso combina mais com a proposta cinematográfica do jogo, já que em filmes de piratas raramente confrontos acontecem com o cenário ao redor parados e estáticos.
A sequência dramática é para aquelas situações de intriga, persuasão, ardil e sedução. Em histórias de capa e espada, isso é quase tão importante quanto o fio de um sabre ou o tiro de uma pistola.
Últimas recomendações
Este RPG é ideal se você procura algo mais leve em termos de regras, rápido de planejar e de conduzir durante o jogo.
Se você gostar de História e curtir a possibilidade de traçar paralelos entre a história da nossa Terra com a da Terra do 7º Mar, melhor ainda!
Se você gosta de muitas regras e minúcias, o jogo pode se desapontar. Muita coisa fica a critério do narrador e dos jogadores criarem coletivamente por meio das regras narrativas, na hora do jogo.
As regras servem muito mais de parâmetros para contar a história do que para simular ou representar coisas do universo. Tendo em mente isso tudo, junte seus companheiros e navegue os sete mares de Théah!
O primeiro livro da Saga do Bruxo Geralt de Rívia, O Último Desejo, é uma reunião de contos em que o autor nos apresenta o seu universo e os seus personagens. Além de Geralt de Rívia, outros dois personagens encantadores marcam presença no livro: Jaskier, um trovador e amigo do bruxo, e a enigmática e poderosa Yennefer, a feiticeira de Vengerberg.
A leitura do livro fluí muito rápido devido a escrita cativante e concisa, isso faz com que nossos olhos fiquem presos em página após página. Outro elemento muito bem trabalhado é a construção dos diálogos, visto que muitas vezes são carregados de um tom irônico e cômico e isso ajuda na própria construção da personagem principal, Geralt.
O bruxo é alguém cínico e cético devido a sua própria estrada de vida que acompanhamos na narrativa. O livro se organiza com os contos e com o interlúdio chamado “A voz da razão”.
Os contos de O Último Desejo, de Andrzej Sapkowski
O Bruxo: o primeiro conto nos apresenta Geralt, a profissão do bruxo e suas habilidades. Sua missão é matar a estrige, que de acordo com a narrativa poderia se inferir que seria um trabalho simples. Contudo, Geralt é colocado entre a cruz e a espada, pois esse monstro é a filha bastarda do rei, e ele não quer a morte de sua prole e, sim, que o feitiço seja desfeito, ao passo que os moradores querem a morte da estrige com a finalidade de darem um golpe no rei.
Um grão de veracidade: a história contada aqui não é estranha para o leitor que com certeza já está familiarizado com o conto de fada a Bela e a Fera. Aqui a narrativa é sombria, mas também cheia de encantos. Geralt encontra um monstro que vive em uma casa no meio da floresta e conforme passam-se as páginas, compreendemos que não parece ser tão ruim ser um monstro e que nem isso significa ser um ser maldoso.
O mal menor: aqui também temos novamente a presença dos contos de fadas, dessa vez com A Branca de Neve. A princesa aqui não é frágil e já sofreu muito durante a sua vida. O conto trata em seu escopo sobre a tentativa de Geralt vender a cabeça de um monstro que ele matou na cidade de Blaviken. Ao chegar, acaba tendo que fazer o seu negócio com o mago da cidade, que descobrimos ser um antigo conhecido do bruxo. Apresenta-se para o leitor a relação entre a princesa e o mago, e novamente Geralt tem que fazer uma escolha difícil. Neste conto, o bruxo recebe o seu apelido de Carniceiro de Blaviken.
Uma questão de preço: este é o conto que nos apresenta o futuro da saga. A Rainha Calanthe requisita Geralt para comparece no banquete de noivado de sua filha. O conto é repleto de diálogos bem estruturados e ação. Nesse conto aprendemos também sobre um antigo costume desse universo: a Lei da Surpresa, que é o preço que uma pessoa ao salvar outra pode pedir daquele que foi salvo.
Os confins do mundo: neste conto, somos apresentados a outras camadas de conflitos presente nesse universo, entre eles os problemas com elfos. Aqui Geralt e Jaskier precisam lidar com uma situação que envolve um silvano, uma criatura rara da floresta.
O último desejo: neste conto, a criatura mágica a ser enfrentada é um djinn, um gênio da lâmpada por assim dizer. A captura da criatura não foi uma das melhores e quem acaba por sofrer mais é o pobre Jaskier. Por fim, Geralt pede ajuda a uma feiticeira da cidade chamada Yennefer. Os caminhos desses dois personagens se entrelaçariam a partir desse encontro.
A partir da leitura de O Último Desejo, somos introduzidos em um vasto universo de fantasia e aventura que mostra para o leitor que nem todas as escolhas da vida são simples e que muitas vezes o caminho que escolhemos seguir não é tão preto no branco.
De animais falantes dispostos a livrar uma fazenda do terrível fazendeiro no clássico de George Orwell a um estado escravagista liderado por minotauros em A Deusa no Labirinto, a literatura usa do fantástico para trazer a tona discussões reais. Uma leitura, a princípio por puro entretenimento, pode levar o leitor a repensar a sociedade na qual está inserido e levanta discussões cobertas com magia e ação.
Ficção e realidade
Ler um livro é sempre uma surpresa. Mesmo quando o gênero é claro, muitas vezes somos surpreendidos por assuntos reais e atuais contados de maneira fantástica, romântica e até mesmo aterrorizante. Utilizar a ficção como uma forma de demonstrar opiniões políticas, críticas sociais ou exemplos de superação é tão comum como beber um copo de dinamite pangaláctica. A referência não é gratuita: O Guia dos Mochileiros das Galáxias, de Douglas Adams, critica de burocracia à religião usando humor non sense para destacar o quanto o mundo e a sociedade da realidade podem ser absurdos.
Não que a literatura não possa ser criada visando apenas o entretenimento. Eu mesmo já escrevi textos guiados a recreação das pessoas. Um livro pode ensinar e divertir, muitas vezes (e aí está a genialidade da coisa) ensinar enquanto diverte. E essa é a marca de uma grande obra de gêneros como ficção científica, terror ou fantasia.
A Deusa no Labirinto: A fantasia com contexto
A fantasia épica dispõe de mundos fantásticos, com religiões, espécies, raças e problemas criados em um universo concebido na mente do escritor. Em A Deusa no Labirintohttps://blog.jamboeditora.com.br/produto/a-deusa-no-labirinto/, Karen, Soarele transporta discussões globais para dentro de Arton, utilizando elementos de Tormenta para contar um trecho sórdido da humanidade.
A escravidão é um dos assuntos impossíveis de não serem discutidos. Ainda hoje, vemos reflexos claros dessa época cruel e suas consequências, como a violência e a normalização do racismo para os descendentes de humanos escravizados. Não deixar o passado morrer e brigar por igualdade é uma das lutas travadas diariamente por toda uma sociedade refém dos estragos causados por séculos de submissão.
Não só o povo africano, os indígenas também sofreram sob o domínio dos brancos, e a autora deixa claro a indiferença dos escravistas quanto aos seres dominados, tratando o julgamento taurico por uma questão do forte contra o fraco, do poder contra a fraqueza.
Utilizando o medo, degradação e miséria causados por guerras antigas e a Tormenta, os minotauros usam a desculpa da proteção do exército mais forte do mundo e a cidade mais protegida, bem estruturada e em desenvolvimento constante, para permutar a serventia dos seres artorianos por uma humilhante segurança
“Uma vida de submissão, mas uma vida de segurança”
No livro, uma clériga (a velha conhecida Gwen, de A Joia da Alma) devota de Tanna-Toh, se infiltra em Tiberus, a capital do Reino Tapista e um centro escravagista, com a missão de implodir o Império militar taurico.
A intenção da clériga é objetiva: livrar humanos, elfos e qualquer criatura da tirania bovídea. Apesar de fantástica, a rotina fictícia dos escravos nos leva de volta a tempos tirânicos, remetendo a mente do leitor a vil escravidão.
Chicoteamento, encarceramento, submissão e desprezo são rotinas na cidade protegida por Tauron, o deus da força. Mesmo os escravos mais leais (mães dos filhos do patrono, inclusive) recebem chibatadas mensalmente com o intuito de lembrá-los de onde estão e quem são. Nesse ínterim, Appius, filho de um poderoso senador, se mostra um abolicionista ferrenho, contrariando os dogmas do pai e a base na qual o estado tirânico está apoiado. De uma maneira objetiva, a autora nos mostra os dois lados da moeda e ensina que o lugar de onde você vem não o define. Mesmo uma debaixo de uma carapuça grossa de couro, existe um ser sensível e disposto a ir contra tudo para defender seu ideal.
A fantasia critica a realidade
A autora descreve com maestria as perversidades sofridas por todas as espécies encarceradas, passeando por vários pontos de vista. O livro vai desde os escravos que são tratados de forma especial pelos seus senhores e por isso exercem uma função privilegiada perante os demais (e com um detalhe importante: isso não faz com que esses estejam livres do chicoteamento), aos escravos comuns, sombras silenciosas numa mansão hercúlea, dos poderosos. E ainda mostra a naturalidade de como tratam a situação como se fossem seres de bondade e preocupação, cuidando de criaturas indefesas. Uma mesma cena sentida por vários corações e mentes, guiados pelo mundo em que vivem e por toda a história oriunda de tempos maléficos.
E isso nos insere nesse mundo de caos e tranquilidade, medo e segurança, fartura e solidão. Quando percebemos, estamos cerrando os olhos com a dor de uma chibatada, torcendo o nariz com o desprezo e vibrando com uma conquista.
E tem mais: A autora nos leva para dentro de mentes psicologicamente destruídas pela escravidão. A narrativa nos mostra a veracidade com que uma relação abusiva e torturante, anos de conformidade regada a força e a destruição da personalidade faz. Não são apenas as marcas visíveis das chicotadas e ataques gratuitos que causam marcas. Após umas reviravolta, escravos conseguem fugir e reagem de maneiras diferentes a confusa liberdade. Alguns fogem afoitos, outros se perdem no mesmo e na insegurança e os mais frágeis psicologicamente procuram uma saída rápida para esse turbilhão de mudanças.
Uma história que resume muitas eras
A Deusa no Labirinto ainda modifica o cenário de Tormenta, e uma das qualidades do livro é o poder sucinto da autora de nos colocar a par de um universo gigantesco criado ao longo de vinte anos. Se você nunca leu nada baseado em Tormenta, não se sentirá perdido. Com doses muito bem divididas e informações inseridas em momentos exatos, o livro consegue te deixar a par de centenas de anos em poucas páginas. A leitura é um sedutor convite para se aprofundar no continente artoniano. A leitura cria o desejo descobrir mais sobre Glórienn, as guerras táuricas, o passado dos protagonistas, como surgiu a tempestade… enfim, apesar de ser um dos mais recentes lançamento desse universo, A Deusa no Labirinto é uma excelente porta de entrada para Arton.
Agora quero saber de vocês: depois desse artigo, conseguem lembrar de algum livro que usou uma roupagem para discutir problemas reais? Escreva nos comentários!
À primeira vista o leitor pode estranhar um pouco como foi feita a organização de apresentação de “O tratado dos mil Cantos”. O autor preferiu organizar a sua narrativa mesclando acontecimentos do passado com o presente. A partir dessa cronologia, é apresentado para o leitor uma mitologia muito rica inspirada na antiga Mesopotâmia. Neste universo as pessoas podem manipular a água, o fogo, o ar, a terra, a luz e as trevas. Nesse sentido, compreende-se que dois poderes dicotômicos que existiam ou era temido ou era muito desejado: as trevas e a luz. Se por um lado o poder da luz é raro e muito cobiçado devido as façanhas que poderia realizar, tal como curar. Por outro lado, o poder das trevas é, de certa forma, proibido.
O Tratado dos Mil Cantos: Uma boa história é feita de bons personagens
A história nos apresenta quatro personagens manipuladores de alguns dos elementos citados anteriormente que buscam chegar a um local sagrado para a realização de um ritual que decidirá o destino daquele mundo. É a partir dessa breve contextualização que entraremos em um dos aspectos mais importantes de uma narrativa: os personagens. Todo jogador de RPG sabe que os personagens são as peças mais essenciais para a construção de qualquer texto e quando a narrativa já é fantástica isso ajuda ainda mais na formação de personalidades.
Uma boa personagem carrega consigo elementos necessários que levará a narrativa adiante. Em O tratado dos mil Cantos, o autor nos apresenta quatro personagens extremamente fortes e trabalhados. Cada um com o seu passado contribui para o momento presente do livro, mas o que mais se destaca na história é que todos eles possuem algo em comum: a perda.
O abandono do passado em busca do amanhã
Com o passar de cada página é possível estar próximo desses personagens, cada um carregando em suas histórias pessoais o fardo de precisarem lidar com alguma privação, seja de um reino, de sua família, de sua liberdade… Todos estão entrelaçadas por algo que já foi perdido em seu passado e que culminou no encontro delas no presente. A partir disso o livro nos traz para uma reflexão para além das páginas: mesmo que tenham tirado de você algo muito importante e que as vozes de outrora insistam em dizer que o caminho tende sempre ser escuro e solitário, cabe a nós, em nosso presente, pegar o que é mais forte em nós mesmos e lutar por um hoje e um amanhã que acreditamos ser melhor.
Quando os livros ganham a tela, personagens criados em nossa imaginação tornam-se palpáveis. A dura missão de qualquer diretor é transformar uma história idealizada na cabeça do leitor em um filme que não vá decepcionar milhares de mentes únicas. Cozinhar um prato com a pitada certa de sal e pimenta para diversos paladares, criar uma peça de roupa que irá agradar a todos, responder perguntas diferentes com a mesma palavra é o desafio da adaptação cinematográfica. Esse era o desafio de A Todo Vapor.
Jornada do texto para o vídeo
Deixar sua imaginação ser o pincel é uma das coisas mais deliciosas ao pintar um fantasioso quadro em nosso cérebro. . Criar o cabelo, traços, trejeitos. Uma cena de ação descrita detalhadamente pelo autor nos torna parte de um universo mágico, perfeito em nossa imaginação.
Adaptar essa concepção não é fácil. O livro tem um elemento difícil de ser batido até pelos maiores diretores do cinema: a idealização do leitor.
Cada personagem desenvolvido pelo escritor passa por uma transformação na mente de quem lê. Por mais eficiente que as descrições no texto sejam, o mundo criado é individual. Lembranças vividas, experiências pessoais, rostos conhecidos e até o momento no qual a pessoa vive… tudo influencia na hora de criar um cenário, um dragão, um cavaleiro.
Então, como agradar os fãs de uma franquia, sabendo o quão íntima é a ligação do leitor com o personagem? Minha opinião pessoal? Sendo fiel a IDEIA do autor.
Cenografia, fotografia, direção, caracterização, sonoplastia… tudo isso é deixado de lado quando o conceito da história se perde em meio a efeitos especiais tecnológicos e atores vencedores de Oscar. Quando batalhas mirabolantes e poderes mágicos engolem o principal conflito da trama, o filme deixa de fazer sentido para os fãs e dança na linha tênue idealizada pelos admiradores.
Uma adaptação de heróis brasileiros
A literatura nacional também ganha espaço na querida telinha que ainda é parte obrigatória na sala do brasileiro. A novidade de 2020 nos alegra não só por ter sido criada a partir de uma obra de Enéias Tavares e Felipe Reis, mas também pelo fato de ser uma obra de steampunk.
A Todo Vapor é é um divisor de águas no mundo da literatura nacional. De maneira independente, os autores transformaram o impossível em realidade ao levar essa série para uma das maiores plataformas de streaming do mundo sem nenhum gigante da indústria por trás dos holofotes. Mas vamos contar a história do início…
Antes de mais nada, o que é steampunk?
Categorizado como subgênero do Cyberpunk (e com alguma divergência sobre ser ficção científica ou especulativa, porém deixo essa discussão para os especialistas), o steampunk é, resumidamente, montado a partir da tecnologia a vapor retrofuturista baseada no conhecimento tecnológico existente no século XIX, em uma utopia (ou distopia? Também não vou entrar nos méritos) na qual a indústria a vapor evoluiu de tal maneira que subjugou qualquer outra. Em um mundo dominado pela tecnologia avançada, equipamentos eletrônicos são substituídos por versões a vapor, tendo suas funções e características primordiais mantidas, apesar da enorme diferença visual.
O figurino é outro fator importante no steampunk. Com roupas que remetem a estética vitoriana (século XIX, Londres), óculos grandes e acessórios mecânicos, visivelmente é fácil identificar uma história passada nesse universo.
A Todo Vapor: um steampunk brasileiro
Baseada na séries de livros do projeto “Brasiliana Steampunk” de Enéias Tavares e Felipe Reis, o seriado foi ao ar em Setembro de 2020 na Amazon Prime e faz uma leitura steampunk de personagens dos clássicos da literatura brasileira. Conhecemos então Juca Pirama, um detetive com poderes místicos, jeito malandro e um código moral próprio, que se mistura aos transeuntes na agitada São Paulo dos Bravos Bandeirantes, conhecida também como São Paulo dos passantes apressados (algumas coisas não mudam nem na ficção). Juca, na verdade, já é um velho conhecido meu, fomos apresentados no excelente romance “Juca Pirama: Marcado para Morrer“, e mantenho um exemplar autografado na minha biblioteca pessoal.
Ao contrário do livro citado, a série divide o protagonismo entre Capitu Machado, Victória Acauã, Doutor Benignus (meu personagem favorito, talvez minha formação em engenharia pese um pouco nessa escolha) e outros heróis que buscam solucionar crimes sobrenaturais em um mistério macabro que cerca a pequena Vila Antiga dos Astrônomos.
Heróis dos clássicos nacionais
Capitu e Juca são detetives que chegam a cidade e se deparam com mortes baseadas em cartas do Tarô. Cada episódio começa com um personagem da trama dando seu depoimento sobre os crimes investigados pelos heróis, um pequeno prelúdio da trama que irá se desenrolar. E se alguns desses nomes lhe soaram familiar, não se preocupe! Os personagens da série foram baseados em ícones da nossa literatura, como Dr. Benignus (do português naturalizado brasileiro Augusto Emílio Zaluar), o conto Acauã (Inglês de Sousa), Capitu ( Machado de Assis) e o próprio Juca Pirama (Gonçalves Dias). Uma jogada genial de Enéias e Felipe, trazendo uma releitura de personagens clássicos e evidenciando escritores renomados.
Uma série steampunk gravada em São Paulo
Antes de qualquer coisa, é importante lembrar do empenho dos autores para entregar esse conteúdo na plataforma digital. Um esforço hercúleo que abre uma enorme porta e faz com que todos os escritores brasileiros possam enxergar uma possibilidade dificilmente vislumbrada. Uma série independente ganhar espaço na grade da Amazon é um feito maravilhoso, um divisor de águas. O steampunk em evidência, escritores nacionais mostrando seu trabalho sem nenhuma grande ajuda financeira é louvável. Isso por si só já é um convite luxuoso, mas a série não é feita só de esforço.
A introdução alegra qualquer fã do gênero. Não é necessário mais que três segundos para nos sentirmos a fuligem dos motores a vapor, nos levar para a Londres antiga com seus trajes elegantes e postura inglesa. O figurino segue a mesma pegada vitoriana, chamando a atenção pela qualidade do design e a fidelidade com os personagens desenvolvidos em histórias posteriores do universo brasiliana steampunk nos são apresentados. A parte visual não decepciona, trazendo episódio após episódio mirabolantes soluções do Dr. Benignus, balões controlados mecanicamente, magias e até parte do cenário construído por computação gráfica.
O roteiro começa com um mistério simples e o objetivo claro de caçar os assassinos, que logo se mostram seguidores da seita de Pamu. Juca (interpretado por Felipe Reis) e Capitu (Thais Barbeiro) chegam a pequena cidade no interior de São Paulo prontos para solucionar os crimes. A trama se desenrola cena a cena, quando mais mortos são encontrados e um padrão é desenvolvido pelo suposto assassino.
Entre lutas, mistério, vapor e bugigangas tecnológicas (Dr. Benignus que o diga), a série nos insere nos deixa curioso para descobrir como os heróis conseguirão resolver esse conflito e quais aparatos novos usarão para se livrarem dos (muitos) percalços.
Enfrentando novos desafios
Cheio de referências à literatura nacional, motores a vapor e reviravoltas, A Todo Vapor é uma série construída com muito suor e uma vontade inabalável de fazer dar certo, não decepciona e agrada tanto quem ainda engatinha no mundo steampunk quanto os ávidos fãs que tanto a tem celebrado.
Torço para que as produções independentes nacionais continuem ganhando espaço, e que a Brasiliana Steampunk siga a todo vapor.
Empolgante, apaixonante e inspirador, Juca Pirama: Marcado para Morrer, de Enéias Tavares, nos oferta uma história repleta de lições incríveis, discursos cheios de poder e traz a tona assuntos que perseguem a nossa sociedade desde antes do século XX.
Um malandro com senso de justiça
“— Pode me chamar Juca Pirama, esse é meu nome, e eu aceito a sua proposta — disse ele, apertando forte a mão do sujeito. Depois de soltá-la, o conta-vinténs olhou para ela e a limpou na calça.”
Com um protagonista cheio de personalidade, um passado misterioso e uma personalidade marcante, Juca Pirama é conhecido nas ruas de uma São Paulo do século XX por seu jeito malandro, sua índole questionável e a sua cartola. Não tem casa, dorme onde dá e come quando dá. Com um forte senso de justiça, está sempre envolvido em confusões, e é depois de uma que ele é contratado para um trabalho um tanto inusitado: Guarda-costas de Cassandra Gouvêa.
Cassandra é poderosa em todos os sentidos. Seu pai desapareceu e os principais suspeitos são homens que fazem parte de uma sociedade influente. De temperamento forte e sedutor, Cassandra deixa o simplório Juca Pirama encantado e à beira da paixão.
Liberdade e igualdade
“Juca, que tinha embarcado nessa aventura sem nada esperar, passava a simpatizar com aquela mulher e sua postura enérgica e ferina.”
Determinada a não ter os negócios de seu desaparecido pai tomados por homens ricos e com o machismo intrínseco à sociedade, Cassandra não se acovarda e bate de frente para defender seus interesses e direitos. O que deixa o trabalho do malandro, de mantê-la a salvo, bem difícil.
Os discursos são pontuais, mostrando o lado bom e ruim da pobreza e da riqueza. Falando sobre a liberdade dos dois pontos de vista, da justiça e da política. Do lugar da mulher na sociedade e em como as mudanças para os dias de hoje ainda são ínfimas.
Cafés, robôs e poder
“Mas escreva minhas palavras, Juca: em breve elas estarão em outras posições. Dê-me dez anos, força para lutar e dinheiro para investir e eu mostrarei a todos eles uma São Paulo e uma Pauliceia que nunca poderiam sonhar, um lugar onde homens e mulheres terão iguais oportunidades.”
E o final? Amantes da literatura nacional terão empolgantes surpresas que farão implorar por uma próxima aventura.
Com plot twist e cenas de ação de tirar o fôlego, Juca Pirama: Marcado para Morrer consegue comover e encher o leitor de entusiasmo num cenário com cheiro de café e fuligem, carruagens autônomas e serviçais robóticos, poder e manipulação.
Uma piada recorrente de primeiro de abril durante anos, Império de Jade finalmente se tornou realidade em 2018. Na ocasião, o RPG foi extremamente elogiado pelas novidades trazidas tanto ao universo quanto às regras de Tormenta.
Agora que temos o Tormenta20 em nossos computadores (e alguns sortudos já em mãos!), parece uma ótima hora para revisitar Tamu-ra e entender a importância do livro para o lançamento mais recente da Jambô. Vamos?
Influências do outro lado do mundo
É bem óbvio que Império de Jade é inspirado na cultura oriental. Todo o trabalho gráfico e ilustrado passa essa mensagem. O RPG não é para qualquer campanha de animê e mangá — para isso, já há 3D&T e tantos outros jogos.
Império de Jade busca a atmosfera de obras como Rurouni Kenshin, Inuyasha (e agora Yashahime), e Demon Slayer. Os personagens são poderosos, capazes de feitos sobrenaturais, mas em um mundo feudal de honra e lutas de espadas, socos e chutes. Bem, pelo menos na maioria das vezes.
RPGs mais famosos como Lenda dos Cinco Anéis e Blood & Honor se dedicam a retratar um Japão feudal (com pitadas de China e Coreia) um pouco mais fiel, mesmo quando há elementos mágicos. Já em Império de Jade, a inspiração cultural é evidente, mas não existe essa pretensão histórica.
Fica a critério da mesa seguir esses elementos culturais mais à risca ou não, exatamente como ocorre em vários mangás e animês fantasiosos que se passam nesse período.
A honra em Império de Jade
Tamu-ra é terra de samurais e devotos do deus da honra, então não poderiam faltar regras para personagens mais certinhos e outros… nem tanto. Aqui, Honra tem H maiúsculo e é uma habilidade como Força, Inteligência ou Carisma, determinado na criação do personagem. Mas, diferente dos outros valores, é o único que pode mudar de acordo com atitudes e decisões do jogador.
Além disso, a habilidade pode ser usada para incrementar jogadas de dados, ajudar a se defender e a resistir a efeitos, tanto por meio de talentos especiais, quanto por usos gerais de Honra. Ter Honra alta exige disciplina e discrição, mas tem suas vantagens!
Mesmo assim, a Honra pode ser bem restritiva às vezes na hora de criar personagens fora da caixa. Isso é proposital, para refletir o comprometimento necessário de ser alguém honrado, mas ao custo de limitar opções aos jogadores.
De todas as regras que Tormenta20 herdou de Império de Jade, essa talvez seja a única a permanecer exclusiva. Os motivos para isso são claros: a moral em Tamu-ra é diferente e até mais importante para a experiência do jogo. Logo, é lá que você encontra a satisfação de ser um samurai honrado ou um ninja safado.
Personagens coloridos e diversos
Assim como o continente de Arton, Tamu-ra é habitado por muitas pessoas e seres diferentes. Houve muita criatividade em trazer lendas e arquétipos orientais como raças e classes de forma que combinasse com o mundo de Tormenta.
Em Tamu-ra não há apenas samurais humanos sisudos e estoicos! Há meios-youkai (como o Inuyasha!); hengeyoukai capazes de se tornar animais; os famosos nezumi, ratos humanoides; e até os atípicos vanara e mashin — um povo macaco sábio das montanhas e construtos criados por mortais que pensam e sentem (ou não?).
Figurinhas famosas do continente também dão as caras em roupagens novas, como o kaijin, que é uma versão mais grotesca e horripilante do lefou; e o ryuujin, um meio-dragão mais honrado e uma bênção direta de Lin-Wu a famílias dignas o suficiente.
Nas classes, há uma atualização de classes já conhecidas, como samurai, monge e ninja, para as novas regras de Império de Jade. É claro, também há classes inéditas, como os yakuza, shugenja e shinkan. Essas classes novas são mais ou menos equivalentes às antigas classes de Tormenta RPG em conceito, mas em termos de regras e habilidades trazem muitas novidades.
Mas e a Tormenta?
Mesmo depois de derrotada em Tamu-ra, a tempestade rubra ainda está presente. A diferença é que, enquanto no continente, ela se mostra um desafio para níveis altos, em Império de Jade, ela é mais comum e frequente já desde os níveis baixos.
Claro que a Tormenta não desistiria simplesmente do arquipélago, mas sua derrota foi considerável. Os aventureiros agora lidam com seus resquícios enquanto reconstroem seu império.
Por isso, as criaturas aberrantes possuem NDs baixos no bestiário do livro — o que não impede que seu grupo ainda encontre vários juntos em níveis mais altos.
Império de Jade e Tormenta20
Entre Tormenta RPG e Tormenta20, muitos consideram Império de Jade um Tormenta 1.5. Essa percepção não poderia estar mais certa!
Muitas ideias novas e queridas pelos jogadores fizeram sua estreia neste RPG, como os PMs como recurso universal das habilidades e os aprimoramentos dos jutsus e das magias, além de talentos e poderes mais acessíveis e generosos.
Como é um livro básico separado da linha anterior de Tormenta, a Jambô ainda tem planos para continuar o suporte com suplementos futuros. Na própria Dragão Brasil, Tamu-ra tem tido mais atenção do que nunca: aventura, adaptações e novas regras e mecânicas!
As histórias de terror só podem acontecer fora do Brasil? Era esse tipo de pergunta que pairava nesta cabeça quando era adolescente. Todos aqueles que amam narrativas de terror sabem que uma grande parte delas não aconteciam em território nacional. Parece até que essas histórias só podem acontecer nas ruas frias e com neblinas de Londres ou em cidadezinhas nos Estados Unidos. Fica longe do imaginário coletivo de que seriais killers podem viver entre nós: os brasileiros. O leitor já está habituado com esses cenários. Mas o que aconteceria se em uma cidade de São Paulo vivesse uma personagem psicopata e outra extremamente talentosa com a pintura? Apresento a vocês Flor de Sangue, romance de estreia de Waldir L. Santos.
Flor de Sangue: Uma história sobre pessoas
O livro traz para o leitor algo que eu realmente gosto: personagens bem trabalhados. Personagens, para essa pessoa que vos fala, são peças fundamentais dentro de qualquer narrativa. “Ah! Mas isso é o que todo mundo fala e diz mesmo”, sim, mas excelentes ideias de roteiros não se sustentam com personagens mal trabalhados, já personagens profundos podem salvar um roteiro. Percebem a diferença? De certa forma é a personagem que fisga o leitor e isso pode ser sentido em Flor de Sangue.
Primeiro, é necessário atentar-se ao fato que as personagens centrais do livro são apresentadas em dois desdobramentos de leitura: um yin yang; uma dicotomia. Se por um lado se acompanha uma personagem ácida, egoísta e extremamente bela, que busca sempre o melhor para a sua própria vida, por outro lado acompanhamos alguém esforçado, talentoso e humilde (e não no sentido de submisso, mas sim de alguém que conhece suas próprias limitações e é modesto). Uma personagem é a escuridão e a outra a luz. As duas figuras se completam e deixam o leitor na penumbra. O leitor fica preso nessa nuance cinza, uma vez que é muito difícil aceitar que também pode existir escuridão dentro de você.
Se enxergando na escuridão
Durante a leitura, pode-se negar que faria muito do que a personagem feminina fez, contudo se você, enquanto leitor, trouxer as atitudes dela para fora das páginas, mesmo não realizando os mesmos atos na mesma intensidade, alguma coisa acabaria por fazer. “Como assim?! Eu jamais agiria como ela!”, pode pensar, mas convido a fazer um pequeno exercício de olhar para si mesmo. Sendo honesto consigo mesmo, poderá encontrar algum momento em que agiu para conseguir ser beneficiado. Encontrará algo simples, como uma pequena mentira para faltar ao trabalho depois de uma bebedeira, ou alguma desculpa dada a um professor para fazer uma prova simplesmente por não ter estudado. Se vasculhar direito em sua memória, vai encontrar algo que te deixe envergonhado demais para assumir em voz alta e essa, meus caros, é a nossa escuridão interior; é nesse ponto que se aproximamos dessa personagem em Flor de Sangue.
Flor de Sangue: Uma história sobre uma cidade
A escolha de São Paulo como palco completa a relação entre essas duas personagens e revela muito de nós mesmos: leitores brasileiros. Nascemos e crescemos em um país no qual a maioria de nós precisa ralar, ralar muito mesmo, para conseguir alguma coisa. A maioria de nós não nasceu em berço de ouro e precisa ficar presos feito sardinhas em transportes públicos percorrendo longas distâncias para se chegar ao trabalho. E fora a jornada dupla de ter que estudar no período noturno com o sonho de conseguir pelo menos um espaço debaixo da sombra. Nesse sentido, a cidade de São Paulo nos mostra a sua face como toda metrópole: é preciso ser forte para sobreviver e às vezes sentimos muito medo de nosso próprio destino se perguntando se conseguiremos um amanhã melhor para as nossas ínfimas vidas.
O espectro do terror em Flor de Sangue está nesses dois pilares: as duas personagens dicotômicas e a cidade. O livro te leva para o mais perto de todo o tipo de violência que acontece todos os dias em grandes metrópoles: estupro, vícios, corrupção, a falta do básico… E esse é o nosso eterno pesadelo e terror nessa terra que parece perecer cada vez mais todos os dias.