Autor: Elliot Haddad

As Brumas de Avalon Vol. 2: A Grande Rainha

A Senhora da Magia

Esse mês me ocupei de ler o volume 2 de As Brumas de Avalon, de nome A Grande Rainha. Me lembro de já ter lido esses livros quando mais novo, mas queria ter a história fresca para saber o que falar sobre. 

Por conta do título, já imaginava que seria focado em Guinevere e em todas as suas frustações relacionadas ao casamento com Arthur e o seu amor proibido com Lancelot, mesmo assim me incomodou um pouco o foco em uma personagem tão irritante quanto esta, acho que em parte pois me apeguei de mais ao núcleo de Avalon.

Aqui vemos a capacidade da autora em escrever personagens. O que senti com esse livro foi um misto de ódio, amor e pena por todos os personagens, em especial aquela que teve maior destaque em toda a trama, a esposa do grande rei Arthur. Senti pena da criação extremamente religiosa centrada na imposição de culpa, que fazia com que a maioria das mulheres da época sentissem por um pecado que não haviam cometido. Ao mesmo tempo, senti ódio de várias falas e atitudes dela, que foram tanto devido a sua arrogância como nobre como ao seu fanatismo religioso. Marion Zimmer Bradley soube retratar isso muito bem, de forma a despertar sentimentos antagônicos em relação a mesma personagem.

Ler esse livro me fez perceber como nós podemos ser paradoxos em relação a sentimentos e pensamentos. Tanto em relação às minhas próprias reações em relação a Arthur, Guinevere e Lancelot, que iam de raiva profunda a pena e até compreensão e carinho, quanto aos sentimentos da própria rainha, que tinha que lidar com sua criação extremamente cristã, seu amor e devoção para com seu rei e seu desejo incontrolável por Lancelot, além da vontade de ter um filho, que a faria cogitar ir contra tudo o que ela acreditava apenas para dar um herdeiro ao trono da Grande Bretanha.

Confesso que senti bastante falta das partes narradas por Morgana.

Muitas vezes eu parei para respirar um pouco e digerir o que acontecia, já que a raiva que eu senti de certas atitudes dos personagens me impedia de continuar a leitura no momento. Essa raiva não estragou, porém, o prazer da leitura. Como um autor que eu gosto muito me disse uma vez: “Quando alguém tem sentimentos tão fortes como a raiva lendo algo que eu escrevi é porque estou fazendo algo certo.”, o que significa que quando uma obra mexe com a gente (tanto na forma de mostrar os personagens como no enredo em si) a ponto de nos fazer sentir ódio, raiva, amor, compaixão, é porque o autor fez um bom trabalho, e a leitura desse livro nos faz sentir tudo isso.

Como cereja do bolo temos o personagem Kevin, que nesse livro teve um pouco mais de tempo do que no anterior. O bardo se tornou um alívio para meus olhos e foi de fato o único personagem do qual eu não senti raiva em nenhum instante. De fato, eu posso afirmar que ele já é o meu segundo personagem favorito em todos os quatro volumes da série.

Ao mesmo tempo doce e amargo, Kevin me causou o sentimento que mais eu gosto de sentir ao ler um personagem. Mais uma vez eu senti uma identificação enorme com o personagem e tudo o que ele pensava e sentia, e sobre a forma como as pessoas lidam com ele. O bardo me fez sorrir nos momentos em que todas as cenas me faziam querer esganar certos personagens. Nesse livro eu consegui enxergar a mim mesmo no personagem. Fiquei satisfeito com isso.

E você? Já leu A Grande Rainha? Me conta o que achou aqui embaixo.

Resenha — As Brumas de Avalon Vol. 1: A Senhora da Magia

A Senhora da Magia

Uma das histórias mais contadas e recontadas através dos tempos é a lenda em volta do mítico Rei Arthur e todos os personagens envolvidos com ele. Várias releituras foram feitas sobre esse jovem rei celta, que após receber a espada Escalibur, tornou-se o maior rei que a ilha da Grande Bretanha um dia possuiu. Podemos citar, mais recentemente, obras como as séries Merlin e a fresca e nova Cursed, da Netflix. Mas, a meu ver, nada se compara a versão épica escrita por Marion Zimmer Bradley, revisitando a história clássica e lendária sob uma outra ótica. Tendo como ponto de vista o olhar de Morgana, meia-irmã de Arthur e uma grande sacerdotisa de Avalon, As Brumas Avalon mostra uma visão feminina e pagã das lendas contadas desde antes da Idade Média. Essa resenha tratará de falar do primeiro livro da quadrilogia, chamado A Senhora da Magia, disponível na loja da Jambô em uma edição única de As Brumas de Avalon. Nele, Marion introduz os personagens que permearão toda a história, mas principalmente, nos conta sobre a infância de Morgana em Tintagel e posteriormente na corte do Rei Uther, e o resto de sua juventude na sagrada ilha de Avalon, com sua tia e sumo-sacerdotisa, a Dama do Lago Viviane.

Ligando as lendas aos fatos históricos, a autora menciona muitas vezes o domínio romano sobre o território da Gran Bretanha, a chegada do cristianismo e seu crescente domínio sobre a grande ilha, assim como as invasões bárbaras, tendo foco nos povos saxões, que vindos do norte, pretendiam dominar aquela região. Em verdade, no livro de Bradley, fora o constante perigo das invasões saxãs que fez com que Avalon, sob comando da Senhora do Lago e de Merlin, decidisse por colocar Uther Pedragon como o Grande Rei e, casando este com Igraine, ter um filho que seria preparado para ser o futuro Grande Rei, que afastaria os invasores e uniria a Gran Bretanha sob a bandeira da Grande Deusa.

Uma das coisas que eu mais admiro em A Senhora da Magia, e também em todos os outros livros da trilogia, é o fato de Marion mostrar um estudo profundo sobre a cultura dos povos celtas e bretões, além de ter dado uma pitada de realidade nas histórias, como o fato de Merlin ser um título e não um nome. De fato, eu tomo isso atualmente como uma verdade.

A escrita de Marion tem a densidade que necessita e, com um enredo dinâmico e atraente, consegue nos envolver em cada palavra, nos fazendo terminar o livro sem sequer nos darmos conta. Mesmo que, em algumas descrições e falas, possa causar certa raiva, como em como Viviane e Morgana são descritas por alguns personagens, ou como esta falou do bardo Kevin, mesmo estas vezes são justificáveis pela personalidade dos personagens e a criação de pessoas da época.

A autora fez uma coisa interessante ao unir alguns personagens em um só, sendo um desses personagens o próprio Merlin e uma figura tanto histórica quanto mítica, Taliesin.  Outros dois personagens que foram juntos em um só foram Galahad e Lancelot. No livro, o nascido Galahad é filho de Viviane e um dos reis do sul e, ao ser criado por seu pai como cristão, adotou o nome com o qual foi chamado por seus companheiros de armas, Lancelot. Um adendo é que existe, neste livro, a introdução de um personagem criado por Marion, extremamente carismático e talentoso, chamado Kevin o Bardo.

E se estou falando de personagens, não posso evitar falar dos três que eu mais amei nesse primeiro livro. Tratam-se, é claro, de Morgana, Arthur e Kevin.

Arthur é, nesse primeiro livro, mostrado tanto no início da infância quanto já na entrada na vida adulta. Quando criança, é um menino doce, ingênuo, mas muito corajoso e totalmente desejoso do orgulho do pai, quase morrendo em uma de suas tentativas de se mostrar digno, isso logo antes de ser enviado para ser criado escondido em um dos reinos vassalos de Uther. Como adulto, Arthur continua mantendo a inocência e a bondade de anteriormente, mas fora convertido em um guerreiro forte e virtuoso. Principalmente, virou um homem apaixonado, tanto por sua família quanto pelo seu próprio senso de justiça.

Kevin pouco aparece em A Senhora da Magia, tendo mais destaque nos outros três livros, sendo apenas introduzido ao leitor durante a cena em que Taliesin o leva para uma reunião com Morgana e Viviane. Nesse breve momento, já dá para ver que toda a sua trajetória anterior o marcou para transformá-lo no que ele virou e que, apesar das descrições feitas por Morgana, o rapaz tem sua própria e peculiar beleza, que seduz aquele que lê e entende as dores e mágoas que o moldam.

Morgana é descrita como feia e bonita ao mesmo tempo. Uma mulher pequena, de cabelos e olhos escuros, e pele descrita como sendo “morena como um picto”. Esse aspecto dela, de ser considerada pequena e feia por ser fora dos padrões de beleza da época, e ser linda quando mostra a altivez e o poder de uma sacerdotisa de Avalon, me fez muitas vezes me identificar com ela quando eu era criança. Sua personalidade é forte e sua inteligência assusta, mas cativa. Ela tem dentro dela uma disputa entre os valores ensinados em Avalon, que ela respeita e ama, com aquilo que aprendeu na sua infância na corte de Gorlois, o que causa uma ruptura ao final do primeiro livro.

Me atrevo em dizer que em nenhuma outra releitura das lendas arturianas eu vi personagens tão bem escritos e aprofundados, com personalidades plausíveis e reais, e não apenas meras caricaturas do que é ser herói e vilão. Mesmo aqueles que, no decorrer do livro, eu criei desprezo, tem seus motivos para serem o que são e fazerem o que fazem, são pessoas cujas personalidades nós poderíamos ver no dia a dia.

Como a cereja do bolo, temos os pequenos capítulos “Morgana fala”, narrados em primeira pessoa pela própria personagem. Apesar de toda a história ser do ponto de vista, apenas nas partes onde ela é a narradora podemos ver seus sentimentos e pensamentos em relação aos fatos, além de ter sido um ótimo artifício para omitir algumas coisas que a autora não tinha total conhecimento, afirmando que Morgana era proibida de falar sobre aquilo.

Com personagens complexos e bem construídos, assim como um enredo cativante e dinâmico, A Senhora da Magia é uma ótima leitura tanto para os apaixonados pelas lendas arturianas como para quem apenas ama uma boa história de fantasia, e uma ótima introdução para essa obra prima de quadrologia.

Gosta de histórias arturianas? Leu A Senhora da Magia? Conta o que achou nos comentários.