Autor: Tais Turaça Arantes

Resenha de Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes

jogos vorazes - cantiga de pássaros e serpentes

Quando Suzanne Collins anunciou que escreveria um novo livro dentro do universo dos Jogos Vorazes muita agitação aconteceu entre os fãs. Houve muita expectativa sobre qual seria o protagonista e teve até quem esperasse um livro sobre o primeiro massacre quaternário vencido por Haymitch Abernathy, mentor de Katniss Everdeen. Contudo, A Cantiga de Pássaros e Serpentes trata sobre uma parte da vida de um personagem importante para a saga dos Jogos Vorazes, mas que no fundo ninguém esperava ver como narrador: Presidente Snow.

O vilão vira protagonista

Graças a essa quebra de expectativa, o livro nos traz um presente: conhecer mais sobre o surgimento dos Jogos, sobre o seu aprimoramento, assim como se desenvolveu o caráter de Snow que conhecemos com a leitura da trilogia. Porém, é necessário ressaltar que mesmo o leitor acompanhando a trajetória de tal personagem no período pós-guerra, com a garra de conseguir reconquistar o prestigio na Capital que uma vez a sua família já teve, a autora consegue trabalhar isso de forma bem coesa, pois não nos faz sentir pena de Snow.

Se na trilogia de Jogos Vorazes seguimos a leitura sabendo que o Distrito 13 não existia mais, nesse livro descobrimos que era lá que estava toda a fortuna pertencente à família do Snow. Com a perda das usinas nucleares, a família dele passa a viver em uma drástica situação financeira e faz de tudo para manter as aparências. Desde o início, fica claro que Coriolanus Snow tem muitas ambições para alguém com apenas 18 anos terminando o seu período na escola, a Academia. Snow quer ir para a faculdade, mas para isso precisa conseguir se destacar muito mais do que os outros, visto que sua família não tem como pagar por isso.

Jogos Vorazes: uma oportunidade

Surge a oportunidade de ser mentor de um dos tributos na décima edição dos Jogos Vorazes. A oportunidade é agarrada com todas as forças por Snow, pois se ele conseguisse se destacar o suficiente conseguiria uma bolsa para a Universidade. A narrativa muda um pouco para o lado da descrença, visto que no dia da colheita, Snow fica com um tributo do Distrito 12. Da mesma forma que na trilogia, os tributos desse distrito não conseguem se destacar.

A sorte começa a estar ao seu favor no dia da colheita em que Lucy Gray, de quem Snow seria o mentor, consegue ter uma entrada um tanto chamativa. Além de causar tumulto, Lucy também tem uma voz magnífica e uma presença de palco. Isso faz com que Snow repense a sua estratégia e consiga ver uma chama de esperança ao compreender que ele não precisa necessariamente ser o mentor daquele tributo que ganharia a competição, mas sim apenas mentorar alguém que o público gostasse. Isso seria o suficiente para ele se destacar.

Esse é apenas o ponto de partida da história que Collins nos conta neste livro. Durante a narrativa, o leitor ainda é apresentado para alguns personagens extremamente importantes, tal como Tigris. Como dito, o livro não tem intenção de nos fazer gostar de Snow, mas com o passar das páginas, o livro nos apresenta muito sobre tal figura e de como todas as escolhas feitas por aquele jovem resulta em uma Panem que se sustenta com o massacre e o medo dos distritos.

O protagonista continua sendo vilão

Collins não poupa palavras para nos mostrar quem Snow realmente é, tanto que uma das características trabalhadas por ela na personagem é o preconceito. Snow não esconde que não gosta de ver pessoas que eram pobres nos distritos chegando a capital e ocupando um status que deveria pertencer somente para aqueles já nascidos de berço. Snow também morre de medo de não conseguir subir na vida de novo financeiramente e ter que viver como qualquer outra pessoa.

Outro ponto muito interessante do livro é que aprendemos um pouco mais de como os Jogos Vorazes foram orquestrados e como surgiu as ideias que já vemos estabelecidos quando Katniss se oferece como tributo, como a Aldeia dos Vitoriosos, os jogos serem obrigatoriamente televisionados nos distritos, os presentes que se pode mandar para a arena, entre outros elementos.

Resenha de O Último Desejo: A Saga do Bruxo Geralt de Rívia, de Andrzej Sapkowski

Resenha de O Último Desejo: A Saga do Bruxo Geralt de Rívia, de Andrzej Sapkowski

O primeiro livro da Saga do Bruxo Geralt de Rívia, O Último Desejo, é uma reunião de contos em que o autor nos apresenta o seu universo e os seus personagens. Além de Geralt de Rívia, outros dois personagens encantadores marcam presença no livro: Jaskier, um trovador e amigo do bruxo, e a enigmática e poderosa Yennefer, a feiticeira de Vengerberg.

A leitura do livro fluí muito rápido devido a escrita cativante e concisa, isso faz com que nossos olhos fiquem presos em página após página. Outro elemento muito bem trabalhado é a construção dos diálogos, visto que muitas vezes são carregados de um tom irônico e cômico e isso ajuda na própria construção da personagem principal, Geralt.

O bruxo é alguém cínico e cético devido a sua própria estrada de vida que acompanhamos na narrativa. O livro se organiza com os contos e com o interlúdio chamado “A voz da razão”.

Os contos de O Último Desejo, de Andrzej Sapkowski

  • O Bruxo: o primeiro conto nos apresenta Geralt, a profissão do bruxo e suas habilidades. Sua missão é matar a estrige, que de acordo com a narrativa poderia se inferir que seria um trabalho simples. Contudo, Geralt é colocado entre a cruz e a espada, pois esse monstro é a filha bastarda do rei, e ele não quer a morte de sua prole e, sim, que o feitiço seja desfeito, ao passo que os moradores querem a morte da estrige com a finalidade de darem um golpe no rei.
  • Um grão de veracidade: a história contada aqui não é estranha para o leitor que com certeza já está familiarizado com o conto de fada a Bela e a Fera. Aqui a narrativa é sombria, mas também cheia de encantos. Geralt encontra um monstro que vive em uma casa no meio da floresta e conforme passam-se as páginas, compreendemos que não parece ser tão ruim ser um monstro e que nem isso significa ser um ser maldoso.
  • O mal menor: aqui também temos novamente a presença dos contos de fadas, dessa vez com A Branca de Neve. A princesa aqui não é frágil e já sofreu muito durante a sua vida. O conto trata em seu escopo sobre a tentativa de Geralt vender a cabeça de um monstro que ele matou na cidade de Blaviken. Ao chegar, acaba tendo que fazer o seu negócio com o mago da cidade, que descobrimos ser um antigo conhecido do bruxo. Apresenta-se para o leitor a relação entre a princesa e o mago, e novamente Geralt tem que fazer uma escolha difícil. Neste conto, o bruxo recebe o seu apelido de Carniceiro de Blaviken.
  • Uma questão de preço: este é o conto que nos apresenta o futuro da saga. A Rainha Calanthe requisita Geralt para comparece no banquete de noivado de sua filha. O conto é repleto de diálogos bem estruturados e ação. Nesse conto aprendemos também sobre um antigo costume desse universo: a Lei da Surpresa, que é o preço que uma pessoa ao salvar outra pode pedir daquele que foi salvo.
  • Os confins do mundo: neste conto, somos apresentados a outras camadas de conflitos presente nesse universo, entre eles os problemas com elfos. Aqui Geralt e Jaskier precisam lidar com uma situação que envolve um silvano, uma criatura rara da floresta.
  • O último desejo: neste conto, a criatura mágica a ser enfrentada é um djinn, um gênio da lâmpada por assim dizer. A captura da criatura não foi uma das melhores e quem acaba por sofrer mais é o pobre Jaskier. Por fim, Geralt pede ajuda a uma feiticeira da cidade chamada Yennefer. Os caminhos desses dois personagens se entrelaçariam a partir desse encontro.

A partir da leitura de O Último Desejo, somos introduzidos em um vasto universo de fantasia e aventura que mostra para o leitor que nem todas as escolhas da vida são simples e que muitas vezes o caminho que escolhemos seguir não é tão preto no branco.

Resenha do livro “O Tratado dos Mil Cantos”

O tratado dos mil cantos

À primeira vista o leitor pode estranhar um pouco como foi feita a organização de apresentação de “O tratado dos mil Cantos”. O autor preferiu organizar a sua narrativa mesclando acontecimentos do passado com o presente. A partir dessa cronologia, é apresentado para o leitor uma mitologia muito rica inspirada na antiga Mesopotâmia. Neste universo as pessoas podem manipular a água, o fogo, o ar, a terra, a luz e as trevas.
Nesse sentido, compreende-se que dois poderes dicotômicos que existiam ou era temido ou era muito desejado: as trevas e a luz. Se por um lado o poder da luz é raro e muito cobiçado devido as façanhas que poderia realizar, tal como curar. Por outro lado, o poder das trevas é, de certa forma, proibido.

O Tratado dos Mil Cantos: Uma boa história é feita de bons personagens

A história nos apresenta quatro personagens manipuladores de alguns dos elementos citados anteriormente que buscam chegar a um local sagrado para a realização de um ritual que decidirá o destino daquele mundo. É a partir dessa breve contextualização que entraremos em um dos aspectos mais importantes de uma narrativa: os personagens. Todo jogador de RPG sabe que os personagens são as peças mais essenciais para a construção de qualquer texto e quando a narrativa já é fantástica isso ajuda ainda mais na formação de personalidades.

Uma boa personagem carrega consigo elementos necessários que levará a narrativa adiante. Em O tratado dos mil Cantos, o autor nos apresenta quatro personagens extremamente fortes e trabalhados. Cada um com o seu passado contribui para o momento presente do livro, mas o que mais se destaca na história é que todos eles possuem algo em comum: a perda.

O abandono do passado em busca do amanhã

Com o passar de cada página é possível estar próximo desses personagens, cada um carregando em suas histórias pessoais o fardo de precisarem lidar com alguma privação, seja de um reino, de sua família, de sua liberdade… Todos estão entrelaçadas por algo que já foi perdido em seu passado e que culminou no encontro delas no presente. A partir disso o livro nos traz para uma reflexão para além das páginas: mesmo que tenham tirado de você algo muito importante e que as vozes de outrora insistam em dizer que o caminho tende sempre ser escuro e solitário, cabe a nós, em nosso presente, pegar o que é mais forte em nós mesmos e lutar por um hoje e um amanhã que acreditamos ser melhor.

Flor de Sangue: O terror do nosso cotidiano

flor de sangue

As histórias de terror só podem acontecer fora do Brasil? Era esse tipo de pergunta que pairava nesta cabeça quando era adolescente. Todos aqueles que amam narrativas de terror sabem que uma grande parte delas não aconteciam em território nacional. Parece até  que essas histórias só podem acontecer nas ruas frias e com neblinas de Londres ou em cidadezinhas nos Estados Unidos. Fica longe do imaginário coletivo de que seriais killers podem viver entre nós: os brasileiros. O leitor já está habituado com esses cenários. Mas o que aconteceria se em uma cidade de São Paulo vivesse uma personagem psicopata e outra extremamente talentosa com a pintura? Apresento a vocês Flor de Sangue, romance de estreia de Waldir L. Santos.

Flor de Sangue: Uma história sobre pessoas

O livro traz para o leitor algo que eu realmente gosto: personagens bem trabalhados. Personagens, para essa pessoa que vos fala, são peças fundamentais dentro de qualquer narrativa. “Ah! Mas isso é o que todo mundo fala e diz mesmo”, sim, mas excelentes ideias de roteiros não se sustentam com personagens mal trabalhados, já personagens profundos podem salvar um roteiro. Percebem a diferença? De certa forma é a personagem que fisga o leitor e isso pode ser sentido em Flor de Sangue.

Primeiro, é necessário atentar-se ao fato que as personagens centrais do livro são apresentadas em dois desdobramentos de leitura: um yin yang; uma dicotomia.  Se por um lado se acompanha uma personagem ácida, egoísta e extremamente bela, que busca sempre o melhor para a sua própria vida, por outro lado acompanhamos alguém esforçado, talentoso e humilde (e não no sentido de submisso, mas sim de alguém que conhece suas próprias limitações e é modesto). Uma personagem é a escuridão e a outra a luz. As duas figuras se completam e deixam o leitor na penumbra. O leitor fica preso nessa nuance cinza, uma vez que é muito difícil aceitar que também pode existir escuridão dentro de você.

Se enxergando na escuridão

Durante a leitura, pode-se negar que faria muito do que a personagem feminina fez, contudo se você, enquanto leitor, trouxer as atitudes dela para fora das páginas, mesmo não realizando os mesmos atos na mesma intensidade, alguma coisa acabaria por fazer. “Como assim?! Eu jamais agiria como ela!”, pode pensar, mas convido a fazer um pequeno exercício de olhar para si mesmo. Sendo honesto consigo mesmo, poderá encontrar algum  momento em que agiu para conseguir ser beneficiado. Encontrará algo simples, como uma pequena mentira para faltar ao trabalho depois de uma bebedeira, ou alguma desculpa dada a um professor para fazer uma prova simplesmente por não ter estudado. Se vasculhar direito em sua memória, vai encontrar algo que te deixe envergonhado demais para assumir em voz alta e essa, meus caros, é a nossa escuridão interior; é nesse ponto que se aproximamos dessa personagem em Flor de Sangue.

Flor de Sangue: Uma história sobre uma cidade

A escolha de São Paulo como palco completa a relação entre essas duas personagens e revela muito de nós mesmos: leitores brasileiros. Nascemos e crescemos em um país no qual a maioria de nós precisa ralar, ralar muito mesmo, para conseguir alguma coisa. A maioria de nós não nasceu em berço de ouro e precisa ficar presos feito sardinhas em transportes públicos percorrendo longas distâncias para se chegar ao trabalho. E fora a jornada dupla de ter que estudar no período noturno com o sonho de conseguir pelo menos um espaço debaixo da sombra. Nesse sentido, a cidade de São Paulo nos mostra a sua face como toda metrópole: é preciso ser forte para sobreviver e às vezes sentimos muito medo de nosso próprio destino se perguntando se conseguiremos um amanhã melhor para as nossas ínfimas vidas.

O espectro do terror em Flor de Sangue está nesses dois pilares: as duas personagens dicotômicas e a cidade. O livro te leva para o mais perto de todo o tipo de violência que acontece todos os dias em grandes metrópoles: estupro, vícios, corrupção, a falta do básico… E esse é o nosso eterno pesadelo e terror nessa terra que parece perecer cada vez mais todos os dias.