Existem alguns artifícios que podem mudar o andar da jogatina. Sendo puramente narrativas, ou previstas pelo sistema, algumas habilidades são um grande ponto de virada. Nos casos de jogos de fantasia, a magia é algo previsto e abrangente, podendo influenciar num extenso número de situações, variando em efeitos diversos. Assim, esse recurso necessita de atenção referente ao quando, quanto e como utilizar.
Por isso, é interessante se ter alguns conceitos em mente, para facilitar sua aplicação, tornando-a natural — coesa com a temática e ambientação — e a deixando diversa, sem podá-la, porém não onipotente.
Magia Flexível e Magia Rígida
Esse é um conceito proposto por Brandon Sanderson, que diz sobre como obras de ficção possuem dois “extremos” em seus recursos fantasiosos — e não apenas a “magia” em si, mas ainda ciência, alquimia, milagres etc. No original, é chamado de “Soft Magic” e “Hard Magic”, e esses sistemas procuram entender o tipo de abordagem adotada por cada autor.
Aqui não vou fazer uma explicação detalhada. Em termos gerais, o sistema flexível seria aquele sem muitas regras estabelecidas, que causa grande maravilhamento e estranheza, sendo capaz de feitos grandiloquentes. Enquanto o rígido é aquele com métricas bem definidas, sem muitas variáveis e que determinam certa realidade, sendo muito poderosa, dentro de suas capacidades
Não que seja necessário se prender a essas ideias, mas elas são um guia que facilita o entendimento na hora de interpretar e narrar. Normalmente, as obras de ficção não se agarram a apenas um tipo, e sim flutuam entre elas, às vezes parando no meio do caminho. Um exemplo interessante de se observar é o anime e mangá Magi: The labyrinth of Magic. Onde o protagonista, Alladin, inicia a jornada com esses poderes inerentes e incrivelmente poderosos, e ao se aprofundar, conhece mais sobre ciclos de elementos, fórmulas, vantagens e fraquezas. Para quando domina esses poderes, utilizá-los no meio do caminho — valendo-se das regras propostas pelo mundo, e causando aquele maravilhamento.
Pautando-se nesse sistema, podemos definir melhor as arestas do que seria a “magia” em seu mundo. De como as pessoas se comportam ao vê-la e utilizá-la. Arton, por exemplo, flutua entre os dois tipos de magia. Outras obras como Percy Jackson, Deuses Americanos, O Nome do Vento, Kalciferum, O Alto da Maga Josefa são exemplos de obras que trabalham nesse meio termo.
Aplicando esse sistema no RPG entram algumas perguntas: O quanto é influente? Resolve problemas facilmente? Cria problemas facilmente? O que ela pode fazer? O que não pode fazer?
Seu mundo, mas não suas regras
Esse tópico envolve as três primeiras perguntas. Mesmo criando o cenário, e entendendo em seu íntimo, é a mesa de jogo que vai ditar como o mesmo funciona. Aqui cabe à narradora gerenciar esses recursos, não só mágicos, mas que podem mudar o rumo da crônica. Importante frisar que o papel jamais será o de limitar! E sim, guiar a mesa para uma coerência temática.
Sua influência diz o quanto a magia molda o universo a sua volta. O quão é difícil, ou não, manipulá-la. Se ela participa do tema principal da trama e como isso converge nos problemas as quais as jogadoras participarão. Determina quantas pessoas têm acesso a ela, se é difundida, se os “figurões” da mesa possuem o monopólio desse conhecimento. No escopo geral, o quanto a mágica dita a vida desse mundo. Em Tormenta temos que a Magia é abundante, nem todas as pessoas são capazes de utilizá-las, no entanto tem acesso a quem consiga executar esses efeitos.
Resolver os problemas com habilidades mágicas é um ponto delicado. É aqui o limiar entre tudo se resolver com uma bola de fogo, ou uma tempestade de raios, ou conseguir colocar todas as pessoas para dormir. Realmente, é um poder grande e que escala gradualmente, em níveis mais altos é capaz de encerrar conflitos com alguma facilidade. É crucial nunca tirar a agência das pessoas jogadoras, e sim criar outros meios e contrapontos as decisões tomadas.
Acredito que seja necessário um meio termo. A magia pode sim resolver problemas, não todos, e nem qualquer efeito, gerando um equilíbrio maior e criando-se desafios em volta das capacidades de cada personagem
Em contraponto, criar problemas mágicos é um pouco mais fácil. Não só com efeitos, utilizando-se também de artefatos, seres e livros com poderes místicos, servem bem para esse objetivo. Buscas por grimórios podem transformar uma simples sidequest em uma verdadeira campanha de intrigas políticas e espionagens. Também é curioso notar que esses problemas podem ser consequências de decisões tomadas anteriormente. Um efeito que, por acaso falhou, pode desenvolver a história para lados mais interessantes, com novas problemáticas a serem resolvidas e assim crescer as personagens em maturidade.
Criatividade em cheque
Agora, conversando sobre as duas últimas perguntas, voltamos ao tópico Magia Flexível e Rígida. Quando pensamos nas “possibilidades mágicas” também entramos na ideia de estranheza e maravilhamento. Não somente concebida em regras, contudo, tocando em suas aplicações. Abstraindo as listas e listas de efeitos prontos, faria sentido uma personagem usar uma habilidade de eletricidade para gerar fogo em uma poça de óleo? Bem, existe alguma lógica na situação, uma relação de causa e efeito — um exemplo do que seria a aplicação de Magia Rígida
Porém, pensando em uma circunstância parecida. Um incêndio ocorre, e a personagem tem a capacidade de criar fogo, entretanto nunca demonstrou a capacidade de controlar chamas já acesas, ela poderia, então, sugar todo aquele fogo e, criando uma esfera gigantesca, mandá-la para longe? Com certeza, seria um quadro grandioso, extrapolando uma habilidade já conhecida, para algo novo. No caso, um exemplo de Magia Flexível.
Não é fácil responder essas perguntas de primeira, e talvez seja necessário responder apenas se estiver criando uma ambientação autoral ou sistema de RPG. Em minhas mesas — e o que aconselho quando me indagam — adoto o meio termo desses conceitos. Sentido o que as jogadoras, e a narrativa, pedem para o momento.
Se a ideia for boa, interessante e trouxer desenvolvimento e diversão para mesa, eu frequentemente apoio. Como no exemplo anterior, não é porque a personagem encerrou o incêndio que o conflito terminou. Ela apenas concluiu um dos desafios propostos, e ainda podemos ter que resgatar inocentes, encontrar algum objeto específico, enfrentar diretamente antagonista e afins.
Agora, se acabar com o conflito sem muitos motivos, encerrar sem nenhum adendo ou for anticlimático, eu não veto, todavia, complemento a ideia até chegar em um acordo com a jogadora. Em uma sessão de jogo, não é bom optar pelos extremos. É bem normal que algumas opções não sejam tão apreciadas pelas jogadoras e narradoras, entretanto, conhecer os dois lados da moeda da “magia”, expande as possibilidades para soluções de conflitos e abrange sua utilização para além das ideias pré estabelecidas no senso comum dos jogos.
Dito tudo isso, considero que fique mais fácil de administrar um poder tão grande, que às vezes é difícil “bater de frente”. Claro que o sistema de jogo vai influenciar também nessas decisões, mas no final do dia, a mesa como um todo irá ditar sua progressão e coisas que querem ou não abordar. Lembre-se, seja em qualquer posição, todos os recursos utilizados devem servir para implementar e “crescer” a história que está sendo contada em conjunto.