Mesa Sonora — A Maneira Que Eu Vejo: RPG e música no centro da coletividade

Mesa Sonora — A Maneira Que Eu Vejo: RPG e música no centro da coletividade

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Este é um artigo que já tentei escrever anteriormente, mas sempre acabo caindo na armadilha de tentar ser mais científico, com citações e tudo mais. Geralmente isso resultava em algo muito longo e meio chato para o formato apresentado aqui, então decidi tentar de novo como um texto de opinião e reflexão.

Durante mais de um ano, escrevi sobre maneiras de se associar música com RPG nesta coluna. Cobri ganchos de aventuras, conceitos de personagens, ambientações para mestres, improviso em jogo… Tudo isso relacionando nosso jogo favorito com a música, tomando inspirações musicais e aplicando para jogo. O artigo de hoje é um pouco diferente. É como o RPG e a música conversam entre si como atividades coletivas, e como nossa relação com essas duas formas narrativas podem melhorar quando compreendemos essa “conversa”.

Musicando

Em seu livro Musicking, de 1998, o autor, pesquisador e músico neozelandês Christopher Small propõe que “musicar” deveria ser um verbo usado em relação a qualquer ato relacionado a uma performance musical, seja para quem toca ou ensaia como para quem escuta. De acordo com ele, desde o ato de preparar um palco com instrumentos, até assistir a um show estando na plateia é “musicar”. Qualquer coisa que contribua para a experiência musical, de qualquer lado.

Essas ideias foram amadurecidas por Small há décadas, e esse conceito é algo que ressoa muito comigo (trocadilho musical intencional, claro). Como um artista que por vezes enxerga o processo musical de composição e gravação como algo solitário, “musicar” como uma fundação de coletividade me aproxima de todas as pessoas que permitem que minha arte entre em suas vidas. Talvez você não soubesse disso, mas ao escutar alguma composição minha, você “musicou” comigo, mesmo que nunca tenhamos trocado palavras antes.

A ideia de um processo inevitavelmente coletivo me agrada bastante, porque diz muito sobre quem somos como animais sociais. Eu posso “musicar” com quaisquer artistas que eu goste, de épocas diferentes. Ao escutar um disco, uma faixa individual, ao aprender uma peça que foi escrita no século 16, tudo isso me conecta ao coletivo de quem escreveu a peça, de quem a registrou em papel, de quem a executou antes de mim para que eu tivesse interesse em aprendê-la e incontáveis pessoas que “musicaram” sem sequer saber o impacto que isso teria na vida de um músico brasileiro em 2023.

Mais do que apenas essa conexão, muitos músicos acreditam que o ato de “musicar” é tão poderoso, que tem por consequência uma responsabilidade do público sobre a performance também. Não por acaso, muitos artistas consideram desrespeitoso uma pessoa puxar o telefone do bolso e ficar navegando na internet durante um show. É uma quebra de responsabilidade implícita de acordo com um contrato social: a música não depende apenas do artista, mas também de sua plateia. E é mais ou menos sobre isso que quero falar.

O RPG e o coletivo

Naturalmente, entramos no assunto de jogos como atividades de grupo. Sob esta ótica, é natural presumir que o jogo não é apenas o “jogo” em si, a sessão. O jogo é toda atividade relacionada ao RPG que você se propõe a jogar com seus amigos. Combinar a mesa, conversar com o mestre e com os outros jogadores sobre sua ideia de personagem, ser responsável com horários e honesto com seus amigos… Tudo isso já é parte do jogo. Não por acaso, o encontro entre mestre e jogadores antes do jogo começar, de fato, é chamada de “sessão zero”.

Claro, isso não é novidade para ninguém. Meu ponto aqui é chamar atenção para a responsabilidade dessa coletividade. Boa convivência numa mesa de RPG não sendo apenas ser legal e respeitoso com todo mundo, mas também entender seu papel de ser tão responsável pela diversão do grupo quanto qualquer outro jogador. É uma troca contínua, em que a responsabilidade não pode ser focada apenas no mestre ou em alguns jogadores específicos.

Na minha opinião, essa visão enriquece a experiência. Isso coloca cada jogador atento a seu papel em relação ao grupo todo, e como isso afeta a responsabilidade que cada um tem com seu grupo de jogo. Além disso, essa dinâmica de grupo mais saudável ajuda o grupo a seguir em frente até nos dias em que imprevistos acontecem. Seja lidando melhor com a ausência de um jogador ou seguindo em frente quando um dos participantes não se sente muito bem e prefere jogar de maneira mais quieta.

Furando a bolha do grupo

Mas essa responsabilidade talvez não precise ser apenas com o seu grupo de jogo. Se “musicar” inclui todas as partes de uma performance musical, nossa extrapolação para o RPG também pode fazer isso. Se entender como parte de um processo maior que si mesmo inclui ver todos que contribuem para o hobby ao seu redor. Os autores do seu jogo favorito, as pessoas que te apresentaram ao jogo, amigos que trocam ideias de aventuras, todos estão incluídos nessa coletividade.

Talvez não seja uma ideia ruim pensar em como a responsabilidade e o respeito mútuos funcionam nessa grande cena do RPG. Como todos nós, consumidores de jogos de RPG, somos parte de um grande grupo de jogo, e como tal, temos responsabilidades uns com os outros. Acima de tudo, como nossas interações enriquecem nossas experiências de jogo. Seja escrevendo uma aventura, jogando com amigos ou desconhecidos, discutindo opiniões ou assistindo a uma stream de RPG, somos todos parte do mesmo grande grupo. Talvez seja legal pensar em como tornar a experiência de todo mundo a mais positiva possível.

Afinal de contas, geralmente pensamos em nossos personagens como parte de um coletivo, e definimos a aventura ao redor disso. Por que não podemos pensar em nós mesmos como parte de um grupo na vida real também?

 

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