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Como narrar em um evento de RPG

evento de rpg

Narrar em um evento de RPG é uma ótima oportunidade para quem busca melhorar suas habilidades como mestre, testar um sistema diferente ou apenas fazer novos companheiros de aventuras. Entretanto, existem algumas diferenças a se considerar quando nos preparamos para narrar em um evento, comparado a um jogo que narraríamos para nossos amigos.

Neste artigo, eu vou dar algumas dicas para você se preparar e narrar em eventos sem preocupações.

Leve personagens prontos

Antes de mais nada, em um evento de RPG normalmente não há tempo suficiente para criar fichas de personagem, portanto sempre leve personagens prontos. Procure criar de cinco a sete opções de personagens, de acordo com os principais arquétipos do cenário do jogo, e explique em poucas palavras o conceito de cada um.

Claro, você pode apenas montar a ficha numericamente e deixar lacunas para serem preenchidas pelo jogador do personagem – como nome, gênero, personalidade, histórico, etc. Entretanto, assuma que você pode receber pessoas que nunca jogaram RPG antes, então tente dar alguma dica de como interpretar cada personagem, seja listando algum detalhe do histórico dele ou algum traço de sua personalidade.

Da mesma forma, é importante que as fichas sejam simples e que contenham todas as informações sobre poderes e habilidades do personagem. Isso vai ajudar seus jogadores a entenderem que opções de ações têm e agilizar as resoluções durante o jogo.

Explique o jogo rapidamente

Seus jogadores podem ser novatos no hobby ou apenas novatos no sistema que você vai narrar, portanto, antes de começar, dê uma breve explicação sobre o jogo. É importante que essa explicação seja apenas o suficiente para entender o básico do sistema e do cenário, sem entrar em minúcias de regras.

Por exemplo, “Os personagens são aventureiros em um mundo de fantasia em busca de fama e riquezas. Quando eles fazem alguma coisa arriscada, vocês rolam um dado de 20 lados, somam um bônus e tentam tirar um resultado maior que um valor de dificuldade.”

Deixe para explicar o resto no decorrer do jogo, à medida em que for precisando. Também explique brevemente o que cada personagem faz. Não se preocupe em detalhar cada mecânica agora, dizer que um personagem pode curar o grupo e que o outro pode conjurar uma bola de fogo é o suficiente.

Use bem o seu tempo

Outra grande diferença tem a ver com a limitação da duração do jogo. Em um evento de RPG, normalmente só podemos narrar one-shots, ou seja: uma aventura com começo, meio e fim em uma única sessão, com duração de três a quatro horas. Portanto, dê preferência a aventuras curtas e descomplicadas, em que os jogadores não tenham dificuldade de entender qual é o objetivo.

Além disso, não tenha medo de apressar o ritmo se o jogo chegar a impasses. Pergunte como cada jogador deseja abordar a situação e peça uma decisão do grupo, resolvendo a cena e cortando para o próximo momento. O seu objetivo é que todos saiam da mesa tendo experimentado uma história completa, portanto pense em quais cenas poderiam ser encurtadas ou removidas, caso necessário. Aventuras mais estruturadas, do tipo “railroad”, são as mais indicadas nessa situação.

Jogue com segurança

Você provavelmente não conhecerá as pessoas que jogarão na sua mesa – e talvez elas não se conheçam entre si. Portanto, ferramentas e atitudes que buscam manter o jogo um espaço seguro são ainda mais importantes em um evento de RPG.

Primeiramente, evite utilizar temas sensíveis, que possam deixar seus jogadores desconfortáveis. Representações de machismo, racismo e homofobia devem sempre ser evitadas. Além disso, tortura e descrições extremas de violências devem ser tratadas com cuidado. Sempre inclua um aviso sobre potenciais temas sensíveis na divulgação de sua mesa e a classificação indicativa apropriada.

Entretanto, as pessoas têm diferentes experiências e é impossível saber que tópicos em particular são incômodos para os seus jogadores. Uma boa ferramenta para se utilizar nesse caso, é a Carta X, do John Stavropoulos.

Pegue um cartão em branco (ou um pedaço de papel), desenhe um X bem visível e coloque-o no meio da mesa. Explique aos jogadores que, se alguma coisa desconfortável ocorrer durante o jogo, eles podem tocar ou levantar o cartão, sem precisar dar nenhum tipo de explicação. Caso isso aconteça, modifique a cena que acabou de ocorrer ou avance para o próximo momento.

Em jogos online, ao invés de usar um cartão, você pode orientar os jogadores a sinalizarem um “X” com os braços, se estiverem usando vídeo, ou enviar um “X” no chat de texto. Não esqueça que você também pode usar a Carta X se os jogadores fizerem algo que faça você se sentir desconfortável!

Divirta-se!

Por fim, relaxe a aproveite a experiência. Lembre-se que RPG é uma conversa e que todos estão ali para se divertir. Dê espaço para que os jogadores explorem seus personagens e não tenha medo de seguir com as sugestões e ideias deles.

Ao narrar em um evento de RPG, além de contribuir para a divulgação do hobby, você conhece diversas pessoas que lhe apresentarão novas perspectivas sobre jogar e narrar. Apenas vá preparado, seja paciente e fique de olho na duração da mesa e no bem-estar de seus jogadores. Bons jogos!

Sessão Zero: Como incluir os jogadores na criação da campanha de RPG

Sessão Zero: Como incluir os jogadores na criação da campanha de RPG

É o dia do jogo. Você passou horas pensando e preparando a aventura, criou um mundo fantástico que mal pode esperar para mostrar aos jogadores, tem PNJs que tem certeza que todos vão amar e odiar e, o mais importante: está empolgado para narrar.

Um pouco depois que o jogo começa, entretanto, as coisas não vão bem como você esperava.

Os jogadores parecem desinteressados. Alguns mexem no celular, outros conversam sobre outros assuntos durante o jogo e, no geral, não dão muita atenção para a narrativa. Você tinha certeza que todos iriam amar o seu material, mas agora parecem entediados.

O que fazer para manter a atenção dos jogadores? Se você já narrou algumas vezes, talvez tenha passado por uma situação similar.

Há muitos fatores que podem levar a isso, porém se essa dispersão se tornar um problema, é sinal de que talvez você precise realizar uma sessão zero.

A sessão zero do RPG

A sessão zero é o encontro em que o narrador apresenta a proposta da campanha ou aventura e os jogadores criam os personagens.

Essa é uma ótima oportunidade para descobrir no que os jogadores estão interessados. Por isso, discuta o que cada um espera do jogo, que tipo de jogo desejam jogar e que tipo de história desejam criar. Apresente suas próprias ideias sobre o jogo e compare com o que foi dito. 

A sua empolgação com o jogo é tão importante quanto a dos seus jogadores, assim, em caso de divergências, o grupo deve negociar até que cheguem a um meio-termo. A medida em que a discussão avança, faça anotações listando os elementos de interesse individuais e coletivos dos jogadores – você as usará sempre que preparar aventuras e fizer decisões sobre o jogo.

Quando as expectativas sobre o jogo estiverem claras para todos, o grupo pode passar para a criação de personagens e construção de cenário colaborativa.

Construção de cenário colaborativa no RPG

Como narradores, nós gastamos bastante tempo e energia mental preparando e pensando nas aventuras, cenários e PNJs.

Logo, nosso investimento no jogo normalmente é maior, o que pode nos levar a ter apego a uma ideia de “como as coisas deveriam ser”. Dessa forma, deixar os jogadores definirem alguns elementos do cenário reforça a visão do jogo como algo coletivo, ajudando a evitar essa armadilha e abrindo espaço para que os próprios jogadores se tornem mais investidos no jogo.

Uma forma de tornar a criação do cenário mais colaborativa é através de perguntas.

Na sessão zero, você deve fazer várias delas para descobrir no que os jogadores estão interessados. As escolhas que os jogadores fazem durante a criação de personagens também dizem muito sobre seus interesses. Com base nisso, faça perguntas sobre elementos do mundo para os jogadores mais interessados nesses elementos.

Perguntas importantes

Por exemplo, pergunte ao ladino quais são as guildas de ladrões que existem na cidade. Pergunte ao elfo como são as festas de casamento do seu povo. Pergunte ao clérigo como são os templos do seu deus. Sempre que houver uma oportunidade na narrativa para preencher esses espaços, faça uma pergunta. 

O seu trabalho aqui é construir em cima das respostas, adaptando-as para para o tom da história. Não tenha medo das ideias que os jogadores podem trazer. Afinal, você ainda tem a palavra final sobre o que faz sentido para narrativa. O melhor é sempre tentar usar essas ideias de alguma forma.

Fazendo a história importar desde a sessão zero

Agora que o seu grupo tem um mundo que todos ajudaram a construir e com o qual todos se importam, você provavelmente está começando a pensar na campanha e na primeira aventura.

Você certamente pode ter uma história que deseja contar e vilões com planos terríveis para colocar em ação, mas tome cuidado para não deixar que esses planos passem por cima do que vocês já criaram juntos. A melhor campanha que você pode narrar para os seus jogadores é aquela em que apenas os personagens deles poderiam ter vivido.

Mais perguntas importantes

Para isso, novamente, faça perguntas. Pergunte aos jogadores sobre seus personagens: de onde eles vieram? Quem são as pessoas com que se importam? O que e quem eles odeiam? Com que pessoas e quais organizações eles têm contato? O personagem guerreiro veio de um vilarejo que foi atacado?

Pergunte ao jogador sobre os malfeitores. Foi algum grupo de bandidos ou uma horda de mortos-vivos? Como o personagem se sente? Será que busca vingança? O personagem mago era assistente de um necromante e então fugiu? Hmm… Será que esse necromante é responsável pela destruição da vila do guerreiro? Será que a vila era um teste para algo maior?

O melhor momento para isso é após a criação dos personagens, mas não tenha medo de perguntar durante o jogo também. Anote as respostas que conseguir e faça um mapa de relacionamento com esses itens. Assim, quando pensar sobre a campanha e criar aventuras, pense em como usar esses elementos para criar uma história única para os personagens.

Familiarizando os personagens

Em primeiro lugar, antes de criar cada aventura, pergunte por que os personagens se importam. Os jogadores vão tentar interpretar os personagens como se fossem pessoas reais, então ajude-os dando a eles motivos para seguirem o plot que você tem em mente.

Evite sempre oferecer ouro ou itens mágicos, torne as motivações para perseguir uma aventura pessoais. Sabe aqueles PNJs que seus jogadores criaram com quem os personagens podem contar? Coloque-os em perigo. Dê a entender, por exemplo, que o monge pode descobrir pistas do paradeiro do seu mestre nessa aventura.

Já existe um vilão que os jogadores odeiam e querem derrubar? Então, ofereça a possibilidade de obter informações sobre as suas fraquezas. Graças ao seu trabalho durante a sessão zero e todas as perguntas que seus jogadores têm respondido, você já tem todas as ferramentas que precisa para criar ganchos interessantes nesse ponto. Posteriormente, só é preciso de um pouco de criatividade.

E para encerrar…

E mesmo assim, você ainda pode ter sessões em que os jogadores parecem desinteressados.

Não é a sua responsabilidade, como narrador, manter o grupo engajado. Saiba reconhecer quando o grupo não está no clima para jogar e sugira ver um filme ou jogar um jogo de tabuleiro.

Entretanto, se você realizar uma sessão zero, deixar que os jogadores definam elementos do cenário, construir uma campanha a partir dos históricos dos personagens e dar motivações pessoais para que os personagens se importem com as aventuras, certamente terá um grupo de jogadores ansiosos para descobrir que vai acontecer em cada sessão.

Como mestrar RPG de horror

Sabemos que Tormenta é um mundo de fantasia riquíssimo e que permite vários tipos de abordagens e experiências de jogo diferentes. Assim, encontramos desde as clássicas buscas para resgatar monarcas sequestrados e recuperar artefatos em alguma tumba esquecida, até histórias complexas com intriga política e planos de ascensão mundial. Particularmente, eu adoro o terreno fértil das histórias góticas e de horror. Elementos como a Tormenta, Aslothia e alguns cultos e vilões têm o potencial para render aventuras típicas de contos dos Mythos de Lovecraft, Clark Smith, Bloch, sem nenhuma dificuldade.

Porém, muitos mestres têm dificuldade de conseguir dosar a medida ideal de medo e horror em suas mesas. Esse equilíbrio não é tão simples de alcançar. Frequentemente pendemos para extremos; ou nada causa medo aos personagens (e, por consequência, aos jogadores), ou o desconforto é tanto que faz os jogadores saírem da mesa ou se sentirem mal. Por isso, trago dicas de como criar o clima ideal de terror em suas mesas em uma série de artigos que serão publicados neste blog.

Começando pelo começo: afinal, o que é RPG de horror?

O medo está presente no ser humano desde o início dos tempos. É ele que nos mantém alertas ao nosso redor, nos faz ter cautela e é o responsável por aquela (agradável) sensação de coração disparado e mãos suadas quando somos confrontados por algo que não podemos controlar. Se o medo está diretamente ligado ao nosso senso de sobrevivência, onde se encaixa o horror nessa equação?

O horror está ligado diretamente à sensação de impotência ou inagência. Quando, dentro de uma situação de medo — do desconhecido, de perder a vida, de se machucar —, o poder de controle e de decisão é retirado de nós. O resultado é o horror em sua mais pura essência. Lembre-se dos melhores filmes de horror que você já assistiu. O que causa a tensão são os momentos de inevitabilidade, quando você sabe que os personagens estão condenados. Independente do curso de ação que tomarem, seu destino está traçado.

Quer dizer que, no RPG, devemos tirar o poder de escolha dos personagens? Eles já devem iniciar sua jornada sabendo que não vai adiantar? De jeito nenhum! A menos que essa seja sua proposta inicial, e tenha sido combinado com todos para nivelar as expectativas, isso seria muito irritante e tremendamente frustrante.

Inserindo horror na narrativa: controle de elementos ambientais

Você pode inserir pequenos fatores de tensão para incitar horror sem privar os jogadores da sua agência. Uma forma muito eficaz e simples de conseguir esse efeito é utilizando o ambiente. Luzes, sombras, calor, odores… Ou seja, tudo aquilo que os personagens conseguem perceber através dos cinco sentidos básicos. Se bem utilizados, podem ser ferramentas preciosas de indução de tensão.

O primeiro passo é refletir sobre o que é comum para os personagens. Quais os ambientes em que eles se sentem confortáveis? Há algum personagem que se sente mal no calor? Alguma raça que é particularmente vulnerável a luz ou ao frio? Partindo da zona de conforto deles, comece a pensar no que é desconfortável. O que faria com que eles se sentissem deslocados, mas não prejudicados per se?

Vamos fazer um exercício criativo para tornar esse exemplo mais palpável.

Exemplo de cena no RPG

Os personagens dos jogadores estão em uma masmorra escura, onde eles dependem das fontes de luz (mágicas ou não) que trouxeram para enxergar. Porém, ao passar por um determinado ponto, um glifo entalhado na parede apaga subitamente todas as luzes mágicas e força os jogadores, a partir daquele ponto, a usar tochas e lampiões comuns. Dependendo da luz incerta e bruxuleante do fogo, eles veem as sombras se tornarem maiores e distorcidas ao tremeluzir das chamas com as correntes de ar locais. Eles, que estavam confortáveis e confiando na luz mágica, já não sabem muito bem a extensão do local.

Você conseguiu incluir um elemento de tensão extra na história: a iminência da escuridão, que vai dar um senso de urgência aos personagens para conseguirem seu objetivo e cair fora antes que a luz se apague de vez, aliado a um elemento de inevitabilidade. Para fechar com chave de ouro, acrescente barulhos muito discretos de gorgolejos no limite da audição dos personagens, e sombras que se movem na visão periférica.

Assim, os personagens e, por consequência, os jogadores, estão tensos com um problema que traz a carga dramática do desconhecido. Senso de urgência e de ameaça, sem ser preciso mexer em nada além da iluminação mágica que eles já estão acostumados.

Em resumo, é possível inserir elementos de tensão ligados ao ambiente sem que seja necessário lidar com quaisquer gatilhos ou traumas que os jogadores tenham. Use o cenário ao seu favor, sempre. Mesmo que o horror em si não seja o foco da sua aventura ou campanha, vai tornar a experiência de jogo e a diversão mais rica e memorável.

Até a próxima!