Autor: Matheus Gonzaga

Mapa de Relacionamentos no RPG

mapa de relacionamentos

No artigo sobre Sessão Zero, eu falei sobre como usar as contribuições dos seus jogadores para enriquecer seu jogo de RPG e propor situações interessantes para eles. Nesse artigo, eu vou falar de uma ferramenta que eu uso em praticamente todas as minhas campanhas para me ajudar com isso: o mapa de relacionamentos.

Longe de ser uma ferramenta nova, mapas de relacionamentos são usados de diferentes formas em vários RPGs. Eles servem como uma forma de organizar e manter as relações dos protagonistas com personagens secundários, lugares importantes, recursos, facções ou eventos. Vamos montar o mapa de relacionamento do seu jogo?

Construindo o Mapa de Relacionamentos

Primeiramente, você precisa escolher uma ferramenta para criar seu mapa. Claro, você pode desenhar no papel, mas é importante que o mapa esteja acessível para todo o grupo. Principalmente em tempos de pandemia, o ideal é usar alguma ferramenta online que todos possam ver e que permita editar o mapa facilmente. Algumas aplicações que eu já usei para isso são o Google Slides, Google Drawing e o aplicativo DrawExpress Lite (ótimo para estruturar ideias rapidamente no celular). Eu vou usar o Google Drawing para o exemplo deste artigo.

Os Protagonistas

Antes de tudo, coloque os personagens jogadores no centro do mapa. Escolha um formato e cor para identificá-los e coloque arestas para representar os relacionamentos entre eles. Se o grupo já definiu que tipo de relacionamento eles têm entre si, você pode identificar isso com um texto em cada aresta; caso contrário, você pode adicionar mais tarde (se estiver montando o mapa durante a Sessão Zero, por exemplo) ou perguntar aos jogadores. Perguntas do tipo “o que o seu personagem pensa sobre o personagem dele?” ou “como vocês se conheceram?” são úteis para isso.

No exemplo desse artigo, os personagens jogadores são Cassandra, uma humana barda; Ernesto, um elfo arcanista e Nala, uma dahlan paladina de Alihanna:

Personagens secundários

Com os personagens principais no centro do mapa, é hora de adicionar os personagens secundários. Se você seguiu as dicas do artigo sobre Sessão Zero, os jogadores devem ter criado personagens que são importantes para os personagens deles. No nosso exemplo, Ernesto tem sua ex-mentora, Helandra, e Greg, seu melhor amigo. Cassandra tem seu ex-namorado, Heitor, e seu mentor desaparecido, Olidran. Por fim, Nala tem Forondir, um druida que foi uma figura paterna para ela, e Lídia, uma patrulheira rival que vive causando problemas. Assim como no primeiro passo, escolha um formato e uma cor diferente para os PNJs e adicione arestas ou setas com textos identificando os relacionamentos com os PJs. Depois desse passo, nosso mapa de relacionamentos de exemplo fica assim:

Completando o Mapa de Relacionamentos

Agora você pode adicionar outros elementos importantes dos históricos dos personagens, como locais, eventos, facções e tudo que você puder usar como matéria prima de aventuras e conflitos. O nível de detalhe do mapa e das descrições depende de cada grupo. Afinal, algumas pessoas só precisam de algumas palavras-chaves para se lembrar de um relacionamento, outras, de um texto um pouco maior. No exemplo, usei losangos lilás para representar locais e hexágonos vermelhos para organizações (abra a imagem em uma nova aba para ver maior):

Identificando Situações e Relacionamentos entre PJs

Se você ainda não fez isso, identifique os relacionamentos entre os PJs. Pergunte a cada jogador o que seu personagem acha dos outros, se eles já se conhecerem. Se isso ainda não aconteceu, você pode preencher depois. Por fim, identifique quais são as situações atuais no jogo, tanto para o grupo no geral quanto para cada personagem em particular. Use uma cor e forma diferente para que isso fique bem visível. Esse é o nosso mapa de relacionamentos de exemplo depois do passo final (abra a imagem em uma nova aba para ver maior):

Usando o Mapa de Relacionamentos

Você provavelmente está pensando “Ok, Matheus, criei o mapa de relacionamentos do meu jogo. E agora? O que eu faço com isso?”. Pois bem, a razão pela qual eu gosto tanto dessa ferramenta é porque ela é útil em dois momentos: durante a criação, ela ajuda a formar um modelo mental dos elementos narrativos do jogo para todos no grupo e a criar perguntas interessantes para serem respondidas durante o jogo. Depois de pronto, o mapa de relacionamentos ajuda o grupo a se manter na mesma página e ajuda o narrador a manter o jogo focado nos personagens.

O Mapa de Relacionamentos na Preparação do Jogo

O mapa de relacionamentos é especialmente útil para guiar sua preparação. Está sem ideias para o próximo jogo? Olhe o mapa de relacionamentos. Por exemplo, o que os PJs farão se Lar dos Sapos ou o Círculo de Druidas ficarem em perigo? E se um relacionamento com um PNJ mudar de repente? E se você introduzir uma situação que dê a entender que Ernesto é realmente cúmplice de Helandra, o que Nala e Cassandra farão?

Tem uma nova ideia de trama ou vilão? Pense em como ela se relaciona com os elementos do mapa. Precisa de um PNJ para entregar um gancho de aventura? Precisa de uma organização ou lugar? Olhe o mapa. É uma ótima maneira de garantir que isso vai ser algo interessante para os jogadores e dá um sentimento de continuidade ao jogo. Conforme o jogo avança, edite o mapa para refletir os novos personagens e relacionamentos. Finalmente, se um elemento deixar de ser importante por qualquer motivo, não tenha medo de tirar ele do mapa. Lembre-se que o objetivo da ferramenta é ajudá-lo, e não gerar um trabalho desnecessário.

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Construir um mapa de relacionamentos para a sua campanha é um trabalho que pode valer a pena. E claro, eu só descrevi como eu costumo criar e usar eles. Que outras utilidades você vê para essa ferramenta? Comenta aí embaixo!

Como adaptar um RPG para jogar a obra que você gosta?

adaptar um rpg

Você já quis jogar RPG no cenário da sua série, filme, livro ou jogo favorito? Para a maioria dos RPGistas, a resposta é um grande SIM. Afinal, quem não quer fazer parte de um grupo rebelde ajudando a destruir a Estrela da Morte? Se tornar o Avatar dominando os quatro elementos e derrubando o Senhor do Fogo? Ou investigar e caçar monstros perigosos como um witcher?

Interpretar personagens nos cenários de nossas obras favoritas pode nos dar um gostinho de como seria viver naquele mundo e acabar criando nossa própria versão da história. Mas por onde começar? Muitos RPGs são criados para um cenário e gênero específicos, o que torna difícil usá-los em outras propostas. Por outro lado, criar um jogo do zero para acomodar a nossa proposta pode exigir um tempo e esforço que às vezes não dispomos. A alternativa menos trabalhosa pode ser adaptar um RPG existente.

Já existe um RPG que faça o que eu quero?

Dependendo da proposta da obra que está tentando adaptar, você pode ter um pouco de trabalho. Existem muitos jogos oficiais de obras populares e, se der sorte, pode ter um para a que você quer adaptar também. Entretanto, algumas coisas como o idioma do jogo, disponibilidade ou preço podem ser barreiras. Nesse caso, ainda é interessante pesquisar jogos que se aproximem do cenário, gênero ou tom – no caso dos RPGs “genéricos” – do que você quer jogar. Isso vai garantir que você gaste mais tempo jogando e menos tempo ajustando regras e mecânicas.

Sobre o que é a obra? Sobre o que é o jogo?

Saber responder sobre o que é o seu jogo é essencial em um processo de game design (e adaptar um  RPG também é game design). Portanto, é importante conseguir definir sobre o que é a obra que estamos tentando adaptar para entender com que tipo de mecânicas e regras precisaremos nos preocupar. Por exemplo, será que faz sentido se preocupar com uma lista detalhada de armas e poderes de combate em um jogo focado em mistério ou drama? Ou que seja tão fácil de se curar ferimentos na adaptação de uma obra em que vários personagens morrem por causa de infecções? Como lidar mecanicamente com cenários onde a magia é mais livre e versátil, diferente da tradicional “magia vanciana”?

É importante notar que filmes, séries e jogos contam histórias específicas dentro de um cenário, portanto você deve definir quais são as suas expectativas com a adaptação. Os personagens serão da mesma “categoria” que os personagens da obra original (como super-heróis, semi-deuses, alquimistas, etc)? Ou vão ser outros tipos de pessoas vivendo naquele mundo? A ideia é que o jogo siga uma estrutura e escala parecida com a obra original? Tudo isso lhe ajudará a decidir o que é importante ao analisar o jogo que você escolheu em busca do que faz ou não sentido para a adaptação.

Adapte a experiência, não as mecânicas

Dito isso, tem mais uma coisa que deve-se ter em mente ao modificar um jogo para acomodar o cenário de uma obra, principalmente no caso de jogos de videogame: adapte a experiência, não as mecânicas. É muito fácil nos perdermos tentando adaptar poderes, listas e aprimoramentos de armas, sistemas de criação ou outras mecânicas específicas que não vão contribuir para emular a experiência que queremos. Além disso, algumas mecânicas que funcionam em videogames não funcionam tão bem em um RPG. Lembre-se de revisar sobre o que é o jogo e cortar o que não for importante.

Regras que reforçam o gênero

Com um RPG com uma proposta próxima à obra que você quer adaptar e um entendimento claro sobre o que vai ser o jogo, você já tem o que precisa para começar a modificar o sistema. Abaixo eu discuto brevemente alguns subsistemas e mecânicas populares que ajudam a emular determinados gêneros.

Ferimentos

Nos populares RPGs de fantasia com foco em combate, os personagens são capazes de sobreviver a golpes, explosões e quedas severas, muitas vezes sem consequências. Em histórias em que os personagens são mais vulneráveis, como muitas vezes é o caso em cenários de terror ou baixa fantasia, isso pode ser um fator que atrapalha a experiência.

Pense em como os personagens da obra que você quer adaptar se ferem. Eles escapam de situações perigosas com facilidade? Os ferimentos são duradouros? É possível que eles morram em qualquer situação de violência ou, se isso acontece, só em momentos dramáticos? A maneira como a sua adaptação lida com isso pode definir se os jogadores serão motivados a enfrentar os desafios de forma mais arriscada ou violenta, ou a procurar alternativas mais sutis ou diplomáticas.

Facções

Histórias focadas em intriga e política normalmente têm vários grupos com motivações diversas. Essas facções têm agendas públicas ou secretas (muitas vezes ambas) e conseguem influenciar umas às outras em diferentes níveis. Em adaptações para RPG dessas obras, ter mecânicas transparentes que cubram os relacionamentos, crescimento e ações das facções mostra aos jogadores que eles podem influenciar o jogo político, não sendo algo definido unilateralmente pelo narrador.

Magia

Tradicionalmente, RPGs de fantasia medieval apresentam a “magia vanciana” – inspirada nos romances de Jack Vance. Isso significa que a magia deve ser executada a partir de listas pré-determinadas de feitiços e muitas vezes devem ser preparadas com antecedência pelo conjurador. Esse tipo de sistema de magia é replicado em diversos jogos, mas algumas obras apresentam uma magia mais livre e versátil. Nesse caso, a abordagem vanciana pode acabar atrapalhando. Pense em como abstrair o uso da magia e evite criar listas exaustivas de feitiços. Já que você não está criando um material para publicação, se concentre apenas no que o seu grupo vai precisar.

Sanidade

A descoberta de Coisas que a Humanidade Não Deveria Saber e a consequente descida em direção ao terror e à loucura é o tema de muitas histórias de horror. Medo é uma experiência naturalmente difícil de se criar durante uma sessão de RPG, então ter regras que definem como os personagens reagem e mudam diante do sobrenatural ou de situações traumáticas ajuda a reforçar a seriedade desses elementos na narrativa. RPGs de horror podem facilmente ser “pilhados” por essas mecânicas, só tome cuidado para não acabar com regras que reduzam muito a agência dos personagens.

Teste, mude e repita

Adaptar um RPG pode ser um processo trabalhoso e provavelmente o jogo não ficará como você quer na primeira tentativa. Mas não desanime! Narre algumas sessões curtas, anote o que funcionou ou não, faça as modificações que achar pertinente e teste de novo. Evite gastar energia com coisas que o seu grupo não vai usar e lembre sempre sobre o que é o jogo, caso as coisas comecem a ficar complicadas. Depois de algumas tentativas você certamente chegará ao conjunto de regras ideal para o seu grupo se aventurar no universo de sua obra favorita.

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Adaptar um RPG para jogar no cenário de nosso jogo, série ou filme favorito pode ser um processo trabalhoso, mas também é muito divertido! Você já criou alguma adaptação de RPG? Que dicas você tem para compartilhar? Comenta aí embaixo!

Mestrar RPG: Ideias comuns que não são bem verdades

mestrar rpg

A função de mestrar RPG é vista como uma das mais centrais no hobby. Em particular, a ideia do “bom mestre” de RPG tem um aspecto quase lendário – algo que todo grupo de amigos querendo jogar RPG busca e um título muito almejado.

Porém, o RPG não depende de “bons mestres”. Imagina o quão limitado seria um jogo que você só pudesse jogar com alguém que é muito bom nele? Um “bom mestre” em um grupo com má vontade nada pode fazer. Aliás, é exatamente por isso que o RPG funciona tão bem: ele não depende de uma pessoa para que seja divertido e emocionante, e sim da colaboração de todos no grupo.

Já falamos aqui sobre como é fácil começar a mestrar RPG, mas ainda assim alguns mestres sentem que precisam desenvolver habilidades para serem “bem sucedidos”. Não há nada de errado em querer melhorar em uma atividade que gostamos de fazer. Mas também isso não significa que lhe falta algo ou que você seja “ruim”.

Esse sentimento normalmente é produto de algumas crenças que a comunidade tem sobre o papel do mestre e que eu vou tentar desconstruir nesse artigo.

O mestre é responsável pela diversão do grupo

A atribuição mais difundida sobre o papel do mestre de RPG é, também, uma das mais absurdas: “O mestre é responsável pela diversão dos jogadores”. Isso significa que, se um grupo de 4 a 6 pessoas joga uma sessão de RPG de cerca de 4 horas que não é divertida, então a culpa é somente de uma pessoa — do mestre. Isso também dá a ideia de um papel mais “servil”: o mestre joga RPG para entreter os jogadores. E essa ideia muitas vezes os leva a priorizar a diversão dos outros ao invés da própria.

Não parece injusto?

Primeiramente, diversão é algo difícil de definir. Como saber se uma sessão de jogo foi divertida? Normalmente temos uma resposta circular: “a sessão foi divertida se todos se divertiram”, mas o que isso quer dizer? Para muitos grupos, a sessão foi divertida se houveram momentos em que todos deram risadas ou comemoraram, mas e para jogos com um tom diferente, como drama ou horror? Na prática, cada pessoa tem uma definição diferente do que é divertido — seja derrotar inimigos, investigar mistérios intrincados ou criar relacionamentos com outros personagens.

Além da dificuldade da definição, que varia de pessoa para pessoa, também existem inúmeros fatores fora do controle do mestre que influenciam a diversão. Alguns jogadores podem estar cansados e sem energia para jogar, o grupo pode não estar gostando do sistema do jogo, problemas pessoais podem impedir que um jogador preste atenção, o próprio mestre pode estar com um bloqueio criativo, etc. Às vezes o jogo pode não ser divertido e isso não é culpa de ninguém.

Por fim, devemos lembrar que o mestre também tem coisas que gostaria de ver no jogo. Podem ser personagens que quer interpretar, desafios que deseja ver em cena, etc. Como qualquer outro jogador, ele também joga para se divertir. Portanto, a responsabilidade pela diversão é de todos no grupo: mestre e jogadores devem buscar criar a sua própria diversão, contribuindo para a narrativa, além de facilitar a diversão dos outros integrantes do grupo.

Mestrar RPG é ser o “deus” do mundo do jogo

É muito comum ouvirmos que o “mestre manda”, como se a palavra dele fosse final sobre qualquer assunto e ele não estivesse sujeito às regras. Sob esse ponto de vista, jogadores não poderiam questionar a aplicação de regras e teriam de aceitar qualquer coisa que acontecesse no jogo.

Essa concepção faz sentido, se levarmos em conta que o mestre é o encarregado da aplicação das regras e de narrar como o mundo reage quando um personagem jogador (PJ) faz uma ação, mas será que o mestre tem realmente essa liberdade e poder todo?

Por mais livre que seja o RPG comparado a outros jogos, todos os jogadores, inclusive o mestre, são limitados por diversos elementos, como o gênero do jogo, as regras, o contrato do grupo estabelecido na sessão zero e o que é esperado de cada papel. Em particular, cada jogo define quais são as atribuições do mestre (se houver um) e como devem ser desempenhadas.

No geral, o objetivo do mestre é o de ajudar o grupo a criar uma história interessante com a contribuição de todos na mesa. Não é função do mestre frustrar os jogadores ou impedir os planos dos seus personagens, mas tornar a sua execução mais emocionante. A “autoridade” sobre as regras também varia de jogo para jogo: em Tormenta 20, por exemplo, o grupo inteiro deve concordar com quaisquer mudanças nas regras.

Finalmente, é importante prestarmos atenção em que contexto esse tipo de afirmação aparece. Assumir a postura de “eu sou o mestre, eu mando” para resolver desavenças no grupo nunca é uma saída saudável. Seus jogadores vão apenas se frustrar, o jogo vai deixar de ser divertido ou eles vão parar de jogar com você. Conversar com o grupo e chegar a um consenso é sempre o melhor caminho.

Mestrar RPG é contar uma história para os jogadores

Outra ideia bastante difundida é a de que o mestre conta a história do jogo para os jogadores. Certamente, para quem olha um jogo de RPG de fora, esse parece ser o caso. É o mestre quem está falando na maior parte do tempo, enquanto os jogadores escutam atentamente antes de declarar suas ações, mas tem muito mais acontecendo aí.

Mesmo que o mestre controle todos os outros personagens, os protagonistas do RPG são os PJs. São eles que têm o maior poder de decisão sobre a direção que a história vai tomar e o mestre não pode e nem deve tentar controlar suas ações. Por esse motivo, tentar contar uma história pré-estabelecida para os jogadores no RPG é uma atividade extremamente contraproducente.

Isso não significa que o mestre não pode preparar a aventura. A preparação – tópico que varia muito de mestre para mestre – ajuda a reagir melhor às ações dos PJs e a ter coisas interessantes para narrar, mas ela é uma ferramenta auxiliar, não algo a ser seguido à risca.

É importante ter em mente que a história é um produto da interação do mestre e dos jogadores com as regras do jogo – e não algo que alguém pensou antes como deveria ser. Por isso ignorar regras em prol da “história” não faz sentido: a história é o que está sendo criada ali, naquele momento, abrace ela.

Mestre, nada mais que um jogador

Certamente existem outras ideias nocivas sobre o papel do mestre (que talvez até justifiquem uma segunda parte desse artigo) que fazem a tarefa parecer mais difícil do que ela é, mas essas três são bem populares e costumam ser fontes de insegurança para muitos novatos.

Dito isso, assim como os jogadores, o mestre de RPG tem responsabilidades. Por exemplo, é ele quem equilibra quanto “tempo de tela” cada PJ tem, permitindo que todos tenham uma chance de contribuir para a história. Também é quem dá a base para o tom do jogo, garantindo que a história se mantenha consistente.

Enxergar o papel do mestre apenas como um jogador diferente nos permite encarar a aventura com a leveza necessária para apenas sentar com os amigos e se divertir. Por isso, não perca tempo procurando um “bom mestre” para o seu grupo de amigos: leiam o livro do jogo, decidam quem será o mestre e comecem a viver histórias fantásticas juntos.

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Mestrar  RPG é uma tarefa muito mais fácil do que parece, mas algumas crenças sobre isso pode nos deixar bastante inseguros para assumir esse papel. Que dica você daria para alguém que está com dúvidas sobre mestrar?

Como o jogador pode influenciar a narrativa no RPG

Quando jogamos RPG, algumas vezes pode parecer que a influência do papel do jogador sobre a história é bem mais limitada do que a do narrador —  principalmente para pessoas novas no hobby. Isso pode levar a jogos mais estáticos, onde o grupo apenas reage ao que o narrador fala, nunca sugerindo maneiras de como a história pode seguir em frente. Hoje eu vou dar algumas dicas de como você pode influenciar a narrativa como jogador, ajudando o grupo a desenvolver uma história divertida e interessante.

Interprete o seu personagem como se ele fosse real

Pense no seu personagem não só como o seu avatar no mundo do jogo, mas também como uma pessoa real. Ele pode ter família, amigos e conhecidos. Ele tem ideias sobre o que é certo ou errado e também tem objetivos, convicções, crenças ou até superstições.

Claro, você não precisa (e nem deve!) decidir tudo isso antes do jogo, mas à medida que o narrador apresenta situações, lugares e personagens, pense nesses elementos e em como eles podem guiar a sua interpretação. Um bom hábito é se perguntar frequentemente “como o meu personagem está se sentindo agora?”, e então reagir de acordo, descrevendo suas ações para o grupo.

Por exemplo, como o seu personagem se sente estando de volta à cidade onde traiu um chefe do crime? Ao receber uma missão que envolve resgatar uma criança da idade de seu filho, que deixou em casa? Ou ao ter sido forçado a fazer algo que sua divindade não aprova? Note que esses detalhes podem ser definidos no decorrer do jogo – apenas confirme com o narrador se está tudo bem. Sua interpretação a partir desses elementos irá inspirar novas cenas e interações entre os personagens e, dessa forma, influenciar a narrativa.

Crie oportunidades para os outros PJs

Um dos papéis do mestre é o de balancear quanto “tempo de tela” cada personagem tem. Isso garante que todos terão oportunidades iguais de fazer contribuições para a história. Entretanto, isso é algo que os jogadores também podem ajudar a fazer.

Claro que todos gostamos de ver nossos personagens brilharem, mas também procure por momentos em que o seu personagem pode criar oportunidades para que os personagens dos outros jogadores entrem em ação. Para isso, entenda as habilidades e interesses dos seus aliados e interprete essa passagem do holofote no jogo.

Ao chegar em uma cena de crime, por exemplo, vire para o investigador do grupo e pergunte o que ele acha. Ele, por sua vez, ao achar um artefato misterioso, pode se voltar ao personagem mais erudito do grupo e perguntar se ele já viu algo parecido antes. Se todos no grupo estiverem atentos para esses momentos, o resultado é uma narrativa mais dinâmica, em que todos os personagens são igualmente importantes.

Dê combustível para a narrativa

Muitas vezes em filmes e livros vemos os protagonistas tomarem decisões que os trazem problemas. Às vezes eles vão a algum lugar sabendo que há uma armadilha, outras vezes eles fazem perguntas demais e atraem atenção indesejada. Seja como for, essas decisões trazem conflitos para a história e a tornam mais interessante.

Alguns jogadores, entretanto – talvez por experiências passadas ruins – tendem a elaborar demais algumas ações ou planos, buscando blindar seu personagem de qualquer consequência negativa que possa sofrer. Em exagero, isso pode criar situações onde o jogo fica travado em cenas de discussão e planejamento, sem avançar a história.

Portanto, não deixe que o medo das adversidades o impeça de continuar avançando o jogo. Claro, procure tomar decisões e criar planos inteligentes, mas quando problemas interessantes estiverem no horizonte, vá com tudo. Certamente será muito mais divertido.

Por fim, ajude a criar o cenário

Ao apresentar uma cena, dificilmente o narrador diz tudo que há nela. É natural, pois o ato de narrar se apoia bastante na capacidade da nossa imaginação de completar lacunas onde necessário – e além disso, é muito tedioso descrever todos os detalhes de uma cena. Isso significa que existe bastante espaço para os jogadores inserirem elementos em que têm interesse. Essa é outra maneira de influenciar a narrativa, e a melhor forma de fazer isso é perguntando ao narrador.

Alguns exemplos de perguntas são: “Eu vejo alguém da minha antiga gangue enquanto andamos pela cidade?”, “Há uma carroça ou algo que eu possa usar para pular nele?”, “Tem um templo do meu deus nesse vilarejo?”, “Há algum compartimento secreto no hangar?”, “Tem alguém que eu conheça na caravana que acabou de chegar?”. O narrador pode responder com algo que ele já havia pensado, inventar algo na hora ou até devolver a pergunta para você!

É claro que essas perguntas são sugestões de coisas que você gostaria de ver acontecendo na narrativa. Pegar essa contribuição e adaptá-la para o cenário e tom do jogo é um dos trabalhos do narrador, portanto não se preocupe e use as características do seu personagem para inserir elementos capazes de gerar cenas interessantes.

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Seguindo essas dicas, ou tomando qualquer atitude que ajude a compor a narrativa com o mestre,  você colabora com uma aventura mais rica e memorável para todos os envolvidos, afinal, os PJs são os protagonistas da história sendo construída.

Você também tem alguma dica de como os jogadores podem influenciar a narrativa na mesa de RPG? Compartilha com a gente nos comentários.

Como narrar em um evento de RPG

evento de rpg

Narrar em um evento de RPG é uma ótima oportunidade para quem busca melhorar suas habilidades como mestre, testar um sistema diferente ou apenas fazer novos companheiros de aventuras. Entretanto, existem algumas diferenças a se considerar quando nos preparamos para narrar em um evento, comparado a um jogo que narraríamos para nossos amigos.

Neste artigo, eu vou dar algumas dicas para você se preparar e narrar em eventos sem preocupações.

Leve personagens prontos

Antes de mais nada, em um evento de RPG normalmente não há tempo suficiente para criar fichas de personagem, portanto sempre leve personagens prontos. Procure criar de cinco a sete opções de personagens, de acordo com os principais arquétipos do cenário do jogo, e explique em poucas palavras o conceito de cada um.

Claro, você pode apenas montar a ficha numericamente e deixar lacunas para serem preenchidas pelo jogador do personagem – como nome, gênero, personalidade, histórico, etc. Entretanto, assuma que você pode receber pessoas que nunca jogaram RPG antes, então tente dar alguma dica de como interpretar cada personagem, seja listando algum detalhe do histórico dele ou algum traço de sua personalidade.

Da mesma forma, é importante que as fichas sejam simples e que contenham todas as informações sobre poderes e habilidades do personagem. Isso vai ajudar seus jogadores a entenderem que opções de ações têm e agilizar as resoluções durante o jogo.

Explique o jogo rapidamente

Seus jogadores podem ser novatos no hobby ou apenas novatos no sistema que você vai narrar, portanto, antes de começar, dê uma breve explicação sobre o jogo. É importante que essa explicação seja apenas o suficiente para entender o básico do sistema e do cenário, sem entrar em minúcias de regras.

Por exemplo, “Os personagens são aventureiros em um mundo de fantasia em busca de fama e riquezas. Quando eles fazem alguma coisa arriscada, vocês rolam um dado de 20 lados, somam um bônus e tentam tirar um resultado maior que um valor de dificuldade.”

Deixe para explicar o resto no decorrer do jogo, à medida em que for precisando. Também explique brevemente o que cada personagem faz. Não se preocupe em detalhar cada mecânica agora, dizer que um personagem pode curar o grupo e que o outro pode conjurar uma bola de fogo é o suficiente.

Use bem o seu tempo

Outra grande diferença tem a ver com a limitação da duração do jogo. Em um evento de RPG, normalmente só podemos narrar one-shots, ou seja: uma aventura com começo, meio e fim em uma única sessão, com duração de três a quatro horas. Portanto, dê preferência a aventuras curtas e descomplicadas, em que os jogadores não tenham dificuldade de entender qual é o objetivo.

Além disso, não tenha medo de apressar o ritmo se o jogo chegar a impasses. Pergunte como cada jogador deseja abordar a situação e peça uma decisão do grupo, resolvendo a cena e cortando para o próximo momento. O seu objetivo é que todos saiam da mesa tendo experimentado uma história completa, portanto pense em quais cenas poderiam ser encurtadas ou removidas, caso necessário. Aventuras mais estruturadas, do tipo “railroad”, são as mais indicadas nessa situação.

Jogue com segurança

Você provavelmente não conhecerá as pessoas que jogarão na sua mesa – e talvez elas não se conheçam entre si. Portanto, ferramentas e atitudes que buscam manter o jogo um espaço seguro são ainda mais importantes em um evento de RPG.

Primeiramente, evite utilizar temas sensíveis, que possam deixar seus jogadores desconfortáveis. Representações de machismo, racismo e homofobia devem sempre ser evitadas. Além disso, tortura e descrições extremas de violências devem ser tratadas com cuidado. Sempre inclua um aviso sobre potenciais temas sensíveis na divulgação de sua mesa e a classificação indicativa apropriada.

Entretanto, as pessoas têm diferentes experiências e é impossível saber que tópicos em particular são incômodos para os seus jogadores. Uma boa ferramenta para se utilizar nesse caso, é a Carta X, do John Stavropoulos.

Pegue um cartão em branco (ou um pedaço de papel), desenhe um X bem visível e coloque-o no meio da mesa. Explique aos jogadores que, se alguma coisa desconfortável ocorrer durante o jogo, eles podem tocar ou levantar o cartão, sem precisar dar nenhum tipo de explicação. Caso isso aconteça, modifique a cena que acabou de ocorrer ou avance para o próximo momento.

Em jogos online, ao invés de usar um cartão, você pode orientar os jogadores a sinalizarem um “X” com os braços, se estiverem usando vídeo, ou enviar um “X” no chat de texto. Não esqueça que você também pode usar a Carta X se os jogadores fizerem algo que faça você se sentir desconfortável!

Divirta-se!

Por fim, relaxe a aproveite a experiência. Lembre-se que RPG é uma conversa e que todos estão ali para se divertir. Dê espaço para que os jogadores explorem seus personagens e não tenha medo de seguir com as sugestões e ideias deles.

Ao narrar em um evento de RPG, além de contribuir para a divulgação do hobby, você conhece diversas pessoas que lhe apresentarão novas perspectivas sobre jogar e narrar. Apenas vá preparado, seja paciente e fique de olho na duração da mesa e no bem-estar de seus jogadores. Bons jogos!

Sessão Zero: Como incluir os jogadores na criação da campanha de RPG

Sessão Zero: Como incluir os jogadores na criação da campanha de RPG

É o dia do jogo. Você passou horas pensando e preparando a aventura, criou um mundo fantástico que mal pode esperar para mostrar aos jogadores, tem PNJs que tem certeza que todos vão amar e odiar e, o mais importante: está empolgado para narrar.

Um pouco depois que o jogo começa, entretanto, as coisas não vão bem como você esperava.

Os jogadores parecem desinteressados. Alguns mexem no celular, outros conversam sobre outros assuntos durante o jogo e, no geral, não dão muita atenção para a narrativa. Você tinha certeza que todos iriam amar o seu material, mas agora parecem entediados.

O que fazer para manter a atenção dos jogadores? Se você já narrou algumas vezes, talvez tenha passado por uma situação similar.

Há muitos fatores que podem levar a isso, porém se essa dispersão se tornar um problema, é sinal de que talvez você precise realizar uma sessão zero.

A sessão zero do RPG

A sessão zero é o encontro em que o narrador apresenta a proposta da campanha ou aventura e os jogadores criam os personagens.

Essa é uma ótima oportunidade para descobrir no que os jogadores estão interessados. Por isso, discuta o que cada um espera do jogo, que tipo de jogo desejam jogar e que tipo de história desejam criar. Apresente suas próprias ideias sobre o jogo e compare com o que foi dito. 

A sua empolgação com o jogo é tão importante quanto a dos seus jogadores, assim, em caso de divergências, o grupo deve negociar até que cheguem a um meio-termo. A medida em que a discussão avança, faça anotações listando os elementos de interesse individuais e coletivos dos jogadores – você as usará sempre que preparar aventuras e fizer decisões sobre o jogo.

Quando as expectativas sobre o jogo estiverem claras para todos, o grupo pode passar para a criação de personagens e construção de cenário colaborativa.

Construção de cenário colaborativa no RPG

Como narradores, nós gastamos bastante tempo e energia mental preparando e pensando nas aventuras, cenários e PNJs.

Logo, nosso investimento no jogo normalmente é maior, o que pode nos levar a ter apego a uma ideia de “como as coisas deveriam ser”. Dessa forma, deixar os jogadores definirem alguns elementos do cenário reforça a visão do jogo como algo coletivo, ajudando a evitar essa armadilha e abrindo espaço para que os próprios jogadores se tornem mais investidos no jogo.

Uma forma de tornar a criação do cenário mais colaborativa é através de perguntas.

Na sessão zero, você deve fazer várias delas para descobrir no que os jogadores estão interessados. As escolhas que os jogadores fazem durante a criação de personagens também dizem muito sobre seus interesses. Com base nisso, faça perguntas sobre elementos do mundo para os jogadores mais interessados nesses elementos.

Perguntas importantes

Por exemplo, pergunte ao ladino quais são as guildas de ladrões que existem na cidade. Pergunte ao elfo como são as festas de casamento do seu povo. Pergunte ao clérigo como são os templos do seu deus. Sempre que houver uma oportunidade na narrativa para preencher esses espaços, faça uma pergunta. 

O seu trabalho aqui é construir em cima das respostas, adaptando-as para para o tom da história. Não tenha medo das ideias que os jogadores podem trazer. Afinal, você ainda tem a palavra final sobre o que faz sentido para narrativa. O melhor é sempre tentar usar essas ideias de alguma forma.

Fazendo a história importar desde a sessão zero

Agora que o seu grupo tem um mundo que todos ajudaram a construir e com o qual todos se importam, você provavelmente está começando a pensar na campanha e na primeira aventura.

Você certamente pode ter uma história que deseja contar e vilões com planos terríveis para colocar em ação, mas tome cuidado para não deixar que esses planos passem por cima do que vocês já criaram juntos. A melhor campanha que você pode narrar para os seus jogadores é aquela em que apenas os personagens deles poderiam ter vivido.

Mais perguntas importantes

Para isso, novamente, faça perguntas. Pergunte aos jogadores sobre seus personagens: de onde eles vieram? Quem são as pessoas com que se importam? O que e quem eles odeiam? Com que pessoas e quais organizações eles têm contato? O personagem guerreiro veio de um vilarejo que foi atacado?

Pergunte ao jogador sobre os malfeitores. Foi algum grupo de bandidos ou uma horda de mortos-vivos? Como o personagem se sente? Será que busca vingança? O personagem mago era assistente de um necromante e então fugiu? Hmm… Será que esse necromante é responsável pela destruição da vila do guerreiro? Será que a vila era um teste para algo maior?

O melhor momento para isso é após a criação dos personagens, mas não tenha medo de perguntar durante o jogo também. Anote as respostas que conseguir e faça um mapa de relacionamento com esses itens. Assim, quando pensar sobre a campanha e criar aventuras, pense em como usar esses elementos para criar uma história única para os personagens.

Familiarizando os personagens

Em primeiro lugar, antes de criar cada aventura, pergunte por que os personagens se importam. Os jogadores vão tentar interpretar os personagens como se fossem pessoas reais, então ajude-os dando a eles motivos para seguirem o plot que você tem em mente.

Evite sempre oferecer ouro ou itens mágicos, torne as motivações para perseguir uma aventura pessoais. Sabe aqueles PNJs que seus jogadores criaram com quem os personagens podem contar? Coloque-os em perigo. Dê a entender, por exemplo, que o monge pode descobrir pistas do paradeiro do seu mestre nessa aventura.

Já existe um vilão que os jogadores odeiam e querem derrubar? Então, ofereça a possibilidade de obter informações sobre as suas fraquezas. Graças ao seu trabalho durante a sessão zero e todas as perguntas que seus jogadores têm respondido, você já tem todas as ferramentas que precisa para criar ganchos interessantes nesse ponto. Posteriormente, só é preciso de um pouco de criatividade.

E para encerrar…

E mesmo assim, você ainda pode ter sessões em que os jogadores parecem desinteressados.

Não é a sua responsabilidade, como narrador, manter o grupo engajado. Saiba reconhecer quando o grupo não está no clima para jogar e sugira ver um filme ou jogar um jogo de tabuleiro.

Entretanto, se você realizar uma sessão zero, deixar que os jogadores definam elementos do cenário, construir uma campanha a partir dos históricos dos personagens e dar motivações pessoais para que os personagens se importem com as aventuras, certamente terá um grupo de jogadores ansiosos para descobrir que vai acontecer em cada sessão.