Categoria:Dicas de RPG

Mapa de Relacionamentos no RPG

mapa de relacionamentos

No artigo sobre Sessão Zero, eu falei sobre como usar as contribuições dos seus jogadores para enriquecer seu jogo de RPG e propor situações interessantes para eles. Nesse artigo, eu vou falar de uma ferramenta que eu uso em praticamente todas as minhas campanhas para me ajudar com isso: o mapa de relacionamentos.

Longe de ser uma ferramenta nova, mapas de relacionamentos são usados de diferentes formas em vários RPGs. Eles servem como uma forma de organizar e manter as relações dos protagonistas com personagens secundários, lugares importantes, recursos, facções ou eventos. Vamos montar o mapa de relacionamento do seu jogo?

Construindo o Mapa de Relacionamentos

Primeiramente, você precisa escolher uma ferramenta para criar seu mapa. Claro, você pode desenhar no papel, mas é importante que o mapa esteja acessível para todo o grupo. Principalmente em tempos de pandemia, o ideal é usar alguma ferramenta online que todos possam ver e que permita editar o mapa facilmente. Algumas aplicações que eu já usei para isso são o Google Slides, Google Drawing e o aplicativo DrawExpress Lite (ótimo para estruturar ideias rapidamente no celular). Eu vou usar o Google Drawing para o exemplo deste artigo.

Os Protagonistas

Antes de tudo, coloque os personagens jogadores no centro do mapa. Escolha um formato e cor para identificá-los e coloque arestas para representar os relacionamentos entre eles. Se o grupo já definiu que tipo de relacionamento eles têm entre si, você pode identificar isso com um texto em cada aresta; caso contrário, você pode adicionar mais tarde (se estiver montando o mapa durante a Sessão Zero, por exemplo) ou perguntar aos jogadores. Perguntas do tipo “o que o seu personagem pensa sobre o personagem dele?” ou “como vocês se conheceram?” são úteis para isso.

No exemplo desse artigo, os personagens jogadores são Cassandra, uma humana barda; Ernesto, um elfo arcanista e Nala, uma dahlan paladina de Alihanna:

Personagens secundários

Com os personagens principais no centro do mapa, é hora de adicionar os personagens secundários. Se você seguiu as dicas do artigo sobre Sessão Zero, os jogadores devem ter criado personagens que são importantes para os personagens deles. No nosso exemplo, Ernesto tem sua ex-mentora, Helandra, e Greg, seu melhor amigo. Cassandra tem seu ex-namorado, Heitor, e seu mentor desaparecido, Olidran. Por fim, Nala tem Forondir, um druida que foi uma figura paterna para ela, e Lídia, uma patrulheira rival que vive causando problemas. Assim como no primeiro passo, escolha um formato e uma cor diferente para os PNJs e adicione arestas ou setas com textos identificando os relacionamentos com os PJs. Depois desse passo, nosso mapa de relacionamentos de exemplo fica assim:

Completando o Mapa de Relacionamentos

Agora você pode adicionar outros elementos importantes dos históricos dos personagens, como locais, eventos, facções e tudo que você puder usar como matéria prima de aventuras e conflitos. O nível de detalhe do mapa e das descrições depende de cada grupo. Afinal, algumas pessoas só precisam de algumas palavras-chaves para se lembrar de um relacionamento, outras, de um texto um pouco maior. No exemplo, usei losangos lilás para representar locais e hexágonos vermelhos para organizações (abra a imagem em uma nova aba para ver maior):

Identificando Situações e Relacionamentos entre PJs

Se você ainda não fez isso, identifique os relacionamentos entre os PJs. Pergunte a cada jogador o que seu personagem acha dos outros, se eles já se conhecerem. Se isso ainda não aconteceu, você pode preencher depois. Por fim, identifique quais são as situações atuais no jogo, tanto para o grupo no geral quanto para cada personagem em particular. Use uma cor e forma diferente para que isso fique bem visível. Esse é o nosso mapa de relacionamentos de exemplo depois do passo final (abra a imagem em uma nova aba para ver maior):

Usando o Mapa de Relacionamentos

Você provavelmente está pensando “Ok, Matheus, criei o mapa de relacionamentos do meu jogo. E agora? O que eu faço com isso?”. Pois bem, a razão pela qual eu gosto tanto dessa ferramenta é porque ela é útil em dois momentos: durante a criação, ela ajuda a formar um modelo mental dos elementos narrativos do jogo para todos no grupo e a criar perguntas interessantes para serem respondidas durante o jogo. Depois de pronto, o mapa de relacionamentos ajuda o grupo a se manter na mesma página e ajuda o narrador a manter o jogo focado nos personagens.

O Mapa de Relacionamentos na Preparação do Jogo

O mapa de relacionamentos é especialmente útil para guiar sua preparação. Está sem ideias para o próximo jogo? Olhe o mapa de relacionamentos. Por exemplo, o que os PJs farão se Lar dos Sapos ou o Círculo de Druidas ficarem em perigo? E se um relacionamento com um PNJ mudar de repente? E se você introduzir uma situação que dê a entender que Ernesto é realmente cúmplice de Helandra, o que Nala e Cassandra farão?

Tem uma nova ideia de trama ou vilão? Pense em como ela se relaciona com os elementos do mapa. Precisa de um PNJ para entregar um gancho de aventura? Precisa de uma organização ou lugar? Olhe o mapa. É uma ótima maneira de garantir que isso vai ser algo interessante para os jogadores e dá um sentimento de continuidade ao jogo. Conforme o jogo avança, edite o mapa para refletir os novos personagens e relacionamentos. Finalmente, se um elemento deixar de ser importante por qualquer motivo, não tenha medo de tirar ele do mapa. Lembre-se que o objetivo da ferramenta é ajudá-lo, e não gerar um trabalho desnecessário.

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Construir um mapa de relacionamentos para a sua campanha é um trabalho que pode valer a pena. E claro, eu só descrevi como eu costumo criar e usar eles. Que outras utilidades você vê para essa ferramenta? Comenta aí embaixo!

Além de O Exorcista: como mestrar um RPG de terror de possessão

rpg possessão

Mais uma singela coluna mensal onde tratamos de técnicas narrativas para jogos de horror, emulando os diversos subgêneros do nosso bom e velho frio na espinha.

Dessa vez, vamos fazer um exercício de análise daquele que, pra mim, é o subgênero mais impactante e aterrador: POSSESSÃO.

Coisa do capeta

Ao falar em possessão naturalmente nós pensamos em duas coisas: demônios e em O Exorcista. A primeira parte é fácil compreender o motivo da ligação imediata, visto que somos um país de maioria cristã e os hábitos e costumes cristão estão cristalizados em nosso dia a dia. Então, ao falar em possessão, a primeira coisa a se pensar é em demônios. Demônios que são malvados e que habitam o inferno cheio de enxofre e chamas. Mas pense como seria divertido subverter isso.

Nem sempre o ser que possui alguém, usando um corpo físico como uma “roupa” tem intenções puramente malignas. No filme Constantine (gosto bastante) a primeira pista que ele tem para o plot geral ssão demônios possuindo pessoas de um modo diferente. Eles querem fugir do inferno. E por que? O que está acontecendo lá para que busquem fugir? Ou ainda, se o demônio se afeiçoou a uma determinada família que agora passa por dificuldades e só está tentando ajudá-la? Se a vida não é preto e branca, seu jogo também não precisa ser.

Dando o clima correto para sua possessão

E o que faz de O Exorcista um ícone da cultura pop que é aclamado até hoje como um dos melhores do gênero? Embora eu ainda não tenha tido coragem de vê-lo (um dia conto essa história), sabe-se que um dos recursos mais utilizados é o contraste das cenas. Em um momento temos a garotinha doce e gentil fazendo algo tremendamente comum para na cena seguinte termos um comportamento totalmente anormal, ou uma cena forte e escatológica. O contraste gera a repulsa e a repulsa é um dos combustíveis do medo. Não saber o que esperar é uma das coisas que faz seu sangue gelar porque evoluímos para traçar estratégias mentais de cenários futuros.

Mas como pensar nisso em uma mesa de jogo? Em mundos fantásticos como Arton, bem e mal são relativos e há um panteão de 20 deuses maiores, além de uma miríade de deuses menores ainda não catalogados. Todos esses deuses têm a seu serviço entidades sobre-humanas e inúmeros fiéis que podem seguir seus preceitos ou distorcê-los. Tornando tudo caos e imprevisibilidade. E num cenário de caos, os indivíduos se sobressaem. Dê cores ao mundo e os indivíduos tornando-os únicos para seu grupo de Personagens Jogadores. Quando eles pensarem que entenderam tudo, puxe seu tapete.

Possuindo almas passo a passo

Analisemos o que faz a mera ideia de possessão tão arrepiante. Independente da “entidade” em questão, a ideia de perder o controle do seu corpo e ações, per se, é aterradora. Ser um mero passageiro em seu próprio corpo, sem ter como agir ou reagir ao que acontece é a definição de terror puro. Pergunte a qualquer pessoa que já teve um episódio de paralisia do sono, tentar fazer algo e não conseguir é a matéria de qualquer pesadelo.

A experiência de ser comandado intrinsecamente por algo externo é bem retratada na série Supernatural. Ela lida com isso com bastante ênfase ao longo da quarta e da quinta temporadas com várias experiências terríveis relatadas por personagens que são usados como marionetes tanto por anjos como por demônios. As experiências são péssimas, independente da índole do ser possuidor.

O diabo está na obviedade

O filme Corra (Get Out, 2017) do Jordan Peele é extremamente bem sucedido em mostrar aspectos dessa faceta. É impossível se manter apático diante da situação exposta pelo roteiro. Em O Crânio e o Corvo, Leonel Caldela nos apresentou o simbionte da Tormenta, uma criatura capaz de se infiltrar no corpo do hospedeiro e fazê-lo mudar sua índole devagar, sempre para favorecer a Tempestade Vermelha. É uma abordagem muito boa desse jogo de “Fulano não é mais Fulano”, algo sutil que vai mudando aos poucos e culmina em uma grande cena de revelação é uma forma de tornar sua mesa inesquecível.

Mesmo que o personagem seja possuído por um ser benigno, como um anjo ou seu deus de devoção, como houve nesse final de semana em Joias para Lamashtu (sessão stream narrada por Thiago Rosa aos sábados no Twich da Jambô), não quer dizer que seja uma boa experiência para o personagem e nem para seus companheiros. Em situações assim, cabe ao narrador decidir se vai fazer uma abordagem positiva ou negativa.

A abordagem positiva é deixar o jogador do personagem em questão controlar o ser super poderoso que a amálgama do personagem com a entidade se tornou. Ou a abordagem negativa é deixar o jogador simplesmente assistir tudo que o personagem fará enquanto a entidade estiver com seu personagem. Dá bem a dimensão de que não é uma situação comum e nem divertida para o personagem, o lado ruim é que o jogador também é posto no banco de reservas. Uma alternativa para não punir o jogador com um tempo no banco é deixar que ele jogue com outro personagem durante a possessão, podendo ser um NPC, ou um personagem novo.

Como usar possessão na sua mesa sem ser babaca

Como sempre falamos, é importante os jogadores estarem de acordo com algumas abordagens e confortáveis com os assuntos mais obscuros.

Sendo assim, você pode conversar sobre a temática com seus jogadores e ver o que eles acham disso. Se todos estiverem tranquilos quanto a perder o controle do personagem de vez em quando, invista nisso. Com moderação, porque um recurso muito utilizado perde impacto. Outra ideia válida é utilizar um NPC para tal. Alguém próximo ao grupo, com mudanças de humor drásticas, falta de memória de determinados fatos, ou até mesmo dias de comportamento errático. A tensão dos personagens dos jogadores ao lidar com o NPC sofrendo de possessão pode ser crescente. Imprevisibilidade causa desconforto e desconforto causa medo. Nunca saber com quem se está lidando, ou testemunhar as mudanças drásticas de uma cena para outra deixará seus jogadores na ponta de suas cadeiras e com cabelos de pé.

Ofereça oportunidades de “redenção” ou “exorcismo” para a situação. Isso vai dar esperanças e tornar sua busca mais genuína. Pense fora da caixinha, o fantasma que possuiu a bibliotecária poderia só desejar achar a cópia do livro com dedicatória para seu filho. Não ponha toda a carga em cima das costas do clérigo, padre, sacerdote ou religioso do grupo de jogo. Nem trate disso de modo trivial como uma magia qualquer resolve o problema. Assim você não acrescentou drama nenhum, só fez mais um confronto qualquer contra uma entidade maligna qualquer.

Baralho de Aventuras: Dicas e Exemplos de Uso

O Baralho de Aventuras é um acessório inédito de Tormenta20 — uma das recompensas adicionais possibilitadas pelo financiamento coletivo do jogo. É um baralho de 56 cartas, em formato “tarot” (7 x 12 cm), cujo objetivo é ajudá-lo a criar histórias para suas aventuras. Use-o quando estiver sem ideias ou quando quiser fazer uma história que normalmente não surgiria em sua mesa!

Composição do Baralho de Aventuras

  • Carta de Instruções x1. Instruções para o uso do baralho. Este artigo aprofunda o que é dito na carta, com exemplos e dicas.
  • Cartas de Enredos x7. Estruturas de histórias. Essas cartas determinam quais outras cartas você precisa para construir sua trama. Por exemplo, a carta de enredo Trabalho de Aventureiro especifica que você precisa puxar duas cartas de personagem (sendo que a primeira representará o NPC que contrata os heróis e, a segunda, o vilão da história), duas cartas de ameaça, duas cartas de local e uma carta de objeto.
  • Cartas de Personagens x10. Arquétipos de personagens de narrativas fantásticas. Você pode criar um NPC desse arquétipo ou, se tiver uma campanha em andamento, usar um NPC recorrente que se encaixe nele. Para facilitar sua vida, cada carta traz alguns exemplos. Você pode escolher um deles — ou, se quiser deixar tudo nas mãos de Nimb mesmo, rolar 1d4.
  • Cartas de Ameaças x10. Perigos que os personagens deverão sobrepujar. Cada carta descreve um tipo de ameaça, com exemplos divididos por patamar de jogo — iniciante, veterano, campeão e lenda (veja Tormenta20, página 35). Exemplos em itálico aparecerão no suplemento futuro Ameaças de Arton.
  • Cartas de Locais x12. Ambientes pelos quais os personagens deverão passar. Cada carta traz um exemplo por patamar, já com uma descrição para você usar. Fique livre para trocar o local por outro do mesmo tema. Por exemplo, a carta de local Urbano não precisa ser necessariamente uma aldeia remota — pode ser a praça central de uma cidade, um bairro de Valkaria etc.
  • Cartas de Objetos x6. Itens importantes para a história. Crie um baseado no tema da carta ou escolha (ou role) um dos exemplos.
  • Cartas de Eventos x10. Acontecimentos importantes para a trama.

Usando o Baralho de Aventuras

Como a carta de instruções diz, há duas maneiras básicas de usar o Baralho de Aventuras: o “Método Nimb” (cartas escolhidas aleatoriamente) e o “Método Khalmyr” (cartas escolhidas pelo mestre).

Método Nimb
Embaralhe as cartas e puxe-as até sair uma carta de enredo (veja os ícones dos tipos de carta abaixo). Ela traz a estrutura da história e diz quais outras cartas você precisa. Se você já tiver puxado as cartas solicitadas, use-as. Caso contrário, continue puxando cartas até ter todas (ignore cartas não solicitadas). Respeite os papéis em que as cartas aparecerem, mesmo que à primeira vista não façam sentido — trabalhe com o que foi puxado, sem se deixar prender pela “lógica”.

Método Khalmyr
Se não quiser deixar sua aventura nas mãos do caos, use as cartas como um catálogo de ideias. Apenas leia cada uma e escolha as que preferir para montar uma trama ou incrementar uma história que você já tenha criado.

Não recomendamos uma junção dos dois métodos — puxar as cartas aleatoriamente e descartar os resultados que você não gostar. Isso vai engessar sua criatividade, deixando-o preso em fórmulas já conhecidas, mas sem que você faça escolhas ativas. Contudo, é o seu jogo. Use o baralho como julgar mais divertido!

Exemplo de Uso

O mestre deseja deixar uma parte de sua campanha nas mãos de Nimb. Assim, resolve que a próxima aventura será montada a partir de cartas puxadas do baralho. Como a campanha já está em andamento, ele decide que vai tentar encaixar os NPCs, lugares e demais elementos já existentes nos papéis descritos pelas cartas. Seja o que o Caos quiser.

Ele embaralha as cartas e começa a puxá-las. A primeira que saca é Fortificação, uma carta de local. Deixa ela separada e continua puxando. A segunda é Protegido, uma carta de personagem. A terceira que ele puxa é Jornada, uma carta de enredos. Agora a construção da história começa! No caso, teremos uma grande viagem, na qual o caminho é mais importante que o destino em si. Seguindo as instruções da carta, o mestre precisa de uma carta de personagem, objeto ou evento para ser o motivo da jornada, três cartas de local, para as localidades pelas quais o grupo passará, e três cartas de personagens, ameaças ou eventos, para os encontros que o grupo terá. Ele já puxou uma carta de local (Fortificação) e uma de personagem (Protegido), então já tem a primeira localidade e o motivo. Ele precisa continuar sacando cartas até ter mais duas cartas de local (para fechar as três localidades) e três cartas de personagens, ameaças ou eventos (para os três encontros).

Carta de Enredo - Jornada

A próxima carta que ele puxa é Bufão, uma carta de personagem. Este será o primeiro encontro. Ele continua sacando cartas, tirando Clérigos & Celestiais (ameaça), Armas e Armaduras (objeto), Ermos (local), Lefeu (ameaça), Praga (evento) e Fronteiras (local), nesta ordem.

Ermos e Fronteiras (junto de Fortificação, que já havia sido sacada), completam nossas três localidades. Bufão, Clérigos & Celestiais e Lefeu formam nossos três encontros. Armas & Armaduras e Praga são cartas de objeto e de evento, mas apenas uma carta desses tipos foi solicitada pelo enredo, e a vaga foi ocupada por Protegido. Porém, nada impede que elas sejam usadas para inspiração, então o mestre as deixa separadas. A composição final da aventura é:

  • Enredo: Jornada.
  • Motivo: Protegido.
  • Localidades: Fortificação, Ermos e Fronteiras.
  • Encontros: Bufão, Clérigos & Celestiais e Lefeu.

Vamos analisar cada parte dessas. A carta de Protegido faz todo sentido neste tipo de história — provavelmente a missão será levar o protegido de um lugar a outro.

Em seguida, o âmago da aventura: locais! A combinação de Ermos e Fronteiras faz o mestre pensar em um lugar afastado do Reinado. Pensando na campanha e examinando o mapa de Arton, ele decide que a aventura vai se passar nas Repúblicas Livres de Sambúrdia.

Por fim, os encontros… Bufão será o primeiro. Inesperado, mas essa é a graça do baralho! Se o bufão vai ser um oponente, o que isso significa? Será que o mestre está pronto para inserir uma traição na campanha? Ou será que o bufão vai atrapalhar de outra forma? Clérigos & Celestiais será outro encontro. Por fim, temos Lefeu. Impossível não pensar que as coisas estão conectadas. O mestre imediatamente pensa em sacerdotes corrompidos de Aharadak.

É hora de juntar tudo isso. Os heróis são chamados por um príncipe mercador hynne, um velho conhecido. O filho do comerciante tem uma estranha doença: suas juntas estão ficando cada vez mais duras, sua pele está se tornando rígida. Será que o rapaz está virando pedra? Ninguém sabe, mas dizem os boatos que na ilha de Khubar há um xamã capaz de curar qualquer doença. A missão é levar o enfermo a Khubar em segurança. Com isso, usamos nosso Protegido e temos o motivo da Jornada — já a inspiração para a doença veio da carta Praga.

Para o primeiro encontro, nosso mestre faz algo especialmente astuto… e maligno. Ele cria uma cena aparentemente inócua, para ser inserida antes que o grupo receba a missão. Um menestrel errante ouviu falar das façanhas dos personagens e os aborda, querendo ouvir suas histórias para espalhá-las aos quatro ventos! Independentemente da forma como os personagens respondam, o bardo vai cometer um erro terrível: irá espionar sua conversa com o príncipe mercador e viajar na frente deles, contando sobre o heroísmo dos aventureiros numa corrida contra o tempo para salvar um inocente menino… A intenção dele é boa: que os heróis sejam celebrados em cada local que cheguem. Porém, o que ele estará fazendo na prática é avisar todos os potenciais inimigos… Aí está o nosso Bufão.

Os heróis partem. Logo nos primeiros dias de viagem, chegam a uma Fortificação — uma pequena parada de caravanas com muros de pedra e um poço, onde são acolhidos. No meio da noite, são atacados por cultistas! Durante a luta, percebem que os inimigos são Clérigos de Aharadak. A Tormenta está por trás disso! Eles fogem do castelo e notam que um pequeno pedaço de carapaça vermelha surgiu na pele do rapaz. Isto não é uma enfermidade comum, mas corrupção pela Tormenta! Resta a dúvida sobre como os cultistas foram avisados e puderam emboscá-los…

Atravessando uma floresta (Ermos), eles são abordados e enxotados por druidas locais. Um bardo passou por aqui, narrando os grandiosos feitos deste grupo! Mas os druidas não querem saber de corrupção lefeu em sua floresta. Os heróis são forçados a trilhar um caminho mais longo. O mestre teve a ideia dos druidas também pela carta Clérigos & Celestiais, e porque eram uma boa maneira de dar a informação sobre o bardo. Agora, além da corrupção, eles correm contra o menestrel que está deixando tudo mais difícil!

Por fim, eles chegam a uma cidade costeira (Fronteira), onde vão pegar um navio até Khubar. Contudo, todos os capitães já sabem que eles estão escoltando um corrompido e não querem o grupo em seus navios! Maldito bardo! A única que concorda em levá-los é uma velha clériga do Oceano. Ela tem seus próprios motivos.

No meio da viagem, esses motivos ficam claros: a anciã também foi corrompida pela Tormenta! Seu objetivo é chegar ao tal xamã, na esperança de que ele possa ter uma cura, mas para isso precisa saber quem ele é e onde está — informações que os heróis têm. Então o navio é atacado por Lefeu, que causam uma tempestade. O mestre gostaria de facilitar para os jogadores, mas os clérigos surgiram como ameaças, então a clériga precisa causar algum problema. Ela não queria atrair os lefeu, mas está marcada e atua como um alvo para os aberrantes. No final, a clériga se sacrifica, afundando no mar, mas ajudando os heróis. Eles chegam a Khubar quase mortos. O garoto está quase todo coberto de carapaça.

Na ilha, o xamã vai retirar o simbionte que está no enfermo. Ele nunca vai recuperar o que já perdeu de si mesmo, mas agora tem uma esperança de pelo menos deter a corrupção. E adivinhe quem está em Khubar? Ele mesmo, o bardo, esperando os agradecimentos dos heróis. O que eles vão fazer com ele?

Aí está: uma típica aventura de jornada. O que parecia ser um conjunto esdrúxulo de elementos (um Bufão como primeiro encontro, ameaças que não tinham a ver com os lugares) acabou desenvolvendo uma aventura diferente e divertida.

Últimas Dicas

  • Se quiser simplificar sua vida, separe as cartas de Enredo, embaralhe-as e saque uma. Sabendo quais cartas você precisará, comece a puxar do resto do baralho. Isso tira um pouco do caos, mas deixa o processo mais rápido.
  • Se mesmo após puxar todas as cartas você estiver sem inspiração ou sem saber como encaixar um elemento, continue sacando cartas até algo fazer sentido.
  • Além dos usos definidos pelos enredos, cartas de eventos também podem ser usadas como “modificadores” para as aventuras. Se quiser deixar sua história mais amalucada, simplesmente puxe uma carta de evento e aplique-a. Uma aventura de Jornada, por exemplo, ficaria completamente diferente com uma carta de evento Guerra — viajar por um território em conflito é muito diferente de viajar por uma região em paz.

Quais aventuras você criou com o baralho? Conte pra gente nos comentários!

Como adaptar um RPG para jogar a obra que você gosta?

adaptar um rpg

Você já quis jogar RPG no cenário da sua série, filme, livro ou jogo favorito? Para a maioria dos RPGistas, a resposta é um grande SIM. Afinal, quem não quer fazer parte de um grupo rebelde ajudando a destruir a Estrela da Morte? Se tornar o Avatar dominando os quatro elementos e derrubando o Senhor do Fogo? Ou investigar e caçar monstros perigosos como um witcher?

Interpretar personagens nos cenários de nossas obras favoritas pode nos dar um gostinho de como seria viver naquele mundo e acabar criando nossa própria versão da história. Mas por onde começar? Muitos RPGs são criados para um cenário e gênero específicos, o que torna difícil usá-los em outras propostas. Por outro lado, criar um jogo do zero para acomodar a nossa proposta pode exigir um tempo e esforço que às vezes não dispomos. A alternativa menos trabalhosa pode ser adaptar um RPG existente.

Já existe um RPG que faça o que eu quero?

Dependendo da proposta da obra que está tentando adaptar, você pode ter um pouco de trabalho. Existem muitos jogos oficiais de obras populares e, se der sorte, pode ter um para a que você quer adaptar também. Entretanto, algumas coisas como o idioma do jogo, disponibilidade ou preço podem ser barreiras. Nesse caso, ainda é interessante pesquisar jogos que se aproximem do cenário, gênero ou tom – no caso dos RPGs “genéricos” – do que você quer jogar. Isso vai garantir que você gaste mais tempo jogando e menos tempo ajustando regras e mecânicas.

Sobre o que é a obra? Sobre o que é o jogo?

Saber responder sobre o que é o seu jogo é essencial em um processo de game design (e adaptar um  RPG também é game design). Portanto, é importante conseguir definir sobre o que é a obra que estamos tentando adaptar para entender com que tipo de mecânicas e regras precisaremos nos preocupar. Por exemplo, será que faz sentido se preocupar com uma lista detalhada de armas e poderes de combate em um jogo focado em mistério ou drama? Ou que seja tão fácil de se curar ferimentos na adaptação de uma obra em que vários personagens morrem por causa de infecções? Como lidar mecanicamente com cenários onde a magia é mais livre e versátil, diferente da tradicional “magia vanciana”?

É importante notar que filmes, séries e jogos contam histórias específicas dentro de um cenário, portanto você deve definir quais são as suas expectativas com a adaptação. Os personagens serão da mesma “categoria” que os personagens da obra original (como super-heróis, semi-deuses, alquimistas, etc)? Ou vão ser outros tipos de pessoas vivendo naquele mundo? A ideia é que o jogo siga uma estrutura e escala parecida com a obra original? Tudo isso lhe ajudará a decidir o que é importante ao analisar o jogo que você escolheu em busca do que faz ou não sentido para a adaptação.

Adapte a experiência, não as mecânicas

Dito isso, tem mais uma coisa que deve-se ter em mente ao modificar um jogo para acomodar o cenário de uma obra, principalmente no caso de jogos de videogame: adapte a experiência, não as mecânicas. É muito fácil nos perdermos tentando adaptar poderes, listas e aprimoramentos de armas, sistemas de criação ou outras mecânicas específicas que não vão contribuir para emular a experiência que queremos. Além disso, algumas mecânicas que funcionam em videogames não funcionam tão bem em um RPG. Lembre-se de revisar sobre o que é o jogo e cortar o que não for importante.

Regras que reforçam o gênero

Com um RPG com uma proposta próxima à obra que você quer adaptar e um entendimento claro sobre o que vai ser o jogo, você já tem o que precisa para começar a modificar o sistema. Abaixo eu discuto brevemente alguns subsistemas e mecânicas populares que ajudam a emular determinados gêneros.

Ferimentos

Nos populares RPGs de fantasia com foco em combate, os personagens são capazes de sobreviver a golpes, explosões e quedas severas, muitas vezes sem consequências. Em histórias em que os personagens são mais vulneráveis, como muitas vezes é o caso em cenários de terror ou baixa fantasia, isso pode ser um fator que atrapalha a experiência.

Pense em como os personagens da obra que você quer adaptar se ferem. Eles escapam de situações perigosas com facilidade? Os ferimentos são duradouros? É possível que eles morram em qualquer situação de violência ou, se isso acontece, só em momentos dramáticos? A maneira como a sua adaptação lida com isso pode definir se os jogadores serão motivados a enfrentar os desafios de forma mais arriscada ou violenta, ou a procurar alternativas mais sutis ou diplomáticas.

Facções

Histórias focadas em intriga e política normalmente têm vários grupos com motivações diversas. Essas facções têm agendas públicas ou secretas (muitas vezes ambas) e conseguem influenciar umas às outras em diferentes níveis. Em adaptações para RPG dessas obras, ter mecânicas transparentes que cubram os relacionamentos, crescimento e ações das facções mostra aos jogadores que eles podem influenciar o jogo político, não sendo algo definido unilateralmente pelo narrador.

Magia

Tradicionalmente, RPGs de fantasia medieval apresentam a “magia vanciana” – inspirada nos romances de Jack Vance. Isso significa que a magia deve ser executada a partir de listas pré-determinadas de feitiços e muitas vezes devem ser preparadas com antecedência pelo conjurador. Esse tipo de sistema de magia é replicado em diversos jogos, mas algumas obras apresentam uma magia mais livre e versátil. Nesse caso, a abordagem vanciana pode acabar atrapalhando. Pense em como abstrair o uso da magia e evite criar listas exaustivas de feitiços. Já que você não está criando um material para publicação, se concentre apenas no que o seu grupo vai precisar.

Sanidade

A descoberta de Coisas que a Humanidade Não Deveria Saber e a consequente descida em direção ao terror e à loucura é o tema de muitas histórias de horror. Medo é uma experiência naturalmente difícil de se criar durante uma sessão de RPG, então ter regras que definem como os personagens reagem e mudam diante do sobrenatural ou de situações traumáticas ajuda a reforçar a seriedade desses elementos na narrativa. RPGs de horror podem facilmente ser “pilhados” por essas mecânicas, só tome cuidado para não acabar com regras que reduzam muito a agência dos personagens.

Teste, mude e repita

Adaptar um RPG pode ser um processo trabalhoso e provavelmente o jogo não ficará como você quer na primeira tentativa. Mas não desanime! Narre algumas sessões curtas, anote o que funcionou ou não, faça as modificações que achar pertinente e teste de novo. Evite gastar energia com coisas que o seu grupo não vai usar e lembre sempre sobre o que é o jogo, caso as coisas comecem a ficar complicadas. Depois de algumas tentativas você certamente chegará ao conjunto de regras ideal para o seu grupo se aventurar no universo de sua obra favorita.

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Adaptar um RPG para jogar no cenário de nosso jogo, série ou filme favorito pode ser um processo trabalhoso, mas também é muito divertido! Você já criou alguma adaptação de RPG? Que dicas você tem para compartilhar? Comenta aí embaixo!

Mestrando RPG: trash ou terrir?

Mestrando RPG: trash ou terrir?

Histórias de horror costumam ser imersivas e despertar reações viscerais nos envolvidos. As melhores, em qualquer mídia, não são músicas de uma nota só e sim melodias complexas. O mesmo pode ser dito de uma boa aventura de RPG com momentos diversos que passeiam por vários estilos e gêneros.

Stephen King, em uma entrevista há muitos anos, comparou um bom livro de terror a uma comida apimentada: há inúmeros outros temperos (gêneros e estilos), mas o picante se sobressai.

Se você quer jogar uma aventura de horror com seus amigos, não quer dizer que o seu jogo precise ser mortalmente (hehe) sério o tempo inteiro. Há um subgênero de terror, mais especificamente em cinema, que é muitas vezes visto com um certo desdém, mas pode ser uma fonte de aventuras excelentes e inesquecíveis: o trash, ou em bom português terrir.

Esse estilo casa muito bem com públicos mais jovens, crianças mais velhas e jovens adolescentes (entre 11 e 15 anos), mas adultos não o dispensam também. Sabe aqueles filmes de terror como A Coisa e a Pequena Loja de Horrores que a ideia é fazer o efeito especial ruim e arrancam mais gargalhadas que sustos? This is the way.

Respeito é bom e todo mundo gosta

Primeiro é importante ter em mente que, por mais que o seu jogo seja uma história mais leve e intercale elementos de susto e tensão com elementos de comédia (tanto da mais boba como a mais sofisticada), respeite seus jogadores.

Evite piadas de mau gosto, seja um mestre consciente do seu papel na construção da narrativa conjunta. Todo mundo precisa se divertir, e não é divertido ser babaca!

Lembre-se também que é um jogo que vai trabalhar com medos e situações que podem gerar alguns desconfortos, por isso assegure-se que todos na mesa estão confortáveis com o estilo e com os assuntos abordados. O canal do diálogo franco e honesto é muito importante. A diversão de uma pessoa termina ao começar a diversão da outra.

Tomados esses pequenos cuidados, garanto que será muito mais divertido e mais empolgante!

Como eu monto uma aventura de terrir?

Um bom ponto de partida na criação da aventura de terrir é pensar no vilão da história. Tudo vai girar em torno do absurdo dele e de sua capacidade de causar espanto e terror nos personagens. Quanto mais inusitado for, melhor.

Um ogro malvadão com um tique nervoso de recitar receitas de bolos explosivos enquanto luta. Um rei goblin megalomaníaco que crê piamente ser um dragão negro metamorfoseado e obriga todos os seus capangas a usarem um tabardo com o símbolo dele. Uma linda e fofa lebre que na verdade é um monstro sanguinário guardião de uma torre abandonada na Pondsmânia. Um contrabandista de itens amaldiçoados de Vectora que tem o péssimo hábito de recitar poesia élfica errado ao fazer negócios…

Pense com cuidado e determine o que torna o seu vilão deslocado dentro do contexto. O que causará a reação de risos incontidos dos PJs em uma situação tensa. 

O plano sensacional (nem tanto)

 Agora que você tem uma noção do elemento principal da história, é hora de espalhar o absurdo, o caos e o horror a partir dele. Qual o plano do vilão? Por que o conflito com os PJs é eminente?

A temática desse estilo é o absurdo, mas não pese demais a mão para não acabar com uma comédia pastelão em suas mãos. Os planos podem ser megalomaníacos ou simples, mas sempre precisam se equilibrar entre o exagero despropositado e o nervosismo da incerteza.

Lembra do Batman, o primeiro do Tim Burton? Ele bebe bem na fonte do terrir.

O plano do Coringa é fazer com que as pessoas tenham reações fatais a toxinas que ele colocou em produtos simples do uso diário como xampu, sabonete, sabão em pó e pasta de dentes. Se você parar pra pensar, é um absurdo matar alguém de rir e faz menos sentido ainda que se morra rindo ao escovar os dentes.

Mas a incerteza de onde está o veneno, o que é ou não seguro fazer… Isso deixa um ar de sobressalto e paranoia no ar. Ninguém sabe quem será a próxima vítima do Palhaço do Crime, então as pessoas começam a desconfiar de tudo e de todos. Pronto! O caos está instalado e nenhum lugar é seguro. 

Extrapole essa noção para além do lugar comum. Uma chef famosa que decidiu variar o prato principal de seu restaurante badalado em Valkaria em paralelo ao desaparecimento de inúmeros mendigos e animais de estimação de uma área da cidade. O clima de incerteza e perigo iminente deve ser tão palpável quanto o desconforto de jantar no restaurante, ou um passeio à cozinha. 

Faça do fantástico surreal! Trabalhe com a perda ou alteração de percepção dos personagens presos em um labirinto de plantas carnívoras e venenosas enquanto são caçados por frutas bestiais e carnívoras.

Abrace o absurdo dentro da atmosfera de medo e incerteza do terrir! Misturar elementos de horror e de comédia pode ser desafiador a princípio, mas garanto que vale à pena o esforço.

Mestrar RPG: Ideias comuns que não são bem verdades

mestrar rpg

A função de mestrar RPG é vista como uma das mais centrais no hobby. Em particular, a ideia do “bom mestre” de RPG tem um aspecto quase lendário – algo que todo grupo de amigos querendo jogar RPG busca e um título muito almejado.

Porém, o RPG não depende de “bons mestres”. Imagina o quão limitado seria um jogo que você só pudesse jogar com alguém que é muito bom nele? Um “bom mestre” em um grupo com má vontade nada pode fazer. Aliás, é exatamente por isso que o RPG funciona tão bem: ele não depende de uma pessoa para que seja divertido e emocionante, e sim da colaboração de todos no grupo.

Já falamos aqui sobre como é fácil começar a mestrar RPG, mas ainda assim alguns mestres sentem que precisam desenvolver habilidades para serem “bem sucedidos”. Não há nada de errado em querer melhorar em uma atividade que gostamos de fazer. Mas também isso não significa que lhe falta algo ou que você seja “ruim”.

Esse sentimento normalmente é produto de algumas crenças que a comunidade tem sobre o papel do mestre e que eu vou tentar desconstruir nesse artigo.

O mestre é responsável pela diversão do grupo

A atribuição mais difundida sobre o papel do mestre de RPG é, também, uma das mais absurdas: “O mestre é responsável pela diversão dos jogadores”. Isso significa que, se um grupo de 4 a 6 pessoas joga uma sessão de RPG de cerca de 4 horas que não é divertida, então a culpa é somente de uma pessoa — do mestre. Isso também dá a ideia de um papel mais “servil”: o mestre joga RPG para entreter os jogadores. E essa ideia muitas vezes os leva a priorizar a diversão dos outros ao invés da própria.

Não parece injusto?

Primeiramente, diversão é algo difícil de definir. Como saber se uma sessão de jogo foi divertida? Normalmente temos uma resposta circular: “a sessão foi divertida se todos se divertiram”, mas o que isso quer dizer? Para muitos grupos, a sessão foi divertida se houveram momentos em que todos deram risadas ou comemoraram, mas e para jogos com um tom diferente, como drama ou horror? Na prática, cada pessoa tem uma definição diferente do que é divertido — seja derrotar inimigos, investigar mistérios intrincados ou criar relacionamentos com outros personagens.

Além da dificuldade da definição, que varia de pessoa para pessoa, também existem inúmeros fatores fora do controle do mestre que influenciam a diversão. Alguns jogadores podem estar cansados e sem energia para jogar, o grupo pode não estar gostando do sistema do jogo, problemas pessoais podem impedir que um jogador preste atenção, o próprio mestre pode estar com um bloqueio criativo, etc. Às vezes o jogo pode não ser divertido e isso não é culpa de ninguém.

Por fim, devemos lembrar que o mestre também tem coisas que gostaria de ver no jogo. Podem ser personagens que quer interpretar, desafios que deseja ver em cena, etc. Como qualquer outro jogador, ele também joga para se divertir. Portanto, a responsabilidade pela diversão é de todos no grupo: mestre e jogadores devem buscar criar a sua própria diversão, contribuindo para a narrativa, além de facilitar a diversão dos outros integrantes do grupo.

Mestrar RPG é ser o “deus” do mundo do jogo

É muito comum ouvirmos que o “mestre manda”, como se a palavra dele fosse final sobre qualquer assunto e ele não estivesse sujeito às regras. Sob esse ponto de vista, jogadores não poderiam questionar a aplicação de regras e teriam de aceitar qualquer coisa que acontecesse no jogo.

Essa concepção faz sentido, se levarmos em conta que o mestre é o encarregado da aplicação das regras e de narrar como o mundo reage quando um personagem jogador (PJ) faz uma ação, mas será que o mestre tem realmente essa liberdade e poder todo?

Por mais livre que seja o RPG comparado a outros jogos, todos os jogadores, inclusive o mestre, são limitados por diversos elementos, como o gênero do jogo, as regras, o contrato do grupo estabelecido na sessão zero e o que é esperado de cada papel. Em particular, cada jogo define quais são as atribuições do mestre (se houver um) e como devem ser desempenhadas.

No geral, o objetivo do mestre é o de ajudar o grupo a criar uma história interessante com a contribuição de todos na mesa. Não é função do mestre frustrar os jogadores ou impedir os planos dos seus personagens, mas tornar a sua execução mais emocionante. A “autoridade” sobre as regras também varia de jogo para jogo: em Tormenta 20, por exemplo, o grupo inteiro deve concordar com quaisquer mudanças nas regras.

Finalmente, é importante prestarmos atenção em que contexto esse tipo de afirmação aparece. Assumir a postura de “eu sou o mestre, eu mando” para resolver desavenças no grupo nunca é uma saída saudável. Seus jogadores vão apenas se frustrar, o jogo vai deixar de ser divertido ou eles vão parar de jogar com você. Conversar com o grupo e chegar a um consenso é sempre o melhor caminho.

Mestrar RPG é contar uma história para os jogadores

Outra ideia bastante difundida é a de que o mestre conta a história do jogo para os jogadores. Certamente, para quem olha um jogo de RPG de fora, esse parece ser o caso. É o mestre quem está falando na maior parte do tempo, enquanto os jogadores escutam atentamente antes de declarar suas ações, mas tem muito mais acontecendo aí.

Mesmo que o mestre controle todos os outros personagens, os protagonistas do RPG são os PJs. São eles que têm o maior poder de decisão sobre a direção que a história vai tomar e o mestre não pode e nem deve tentar controlar suas ações. Por esse motivo, tentar contar uma história pré-estabelecida para os jogadores no RPG é uma atividade extremamente contraproducente.

Isso não significa que o mestre não pode preparar a aventura. A preparação – tópico que varia muito de mestre para mestre – ajuda a reagir melhor às ações dos PJs e a ter coisas interessantes para narrar, mas ela é uma ferramenta auxiliar, não algo a ser seguido à risca.

É importante ter em mente que a história é um produto da interação do mestre e dos jogadores com as regras do jogo – e não algo que alguém pensou antes como deveria ser. Por isso ignorar regras em prol da “história” não faz sentido: a história é o que está sendo criada ali, naquele momento, abrace ela.

Mestre, nada mais que um jogador

Certamente existem outras ideias nocivas sobre o papel do mestre (que talvez até justifiquem uma segunda parte desse artigo) que fazem a tarefa parecer mais difícil do que ela é, mas essas três são bem populares e costumam ser fontes de insegurança para muitos novatos.

Dito isso, assim como os jogadores, o mestre de RPG tem responsabilidades. Por exemplo, é ele quem equilibra quanto “tempo de tela” cada PJ tem, permitindo que todos tenham uma chance de contribuir para a história. Também é quem dá a base para o tom do jogo, garantindo que a história se mantenha consistente.

Enxergar o papel do mestre apenas como um jogador diferente nos permite encarar a aventura com a leveza necessária para apenas sentar com os amigos e se divertir. Por isso, não perca tempo procurando um “bom mestre” para o seu grupo de amigos: leiam o livro do jogo, decidam quem será o mestre e comecem a viver histórias fantásticas juntos.

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Mestrar  RPG é uma tarefa muito mais fácil do que parece, mas algumas crenças sobre isso pode nos deixar bastante inseguros para assumir esse papel. Que dica você daria para alguém que está com dúvidas sobre mestrar?

Baú Referencial: Muv-Luv Alternative

Os horrores da Invasão Beta para Brigada Ligeira Estelar

Em Brigada Ligeira Estelar, a seção Baú Referencial não traz adaptações de cenário — ele busca, em outros animes, ideias e conceitos aplicáveis à ambientação.

E a franquia Muv-Luv Alternative vive um bom momento em particular para isso: enquanto lá fora foi anunciada uma nova animação para 2021 (Muv-Luv Alternative: The Animation), por aqui temos um de seus derivados sendo exibido em TV aberta: Scharzesmarken, na Rede Brasil.

Tendo em conta as origens do cenário, não deixa de ser surpreendente: tudo nasceu como um mero… eroge (ou seja, um jogo erótico) escolar. Mas conseguiu uma surpreendente migração para o mainstream.

E quem não conhece a série deve estar achando que perdi o juízo.

Como Assim… Eroge?

A primeira série — Muv-Luv Extra — era um simulador de romance escolar aonde o protagonista se envolveria com várias meninas. Contudo, a cada jogo novo, ele pularia para outra linha de tempo alternativa.

No segundo jogo — Muv-Luv Unlimited — ele cairia em um cenário de história alternativa com invasores alienígenas e robôs gigantes. Mas, para surpresa geral, eles chamaram a atenção de um público maior.

Assim, foram feitas versões dos jogos sem cenas de sexo — e veio Muv-Luv Alternative, ambientada nessa linha de tempo nova, tornando-se uma franquia de mecha bem sólida por si só.

Hoje, Muv-Luv Alternative nos traz mangás, light novels, um RPG com dois suplementos até agora, dois animes (Muv-Luv Alternative: Total Eclipse e o citado Schwarzesmarken) — e, claro, videogames.

O Mundo de Muv-Luv Alternative

Uma raça monstruosa — os BETA — foi avistada em Marte em 1958, chegando à Lua em 1967… e à Terra em 1973, sabe-se lá como.

Aparentemente eles não são uma raça inteligente mas, sim, uma espécie de praga cósmica — se multiplicando como formigas e destruindo tudo pelo caminho.

Agora a humanidade está à beira da extinção, dependendo de pilotos de robôs gigantes para tentar virar a mesa. No entanto, a maior ameaça pode não ser os monstros — mas os próprios interesses políticos e militares humanos…

Para piorar, a Guerra Fria não acabou.

Em Total Eclipse, acompanhamos um grupo de pilotos de provas trabalhando para desenvolver um equipamento experimental capaz de mudar os rumos da guerra. Já em Schwarzesmarken, acompanhamos a linha de frente em uma Alemanha Oriental (mal-)escrita como se fosse uma extensão da Alemanha Nazista.

E em Brigada Ligeira Estelar?

Temos duas possibilidades aqui. A primeira, e mais óbvia, é a frente Proscrita.

É presente tanto em Total Eclipse quanto em Schwarzesmarken. Claramente é uma Ficção Científica Militar de tom árido (recomendamos uma olhada aqui e aqui), aonde os personagens podem ter mortes horríveis e golpes de misericórdia podem ser uma bênção.

Uma abordagem funcional é enxergar os Proscritos como se fosse uma força da anti-natureza, existindo apenas para matar e destruir. O suplemento Arquivos do Sabre pode ajudar nesse sentido.

Há referências úteis nesse sentido. Por exemplo, os Zygoteanos do cult A Odisseia da Metamorfose, de Jim Starlin: eles invadem mundos para explorá-los e abandoná-los, deixando-os sem vida.

A Campanha do Lado Sombrio

A segunda possibilidade é uma campanha nos moldes de Scwarzesmarken.

Nela, vocês não são necessariamente maus, mas trabalham para forças sombrias e estão sujeitos à suas intrigas e decisões mal-intencionadas. Por exemplo, imaginem um esquadrão de pilotos novatos da Guarda Regencial de Tarso com o cérebro formatado pelo discurso supremacista local.

Quem sabe, em um “gesto político de boa vontade”, eles sejam cedidos para a frente proscrita.

Mas e se isso na verdade tiver sido feito com o objetivo de encobrir um plano de espionagem e roubo de tecnologia inimiga com as bênçãos do empresariado tarsiano?

Dessa forma, temos tudo: personagens bois-de-piranha, superiores nada confiáveis e a certeza de se estar trabalhando com os vilões e nada poder fazer.

Por último: eu não poderia ser honesto com o material sem abordar esse aspecto…

Seja Sexy!

Apesar do reposicionamento da marca, originalmente Muv-Luv era um eroge e assim, alguns desses elementos se tornaram parte de sua identidade.

Dessa forma, temos o motivo de termos muito mais mulheres do que homens nos esquadrões. Ou dos trajes de pilotos serem colantes e tão… reveladores quanto aos atributos físicos de cada um.

Lembrem-se então: personagens jovens, bonitos e com os hormônios borbulhando são obrigatórios. As tramoias de bastidores se confundem com as tensões sexuais. Jogos narrativos como Monsterhearts podem emprestar ideias para essa dinâmica na mesa de 3D&T.

No entanto isso ainda é uma campanha de robôs, com muitos combates. Não deixem isso se tornar um Eroge na mesa de jogo — mas se vocês preferirem assim, não temos nada a ver com isso e já não é mais assunto nosso…

Até a próxima!

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Blog oficial de Brigada Ligeira Estelar: https://brigadaligeiraestelar.com/

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Como o jogador pode influenciar a narrativa no RPG

Quando jogamos RPG, algumas vezes pode parecer que a influência do papel do jogador sobre a história é bem mais limitada do que a do narrador —  principalmente para pessoas novas no hobby. Isso pode levar a jogos mais estáticos, onde o grupo apenas reage ao que o narrador fala, nunca sugerindo maneiras de como a história pode seguir em frente. Hoje eu vou dar algumas dicas de como você pode influenciar a narrativa como jogador, ajudando o grupo a desenvolver uma história divertida e interessante.

Interprete o seu personagem como se ele fosse real

Pense no seu personagem não só como o seu avatar no mundo do jogo, mas também como uma pessoa real. Ele pode ter família, amigos e conhecidos. Ele tem ideias sobre o que é certo ou errado e também tem objetivos, convicções, crenças ou até superstições.

Claro, você não precisa (e nem deve!) decidir tudo isso antes do jogo, mas à medida que o narrador apresenta situações, lugares e personagens, pense nesses elementos e em como eles podem guiar a sua interpretação. Um bom hábito é se perguntar frequentemente “como o meu personagem está se sentindo agora?”, e então reagir de acordo, descrevendo suas ações para o grupo.

Por exemplo, como o seu personagem se sente estando de volta à cidade onde traiu um chefe do crime? Ao receber uma missão que envolve resgatar uma criança da idade de seu filho, que deixou em casa? Ou ao ter sido forçado a fazer algo que sua divindade não aprova? Note que esses detalhes podem ser definidos no decorrer do jogo – apenas confirme com o narrador se está tudo bem. Sua interpretação a partir desses elementos irá inspirar novas cenas e interações entre os personagens e, dessa forma, influenciar a narrativa.

Crie oportunidades para os outros PJs

Um dos papéis do mestre é o de balancear quanto “tempo de tela” cada personagem tem. Isso garante que todos terão oportunidades iguais de fazer contribuições para a história. Entretanto, isso é algo que os jogadores também podem ajudar a fazer.

Claro que todos gostamos de ver nossos personagens brilharem, mas também procure por momentos em que o seu personagem pode criar oportunidades para que os personagens dos outros jogadores entrem em ação. Para isso, entenda as habilidades e interesses dos seus aliados e interprete essa passagem do holofote no jogo.

Ao chegar em uma cena de crime, por exemplo, vire para o investigador do grupo e pergunte o que ele acha. Ele, por sua vez, ao achar um artefato misterioso, pode se voltar ao personagem mais erudito do grupo e perguntar se ele já viu algo parecido antes. Se todos no grupo estiverem atentos para esses momentos, o resultado é uma narrativa mais dinâmica, em que todos os personagens são igualmente importantes.

Dê combustível para a narrativa

Muitas vezes em filmes e livros vemos os protagonistas tomarem decisões que os trazem problemas. Às vezes eles vão a algum lugar sabendo que há uma armadilha, outras vezes eles fazem perguntas demais e atraem atenção indesejada. Seja como for, essas decisões trazem conflitos para a história e a tornam mais interessante.

Alguns jogadores, entretanto – talvez por experiências passadas ruins – tendem a elaborar demais algumas ações ou planos, buscando blindar seu personagem de qualquer consequência negativa que possa sofrer. Em exagero, isso pode criar situações onde o jogo fica travado em cenas de discussão e planejamento, sem avançar a história.

Portanto, não deixe que o medo das adversidades o impeça de continuar avançando o jogo. Claro, procure tomar decisões e criar planos inteligentes, mas quando problemas interessantes estiverem no horizonte, vá com tudo. Certamente será muito mais divertido.

Por fim, ajude a criar o cenário

Ao apresentar uma cena, dificilmente o narrador diz tudo que há nela. É natural, pois o ato de narrar se apoia bastante na capacidade da nossa imaginação de completar lacunas onde necessário – e além disso, é muito tedioso descrever todos os detalhes de uma cena. Isso significa que existe bastante espaço para os jogadores inserirem elementos em que têm interesse. Essa é outra maneira de influenciar a narrativa, e a melhor forma de fazer isso é perguntando ao narrador.

Alguns exemplos de perguntas são: “Eu vejo alguém da minha antiga gangue enquanto andamos pela cidade?”, “Há uma carroça ou algo que eu possa usar para pular nele?”, “Tem um templo do meu deus nesse vilarejo?”, “Há algum compartimento secreto no hangar?”, “Tem alguém que eu conheça na caravana que acabou de chegar?”. O narrador pode responder com algo que ele já havia pensado, inventar algo na hora ou até devolver a pergunta para você!

É claro que essas perguntas são sugestões de coisas que você gostaria de ver acontecendo na narrativa. Pegar essa contribuição e adaptá-la para o cenário e tom do jogo é um dos trabalhos do narrador, portanto não se preocupe e use as características do seu personagem para inserir elementos capazes de gerar cenas interessantes.

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Seguindo essas dicas, ou tomando qualquer atitude que ajude a compor a narrativa com o mestre,  você colabora com uma aventura mais rica e memorável para todos os envolvidos, afinal, os PJs são os protagonistas da história sendo construída.

Você também tem alguma dica de como os jogadores podem influenciar a narrativa na mesa de RPG? Compartilha com a gente nos comentários.

RPG de terror: Mestrando no gênero Slasher

rpg de terror slasher

O que seria montar uma mesa de RPG de terror no gênero slasher? Esse é um gênero de horror bem simples de ser emulado e tem como característica um assassino com algum aspecto sobrenatural que aterroriza e mata os personagens de maneiras horrendas ou cômicas, dependendo do momento.

Vamos seguir o exemplo da icônica série de filmes de John Carpenter: Halloween, cujo protagonista é o assassino em série Michael Meyers, e estreou o segmento de filmes de assassinos (slasher).

Nos filmes do tipo, o vilão é virtualmente indestrutível e consegue achar suas vítimas e alcançá-las não importando quão bem se escondam ou fujam. Ele é uma força inevitável e imparável. Exceto por algo muito específico que é deduzido ao longo da perseguição.

Montando uma sessão zero misteriosa

Um recurso bom para criar o clima correto na mesa de terror é o desconhecimento. Os personagens de um filme de terror não sabem que estão em um filme de terror, naturalmente. Mas quando passamos esse raciocínio para o RPG ele não pode ser facilmente aplicado, afinal, os jogadores querem ter alguma noção do tipo de aventura que jogarão.

Minha sugestão nesse caso é: se puder, mantenha o mistério sobre o estilo de jogo que será narrado. Se isso não for possível, tente não entregar que será uma sessão de rpg de terror no gênero slasher. Assim, se o gênero do jogo não for segredo pelo menos o estilo continuará sendo.

Se você não conhece bem os jogadores ou pretende mestrar em algum evento para desconhecidos, minha sugestão é que você utilize a classificação indicativa: proibido para menores de 16 anos, aplique um dos vários modelos formulário de consentimento para os jogadores, que é fácil achar na internet, e use a mecânica da carta x.

Lembrando sempre que o jogo só é divertido se for divertido para todos, e a diversão de um termina quando a do outro começa. Sejamos bons mestres conscientes.

Construindo o ponto de partida

O melhor efeito de uma boa sessão de horror nasce do choque de expectativa. Quando tudo que os personagens/ jogadores conhecem ou esperam simplesmente não vale e eles são arremessados direto ao desconhecido desprevenidos.

Para que isso funcione bem, primeiro é preciso construir um espaço comum e natural crível e confortável. Determine os arredores da ação com detalhes. Invista em NPCs cativantes, com nome, personalidade e algum cacoete que faça com que sejam facilmente identificados. Todos lembram do velho dos repolhos de Avatar, a lenda de Aang. Pense em alguma característica marcante para o NPC e invista nela sem medo.

Tudo que puder dar consistência ao cenário em que os PJs estão inseridos: lugares acolhedores, lojas, o que deixar o cenário mais vivo e crível. Não é preciso se demorar muito nessa parte, mas é importante não queimar essa etapa porque assim o efeito de contradição será mais poderoso.

Definindo o grande vilão

O sucesso de uma boa sessão de RPG de terror no gênero slasher é um vilão bem montado.

Pense com calma em que tipo de vilão você quer. Tipos manipuladores, arquitetos com planos mirabolantes não encaixam muito bem nessa premissa. Sugiro que pense mais em criaturas que tenham alguma característica particular. Uma gárgula com algum poder de teleporte, um hobgoblin que seja invulnerável a danos físicos, um humano canibal que seja incapaz de morrer até que seja decapitado. Imagine sem amarras, esse é o ponto alto da estruturação do seu jogo.

Nesse ponto a concepção do vilão é mais importante que as regras, elabore o conceito e depois pense em combos e como montar a ficha dele. E lembre-se de uma coisa: você é o mestre, quem vai determinar onde você pode ou não burlar as regras na construção do vilão é você. Seus jogadores não precisam saber os pormenores, eles vão jogar contigo pela experiência de jogo e não para saber o dano de uma gárgula de 4 braços.

Mas mesmo que seu vilão seja virtualmente indestrutível, é necessário que você inclua uma fraqueza, ou uma forma de derrotá-lo. As melhores formas, nesse caso, são as não tradicionais. Isso vai causar um choque de adrenalina em seus jogadores, e tirar os advogados de regras de tempo. Imagine só, acabar com todos os PVs do vilão e ele simplesmente se reerguer? Arrepio e descrença na certa.

Faça os jogadores raciocinarem fora da caixa para obter êxito. Talvez a resposta seja um simples punhado de sal arremessado nas feridas da criatura, ou fazer com que ela veja seu reflexo. Plante pequenas pistas ao longo da jornada dos PJs para que eles consigam decifrar a charada.

Preparando o caminho, entrando no clima

Criar o clima adequado de tensão é uma das coisas mais complicadas ao se narrar jogos com a temática de terror. Afinal, todos estão confortáveis em suas casas (pandemia, né, gente), com seus fones de ouvido, as luzes acesas e bebendo uma Coquinha gelada. Ou seja, relaxados e seguros. Enquanto os personagens estão em situações bem mais estressantes e medonhas.

Uma boa ideia é começar a criar o clima aos poucos. Colocando-os no dentro do mundo de jogo idealizado por você. Não precisa se prender em longas explicações e descrições dignas de Tolkien, porque nesse caso, é mais provável que eles se distraiam com outras coisas ou percam o interesse. O ideal é que você descreva tudo de uma forma mais sucinta dando mais ênfase a um ou outro ponto. Imagine a cena, o local, mas limite-se a descrever aquilo que te chama atenção ao pensar nisso. Por exemplo, ao descrever uma floresta, ao invés de se ater aos tipos de árvores, a iluminação e mais detalhes, prese pelo que chamaria a atenção: é uma floresta densa, com árvores próximas, bem úmida e fria, estranhamente, um cheiro de pão fresco enche o ar.

Resolvido, você já situou os jogadores no local, e criou um elemento que chama a atenção, impulsionou a curiosidade deles com um elemento deslocado do lugar comum.

Uma trilha sonora assustadora

Uma ferramenta muito útil é o uso de trilha sonora para o jogo. A música certa deixa o ambiente muito mais preparado e ajuda a todos estarem prestando atenção juntos. Barulhos de fundo como corujas, grilos, pequenos rosnados, unhas arranhando, são facilmente achados no Youtube com uma pesquisa. E você pode deixar uma playlist salva especialmente para esse fim.

Outro bom uso para a trilha sonora é quando ela se torna o aviso de que algo sinistro está acontecendo. Lembra daquele barulho estranho de Silent Hill ao ser ouvido já deixava todo mundo sentado à beira da cadeira, prestando atenção em cada movimento, com o coração disparado? Você pode conseguir algo semelhante em sua mesa de jogo. E isso é maravilhosamente divertido!

Minimizando conversas paralelas

Tente limitar as conversas paralelas para não desconcentrar a todos e assim perder o foco do jogo. Um bom truque é ao invés de pedir silêncio, cortar o papo paralelo com algum som ou música, ou algum acontecimento dentro de jogo, por mais bobo que seja – uma garçonete esbarrando no ombro de alguém; só isso já vai trazer os jogadores de volta ao mundo de jogo.

Se os jogadores já se conhecem há tempos, são amigos ou só são tagarelas mesmo. Antes do jogo, quando todos estiverem reunidos conceda 30 minutos de “gramado dos pensamentos aleatórios”. Alguns minutos para conversar sobre o último episódio da série favorita, perguntar como vai a vida e rir um pouco. É uma forma de diminuir as interrupções durante o jogo para comentários sobre o último jogo do Brasileirão da semana. As interrupções são mais frequentes quando o único encontro do grupo se dá nas sessões de RPG.

Construindo o clímax

Lembrando que estamos construindo uma sessão de RPG de terror no gênero slasher, outra característica marcante é que o vilão e os mocinhos (PJs) se confrontarão no clímax da história, no final. Até então, mesmo que haja algum confronto, ele deve ser parcial, sempre sendo interrompido por algum agente externo. Assim, a expectativa vai crescer e tornará o final mais dramático e assustador.

Ao longo da história, vá, aos poucos, mostrando os NPCs com quem os PJs tiveram contato vão morrendo um a um. No começo, eles podem ser encontrados já mortos, ou melhor ainda, pedaços dos corpos mutilados deles podem ser achados. Explore todos os sentidos dos personagens nesses momentos de descoberta macabros, não só o que eles veem, mas o odor que sentem e o que podem sentir. Por exemplo, ao entrar no estábulo, um dos personagens pode pisar em falso em algo macio e escorregar, ao recuperar o equilíbrio, pode descobrir que pisou em uma mão humana decepada. Isso vai causar um misto de surpresa e urgência, demonstrando a seriedade da situação.

Lendas locais sobre o vilão podem ser surradas à medida que pessoas e/ou animais morrem.

Em direção ao confronto final

Até mesmo alguns NPCs podem ser mortos diante dos PJs (não precisa ser muito gráfico) que assistem sem poder fazer nada para salvá-los. Coloque algum empecilho intransponível em algum ponto, se eles forem testemunhas, porque assim o sentimento de frustração se somará a aura de mistério e desconforto que você já conseguiu criar, fazendo crescer a expectativa para o clímax da história.

Outro recurso narrativo muito eficaz é não mostrar o vilão por inteiro antes do confronto final. Alguns olhares de relance, descrições conflituosas dos locais, tudo para não deixar explícito facilmente quem é o vilão e sua verdadeira natureza. O desconhecido causa muito mais medo que o conhecido. Quando os PJs souberem exatamente com o que estão tratando já estarão envolvidos no combate final. Encoraje suposições e teorias malucas. Quanto mais longe da verdade, maior será o impacto do confronto.

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Espero que essas linhas tenham sido úteis para vocês e possam dar boas ideias como se divertir em uma sessão de RPG de terror no gênero slasher. Se vocês quiserem dar sugestões de temas ligados a horror e jogadores e mestres veteranos, podem deixar a sugestão no meu twitter @Elisagen. Até a próxima!

As escalas de poder de Tormenta20

Tormenta20 é um sistema baseado em classes e níveis. Por isso, saber o poder de um personagem em relação a outro é fácil: basta comparar o nível deles. Aquele com o nível mais alto será o mais poderoso!

Claro, isso nem sempre se aplica: atributos, equipamento e combinações de habilidades podem fazer um personagem de nível mais baixo ser mais poderoso que um de nível mais alto. Mas, geralmente, o nível é uma boa medida.

Embora saber o poder relativo de um personagem seja fácil, também é importante saber o poder geral dele. Em outras palavras, o que o seu nível significa em relação ao mundo de jogo?

Patamares de jogo

Tormenta20 responde essa pergunta no quadro “Patamares de Jogo”, na página 35 do livro básico (veja um print abaixo). De acordo com seu nível, um personagem é um iniciante, veterano, campeão ou lenda. Essas classificações servem para indicar o poder dos personagens em relação ao mundo de jogo e que tipos de aventuras, em termos de história, são indicadas para eles.

Print do quadro na página 35

Mas por que isso é importante? Saber que tipo de aventura se aplica ao nível do grupo é útil para o mestre, pois ajuda-o a escolher desafios apropriados em termos de regras. E é útil para os jogadores, pois serve como indicação para interpretar seus personagens!

A seguir, expandimos o conteúdo do quadro com explicações e exemplos, para que o grupo todo saiba o que significa ser um personagem de 5º ou 10º nível, por exemplo. Lembre que, como dito no quadro, os patamares não têm efeito em regras.

Iniciante (1º ao 4º nível)

“Aventureiro novato, envolvido em missões locais, como proteger vilas e escoltar caravanas.”

Personagens em início de carreira, têm o nível de poder de pessoas comuns — ainda que talentosas! Desafios típicos incluem outras pessoas comuns (bandidos, guardas), animais (ratos gigantes, lobos), humanoides monstruosos (gnolls, orcs) e ameaças naturais (rio caudaloso, pântano de areia movediça…).

Se forem parte de uma organização, como um exército, templo ou guilda, estarão na base da hierarquia (soldado, acólito, aprendiz…). Sua influência social é praticamente nula. Por exemplo, mesmo que já tenha completado algumas missões, um guerreiro iniciante não terá mais autoridade que o capitão da guarda da cidade. (Claro, há exceções: um personagem com a origem aristocrata pode ter bastante influência, mesmo sendo iniciante.)

Veterano (5º ao 10º nível)

“Neste patamar, o herói presta serviços importantes a nobres e líderes de guildas.”

Personagens veteranos se destacam em relação a pessoas comuns. Na verdade, estão no topo do que pode ser considerado mundano! Imagine a guarda pessoal do rei. Ela é formada pelos melhores guerreiros do castelo — mas, em termos de história, ainda são guerreiros “comuns”, e não heróis ou vilões. Assim, essa guarda será formada por personagens deste patamar.

Desafios incluem outras pessoas de elite (digamos, um purista da Ordem do Leopardo Negro), monstros típicos (ogros, wyverns, basiliscos, ursos-coruja, trolls) e as piores ameaças naturais (escalar o pico mais íngreme das Montanhas Uivantes, sobreviver a uma erupção vulcânica em Galrasia…).

Um personagem deste patamar que pertença a uma organização estará no meio da hierarquia (em um exército, será um sargento ou oficial subalterno) ou até no topo, se for uma organização pequena. Um aventureiro veterano possui certa influência social. Se chegar a uma aldeia ou vila, terá o respeito, admiração ou até obediência dos camponeses. Lida com nobres e outras pessoas importantes, embora o topo da sociedade (reis, generais, sumo-sacerdotes) ainda esteja acima dele.

É estranho imaginar um grupo de 1º nível defendendo Arton de uma ameaça cósmica, assim como um grupo de 20º nível ajudando o dono da taverna com uma infestação de ratos gigantes!

Campeão (11º ao 16º nível)

“Já famoso por suas façanhas, o aventureiro trabalha para reis e enfrenta grandes vilões.”

Aqui, chegamos ao patamar dos protagonistas da maioria das grandes sagas. Desafios típicos para campeões incluem monstros perigosos, como dragões, gigantes e demônios. Pessoas comuns não fazem frente à campeões — mesmo soldados de elite não poderão enfrentá-los! De forma similar, ameaças naturais também já não são um problema, embora jornadas planares ainda possam ser.

Em termos de jogo, a partir deste patamar o mestre precisa ser mais cuidadoso ao construir as aventuras. Em níveis altos, o poder de um personagem varia bastante e jogadores que dominam as regras podem conseguir fichas poderosíssimas! Para ter mais controle, priorize combates contra uma criatura poderosa, em vez de combates contra muitas criaturas fracas. Se nos patamares mais baixos você colocava o grupo para enfrentar dez bandidos, agora coloque-os para enfrentar um único… dragão! Criaturas com ND a partir de 11 normalmente são construídas para enfrentar vários personagens sozinhas (possuem vários ataques, habilidades que afetam vários alvos etc.) e, para você, será mais fácil controlar um único inimigo poderoso do que vários fracos.

Se o iniciante está na base da hierarquia social e o veterano no meio, o campeão está no topo. Se for parte de uma organização, será um dos líderes (em um exército, será um general). Sua influência é altíssima — em aldeias e vilas, será tratado como um grande herói, e mesmo em cidades maiores sua presença chamará a atenção. Campeões lidam com o topo da sociedade artoniana. Quando algo ameaça um reino inteiro, é a um campeão que o regente recorre.

Lenda (17º ao 20º nível)

“Entre os mais poderosos de Arton, o herói lida com perigos que ameaçam todo o mundo… Ou mesmo toda a realidade!”

Os personagens mais poderosos do mundo. Se campeões estão no ápice do poder mortal, lendas são quase divinas — isso se não forem literalmente deuses! Desafios para lendas envolvem os piores monstros e vilões — dragões anciões, demônios da Tormenta, arquimagos liches…

As mesmas sugestões dadas para combates de campeões se aplicam a lendas. Como este é o nível mais alto do jogo, as coisas ficam um pouco mais lentas e complexas, então vale a pena para o mestre se preparar com antecedência. Escolha uma criatura de ND apropriado e estude sua estratégia. Em termos práticos, faça uma “cola” com as ações que planeja fazer em cada rodada. Combates lendários devem priorizar qualidade em vez de quantidade. Ou seja, em vez de muitos combates simples, tenha poucos combates grandiosos. Em níveis baixos faz sentido o grupo ser emboscado por bandoleiros na estrada. Aqui, não. Lendas não combatem com frequência, mas quando isso ocorre, são eventos cataclísmicos!

Um combate contra um dragão no cume de um vulcão em erupção. A defesa de um castelo contra uma horda de demônios (concentre a cena no combate do grupo contra o líder dos demônios, deixando o resto como pano de fundo). Um embate místico no plano astral contra um arquimago lich. Esses são exemplos de combates lendários. Além dos monstros em si, use o cenário para deixar as coisas mais épicas. No primeiro exemplo, o grupo pode ter que desviar de jatos de lava e chuvas de pedra. No segundo, pode ter que parar de lutar para salvar soldados de uma torre desmoronando. No terceiro, os fluxos místicos podem afetar o grupo, causando dano ou outros efeitos.

Como o próprio nome indica, um personagem lendário é famoso no mundo inteiro (claro, há exceções). Já não se envolvem mais com política mundana — se nos primeiros patamares os monarcas não tinham interesse em atender os personagens, agora são os personagens que não têm tempo para atendê-los! Claro, isso não se aplica a problemas que afetem o mundo inteiro, com os quais a própria Rainha-Imperatriz Shivara pode precisar de ajuda. Quando ela chama, as lendas vêm.

Uma escala menor

Em Tormenta20, optamos por reduzir levemente a escala do jogo. Em Tormenta RPG, para ser alguém relevante no mundo você precisava ser de nível muito alto ou mesmo épico (acima do 20º). Agora, a partir do patamar campeão os personagens já serão relevantes, mesmo em escala política/global. E o que antes você representava com um personagem épico, agora representa com um personagem do patamar lenda! Há dois motivos para isso.

O primeiro é relacionado a história. Arton é um mundo de fantasia épica, mas se houvesse uma legião de personagens de altíssimo nível, seria mais parecido com um universo de super-heróis! Personagens de nível alto são raros e especiais. Eles existem… mas não em cada esquina!

O segundo motivo tem a ver com a jogabilidade de uma campanha de RPG. Antes, para ter um personagem realmente heroico, você precisava subir muitos níveis. Na vida real, isso podia exigir anos de jogo! Agora, com a mudança de escala, chegar a esses patamares se tornou mais viável, mesmo que você não disponha de tanto tempo para jogar RPG.

Claro, se você quiser uma campanha especialmente longa, ou quiser jogar mais tempo com personagens mundanos, pode simplesmente atrasar um pouco a evolução. A opção de avanço por marcos é ideal para um mestre que queira ter mais controle sobre o poder dos personagens em relação ao resto do mundo.

O que você prefere: aventuras mundanas ou épicas? E o que acha de ter uma escala mais reduzida no mundo de Arton? Deixe sua opinião nos comentários. E para mais conteúdo sobre Tormenta20 (e outros jogos!), assine a Dragão Brasil!

 

Como narrar em um evento de RPG

evento de rpg

Narrar em um evento de RPG é uma ótima oportunidade para quem busca melhorar suas habilidades como mestre, testar um sistema diferente ou apenas fazer novos companheiros de aventuras. Entretanto, existem algumas diferenças a se considerar quando nos preparamos para narrar em um evento, comparado a um jogo que narraríamos para nossos amigos.

Neste artigo, eu vou dar algumas dicas para você se preparar e narrar em eventos sem preocupações.

Leve personagens prontos

Antes de mais nada, em um evento de RPG normalmente não há tempo suficiente para criar fichas de personagem, portanto sempre leve personagens prontos. Procure criar de cinco a sete opções de personagens, de acordo com os principais arquétipos do cenário do jogo, e explique em poucas palavras o conceito de cada um.

Claro, você pode apenas montar a ficha numericamente e deixar lacunas para serem preenchidas pelo jogador do personagem – como nome, gênero, personalidade, histórico, etc. Entretanto, assuma que você pode receber pessoas que nunca jogaram RPG antes, então tente dar alguma dica de como interpretar cada personagem, seja listando algum detalhe do histórico dele ou algum traço de sua personalidade.

Da mesma forma, é importante que as fichas sejam simples e que contenham todas as informações sobre poderes e habilidades do personagem. Isso vai ajudar seus jogadores a entenderem que opções de ações têm e agilizar as resoluções durante o jogo.

Explique o jogo rapidamente

Seus jogadores podem ser novatos no hobby ou apenas novatos no sistema que você vai narrar, portanto, antes de começar, dê uma breve explicação sobre o jogo. É importante que essa explicação seja apenas o suficiente para entender o básico do sistema e do cenário, sem entrar em minúcias de regras.

Por exemplo, “Os personagens são aventureiros em um mundo de fantasia em busca de fama e riquezas. Quando eles fazem alguma coisa arriscada, vocês rolam um dado de 20 lados, somam um bônus e tentam tirar um resultado maior que um valor de dificuldade.”

Deixe para explicar o resto no decorrer do jogo, à medida em que for precisando. Também explique brevemente o que cada personagem faz. Não se preocupe em detalhar cada mecânica agora, dizer que um personagem pode curar o grupo e que o outro pode conjurar uma bola de fogo é o suficiente.

Use bem o seu tempo

Outra grande diferença tem a ver com a limitação da duração do jogo. Em um evento de RPG, normalmente só podemos narrar one-shots, ou seja: uma aventura com começo, meio e fim em uma única sessão, com duração de três a quatro horas. Portanto, dê preferência a aventuras curtas e descomplicadas, em que os jogadores não tenham dificuldade de entender qual é o objetivo.

Além disso, não tenha medo de apressar o ritmo se o jogo chegar a impasses. Pergunte como cada jogador deseja abordar a situação e peça uma decisão do grupo, resolvendo a cena e cortando para o próximo momento. O seu objetivo é que todos saiam da mesa tendo experimentado uma história completa, portanto pense em quais cenas poderiam ser encurtadas ou removidas, caso necessário. Aventuras mais estruturadas, do tipo “railroad”, são as mais indicadas nessa situação.

Jogue com segurança

Você provavelmente não conhecerá as pessoas que jogarão na sua mesa – e talvez elas não se conheçam entre si. Portanto, ferramentas e atitudes que buscam manter o jogo um espaço seguro são ainda mais importantes em um evento de RPG.

Primeiramente, evite utilizar temas sensíveis, que possam deixar seus jogadores desconfortáveis. Representações de machismo, racismo e homofobia devem sempre ser evitadas. Além disso, tortura e descrições extremas de violências devem ser tratadas com cuidado. Sempre inclua um aviso sobre potenciais temas sensíveis na divulgação de sua mesa e a classificação indicativa apropriada.

Entretanto, as pessoas têm diferentes experiências e é impossível saber que tópicos em particular são incômodos para os seus jogadores. Uma boa ferramenta para se utilizar nesse caso, é a Carta X, do John Stavropoulos.

Pegue um cartão em branco (ou um pedaço de papel), desenhe um X bem visível e coloque-o no meio da mesa. Explique aos jogadores que, se alguma coisa desconfortável ocorrer durante o jogo, eles podem tocar ou levantar o cartão, sem precisar dar nenhum tipo de explicação. Caso isso aconteça, modifique a cena que acabou de ocorrer ou avance para o próximo momento.

Em jogos online, ao invés de usar um cartão, você pode orientar os jogadores a sinalizarem um “X” com os braços, se estiverem usando vídeo, ou enviar um “X” no chat de texto. Não esqueça que você também pode usar a Carta X se os jogadores fizerem algo que faça você se sentir desconfortável!

Divirta-se!

Por fim, relaxe a aproveite a experiência. Lembre-se que RPG é uma conversa e que todos estão ali para se divertir. Dê espaço para que os jogadores explorem seus personagens e não tenha medo de seguir com as sugestões e ideias deles.

Ao narrar em um evento de RPG, além de contribuir para a divulgação do hobby, você conhece diversas pessoas que lhe apresentarão novas perspectivas sobre jogar e narrar. Apenas vá preparado, seja paciente e fique de olho na duração da mesa e no bem-estar de seus jogadores. Bons jogos!

Sessão Zero: Como incluir os jogadores na criação da campanha de RPG

Sessão Zero: Como incluir os jogadores na criação da campanha de RPG

É o dia do jogo. Você passou horas pensando e preparando a aventura, criou um mundo fantástico que mal pode esperar para mostrar aos jogadores, tem PNJs que tem certeza que todos vão amar e odiar e, o mais importante: está empolgado para narrar.

Um pouco depois que o jogo começa, entretanto, as coisas não vão bem como você esperava.

Os jogadores parecem desinteressados. Alguns mexem no celular, outros conversam sobre outros assuntos durante o jogo e, no geral, não dão muita atenção para a narrativa. Você tinha certeza que todos iriam amar o seu material, mas agora parecem entediados.

O que fazer para manter a atenção dos jogadores? Se você já narrou algumas vezes, talvez tenha passado por uma situação similar.

Há muitos fatores que podem levar a isso, porém se essa dispersão se tornar um problema, é sinal de que talvez você precise realizar uma sessão zero.

A sessão zero do RPG

A sessão zero é o encontro em que o narrador apresenta a proposta da campanha ou aventura e os jogadores criam os personagens.

Essa é uma ótima oportunidade para descobrir no que os jogadores estão interessados. Por isso, discuta o que cada um espera do jogo, que tipo de jogo desejam jogar e que tipo de história desejam criar. Apresente suas próprias ideias sobre o jogo e compare com o que foi dito. 

A sua empolgação com o jogo é tão importante quanto a dos seus jogadores, assim, em caso de divergências, o grupo deve negociar até que cheguem a um meio-termo. A medida em que a discussão avança, faça anotações listando os elementos de interesse individuais e coletivos dos jogadores – você as usará sempre que preparar aventuras e fizer decisões sobre o jogo.

Quando as expectativas sobre o jogo estiverem claras para todos, o grupo pode passar para a criação de personagens e construção de cenário colaborativa.

Construção de cenário colaborativa no RPG

Como narradores, nós gastamos bastante tempo e energia mental preparando e pensando nas aventuras, cenários e PNJs.

Logo, nosso investimento no jogo normalmente é maior, o que pode nos levar a ter apego a uma ideia de “como as coisas deveriam ser”. Dessa forma, deixar os jogadores definirem alguns elementos do cenário reforça a visão do jogo como algo coletivo, ajudando a evitar essa armadilha e abrindo espaço para que os próprios jogadores se tornem mais investidos no jogo.

Uma forma de tornar a criação do cenário mais colaborativa é através de perguntas.

Na sessão zero, você deve fazer várias delas para descobrir no que os jogadores estão interessados. As escolhas que os jogadores fazem durante a criação de personagens também dizem muito sobre seus interesses. Com base nisso, faça perguntas sobre elementos do mundo para os jogadores mais interessados nesses elementos.

Perguntas importantes

Por exemplo, pergunte ao ladino quais são as guildas de ladrões que existem na cidade. Pergunte ao elfo como são as festas de casamento do seu povo. Pergunte ao clérigo como são os templos do seu deus. Sempre que houver uma oportunidade na narrativa para preencher esses espaços, faça uma pergunta. 

O seu trabalho aqui é construir em cima das respostas, adaptando-as para para o tom da história. Não tenha medo das ideias que os jogadores podem trazer. Afinal, você ainda tem a palavra final sobre o que faz sentido para narrativa. O melhor é sempre tentar usar essas ideias de alguma forma.

Fazendo a história importar desde a sessão zero

Agora que o seu grupo tem um mundo que todos ajudaram a construir e com o qual todos se importam, você provavelmente está começando a pensar na campanha e na primeira aventura.

Você certamente pode ter uma história que deseja contar e vilões com planos terríveis para colocar em ação, mas tome cuidado para não deixar que esses planos passem por cima do que vocês já criaram juntos. A melhor campanha que você pode narrar para os seus jogadores é aquela em que apenas os personagens deles poderiam ter vivido.

Mais perguntas importantes

Para isso, novamente, faça perguntas. Pergunte aos jogadores sobre seus personagens: de onde eles vieram? Quem são as pessoas com que se importam? O que e quem eles odeiam? Com que pessoas e quais organizações eles têm contato? O personagem guerreiro veio de um vilarejo que foi atacado?

Pergunte ao jogador sobre os malfeitores. Foi algum grupo de bandidos ou uma horda de mortos-vivos? Como o personagem se sente? Será que busca vingança? O personagem mago era assistente de um necromante e então fugiu? Hmm… Será que esse necromante é responsável pela destruição da vila do guerreiro? Será que a vila era um teste para algo maior?

O melhor momento para isso é após a criação dos personagens, mas não tenha medo de perguntar durante o jogo também. Anote as respostas que conseguir e faça um mapa de relacionamento com esses itens. Assim, quando pensar sobre a campanha e criar aventuras, pense em como usar esses elementos para criar uma história única para os personagens.

Familiarizando os personagens

Em primeiro lugar, antes de criar cada aventura, pergunte por que os personagens se importam. Os jogadores vão tentar interpretar os personagens como se fossem pessoas reais, então ajude-os dando a eles motivos para seguirem o plot que você tem em mente.

Evite sempre oferecer ouro ou itens mágicos, torne as motivações para perseguir uma aventura pessoais. Sabe aqueles PNJs que seus jogadores criaram com quem os personagens podem contar? Coloque-os em perigo. Dê a entender, por exemplo, que o monge pode descobrir pistas do paradeiro do seu mestre nessa aventura.

Já existe um vilão que os jogadores odeiam e querem derrubar? Então, ofereça a possibilidade de obter informações sobre as suas fraquezas. Graças ao seu trabalho durante a sessão zero e todas as perguntas que seus jogadores têm respondido, você já tem todas as ferramentas que precisa para criar ganchos interessantes nesse ponto. Posteriormente, só é preciso de um pouco de criatividade.

E para encerrar…

E mesmo assim, você ainda pode ter sessões em que os jogadores parecem desinteressados.

Não é a sua responsabilidade, como narrador, manter o grupo engajado. Saiba reconhecer quando o grupo não está no clima para jogar e sugira ver um filme ou jogar um jogo de tabuleiro.

Entretanto, se você realizar uma sessão zero, deixar que os jogadores definam elementos do cenário, construir uma campanha a partir dos históricos dos personagens e dar motivações pessoais para que os personagens se importem com as aventuras, certamente terá um grupo de jogadores ansiosos para descobrir que vai acontecer em cada sessão.