Mesa Sonora — O Mestre dos Fantoches: Transformando discos em aventuras
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Há algum tempo eu comentei no podcast da Dragão Brasil (a maior revista de RPG e cultura nerd do país êeeeeeee) que em todo canto é possível encontrar uma inspiração para criar aventuras de RPG. Como exemplo, eu falei por alto de como eu tinha a ideia de criar uma campanha inspirada no álbum Master of Puppets, da banda Metallica. Sim, é o disco que tem aquela música que o rapaz cabeludo lá toca em Stranger Things, é bem legal.
Muito bem, na época eu comentei que talvez um dia eu escrevesse uma coluna aqui na Mesa Sonora com essa premissa. Pois muito bem, metaleirinhos, headbangers e RPGistas darkzera em geral, este dia chegou! Mas antes, algumas considerações sobre o processo e sobre este texto que você está lendo:
O processo de transformar música em aventura de RPG
É importante perceber que o objetivo deste artigo é oferecer um exemplo de método a seguir para criar uma aventura a partir de uma obra musical. A observação mais importante aqui é algo que eu já destaquei antes em artigos anteriores: a fonte de inspiração não pode ser algo que limita sua criatividade. Em resumo, você não precisa se prender ao assunto sobre o qual a música trata. Farei mais comentários a respeito disso ao longo do texto.
Além da óbvia ideia de tirar inspiração de outras obras, existe um bom motivo para tentar esse tipo de exercício. É comum que o repertório de músicas em um álbum seja pensado para manter a atenção do ouvinte e criar um tipo de “narrativa sonora”. Isso é feito com uma escolha precisa da ordem das músicas, que guiam a forma como os ouvintes se sentem ao longo da obra. Sendo assim, você pode aproveitar essa estrutura já existente na sua aventura, como veremos a seguir.
Para não transformar esse artigo em algo pantagruélico e dividido em várias partes, eu irei apenas fazer um resumo das ideias das aventuras. Sintam-se livres para transformar isso em material de jogo, mas qualquer aprofundamento das ideias apresentadas aqui deve ser feito pelos mestres.
O Mestre dos Fantoches
Faixa 1: Battery
Aventura: Os heróis chegam a uma vila afastada e descobrem, em horror, que os habitantes daquele local foram quase todos massacrados sem motivo aparente. Os poucos sobreviventes não são capazes de dar muitas informações úteis, além de dizer que o ataque não parecia ter sido provocado, revelar que algumas pessoas foram levadas à força e apontar a direção para onde os criminosos foram. Os heróis tentam seguir pistas e são emboscados por um grupo menor de brutamontes tentando impedir qualquer interferência. Ao vencer o combate, os aventureiros descobrem uma pista que leva a um povoado não muito distante.
Comentário: Essa música começa mais tranquila antes de entrar na parte mais agressiva, pensei nisso como uma cena tranquila interrompida por um ataque violento. É uma introdução básica a uma aventura vindoura.
Faixa 2: Master of Puppets
Aventura: As investigações seguem até o povoado apontado pelas pistas reveladas na aventura anterior. O lugar é uma comunidade pequena e aparentemente fechada a forasteiros. Os heróis não são hostilizados a princípio, mas descobrem que ninguém que vive aqui vai embora, e quase ninguém de fora vem morar aqui. Questionar os moradores locais não dá muito certo, todos parecem meio fanáticos a respeito da liderança local. Ao investigar algumas localidades da vila, os heróis descobrem que o líder deste lugar possui controle sobre uma grande quantidade de grupos criminosos em várias outras localidades. Esta vila é apenas um dos títeres sob o comando deste “Mestre dos Fantoches”. Após coletarem todas as informações úteis, os aventureiros são abordados por moradores de uma das casas, e convidados a se abrigar longe de olhares curiosos. Esta é uma aventura pensada para ter pouco ou nenhum combate, mas muita investigação e desafios de infiltração.
Comentário: Master of Puppets é uma música que fala sobre dependência química, mas preferi usar de uma interpretação diferente do título, e estabelecer que aqui vive alguém capaz de “puxar as cordas” de acontecimentos de outros lugares. Este é um exemplo de algo que me inspirou a fazer uma aventura mesmo que eu não use o conteúdo original da música como base.
Faixa 3: The Thing That Should Not Be
Aventura: Os aventureiros são informados pelos habitantes que os abordaram sobre o que realmente acontece nesta vila. Aqui é cultuada uma entidade muito antiga e misteriosa, um sobrevivente de eras já perdidas pelo tempo. Mas, apesar disso, não devem temer nada, pois o povo que mora na região é, em geral, gentil e inofensivo. Os moradores revelam que todos na região são parte desta religião obscura. Neste ponto, os aventureiros podem tentar ficar para testemunhar um culto ou ir embora. Em todo caso, serão confrontados por um monstro terrível, uma versão menor da divindade local, que os acusará de serem invasores infiéis, além de um pequeno grupo de fiéis agressivos.
Comentário: A canção faz referências direta aos mitos de Cthulhu. É uma música bem pesada, adequada para o clima da aventura. A ideia aqui é que o culto local seja de pessoas comuns, que não se veem como parte de algo ruim ou maligno. Mas não se preocupe, os heróis vão ajudar esse povo ao longo da campanha.
Faixa 4: Welcome Home (Sanitarium)
Aventura: Numa fazenda próxima ao povoado das aventuras anteriores, o grupo encontra uma mulher que pede ajuda. Seu marido foi levado dali há alguns dias (no mesmo dia do massacre do vilarejo da primeira aventura, mas deixe que os jogadores façam as contas e a ligação entre os eventos) e agora ela tenta como pode encarar todos os afazeres da propriedade além de cuidar dos filhos. Quando questionada, ela revela que foram atraídos para a região pelas promessas do culto profano, mas preferiram não fixar residência no povoado por não concordar com a fé ou com os preceitos da comunidade. Ela revela que o culto possui um prédio escondido, onde os “infiéis irredutíveis” são levados para serem “reeducados”, e acredita que seu marido está neste local. Os heróis precisam localizar a estrutura, invadir sem permitir que a vila principal seja avisada e resgatar o fazendeiro. No processo, também poderão resgatar outras pessoas que não desejam estar ali.
Comentário: Esta é uma música sobre um paciente institucionalizado contra sua vontade. Para evitar um tema tão pesado para uma mesa de jogo, eu adaptei para que se trate de um prédio de “reeducação religiosa” do culto. Claro, não precisa haver nenhum tipo de tentativa de lavagem cerebral aqui, e o mestre pode optar por dizer que é apenas uma prisão terrível.
Faixa 5: Disposable Heroes
Aventura: Agora em guerra declarada contra o culto, os heróis são emboscados por mais criminosos. Após a vitória, devem decidir por invadir a sede do culto (ou continuarão sendo atacados aleatoriamente pelo mapa), uma mansão mais afastada da vila. Ao chegar na grande casa, precisarão enfrentar hordas de soldados fanáticos, incapazes de se render, que acreditam que estão em missão divina. É preferível que os aventureiros capturem inimigos derrotados em vez de matá-los, mas um pouco de brutalidade talvez se revele necessária contra alguns inimigos. Caso o mestre goste de aventuras em que um dos heróis é capturado, este é um bom momento para fazer isso, e uma missão de resgate pode ser incluída na aventura seguinte.
Comentário: Assim como a canção, o objetivo desta aventura é demonstrar a violência excessiva e costumeiramente desnecessária que acontece em conflitos armados. Onde pessoas de muito poder enviam jovens soldados para matar e morrer, sem necessariamente saberem ou concordarem com os motivos. É uma boa ideia que o mestre humanize os adversários, para que sejam capturados quando possível.
Faixa 6: Leper Messiah
Aventura: Os aventureiros descobrem os verdadeiros vilões locais da história, os inimigos imediatamente abaixo do “Mestre dos Fantoches” na hierarquia do culto. Os líderes da religião profana, que envenenam a mente dos habitantes daquela vila há tanto tempo. Os aventureiros precisam enfrentar alguns destes líderes para vencer esse desafio. O mestre pode ser criativo sobre estes embates, que não precisam ser sempre violentos. Alguns destes religiosos podem ser brutos e poderosos, outros podem ser detentores de poderes arcanos bizarros, mas alguns deles podem ser combatidos com testes sociais, que convencem a população local de que seus atos são terríveis e malignos. Esta é a aventura em que os heróis salvam o povoado do culto profano. Caso o mestre inclua um resgate de algum herói capturado na aventura anterior, crie cenas de interpretação entre o personagem do jogador e um dos vilões pregando as palavras de seu culto profano.
Comentário: Leper Messiah é uma crítica a líderes religiosos fanáticos que usam de sua influência para conseguir o que querem de seus fiéis. É importante destacar que o objetivo aqui não pode ser um ataque a religiões em geral, mas um confronto entre a população e seus atos terríveis em nome de sua fé.
Faixa 7: Orion (Instrumental)
Aventura: O “Mestre dos Fantoches” está escondido em uma das muitas localidades que seus títeres tocam. Os heróis precisarão viajar enquanto seguem pistas, enfrentam bandidos e convencem autoridades locais a entregar a localização da grande e opulenta casa ocupada pelos líderes supremos daquele culto. Não há tempo para desmembrar todas as operações, não há tempo para investigar todos os casos. É hora de cortar o mal pela raiz.
Comentário: Sendo uma música instrumental, pensei que esta é uma aventura de preparação para a última parte. Aproveite a viagem para que os heróis façam seus preparativos com calma, resolvam problemas pessoais e encontrem seus entes queridos antes da missão final. Aqui não é a hora de revelações sobre a trama, mas a cena musical dos heróis indo em direção ao último perigo, prontos para tudo.
Faixa 8: Damage, Inc.
Aventura: Esta é a invasão da mansão-sede do culto liderado pelo “Mestre dos Fantoches”. A propriedade é muito bem guardada e cada parte da casa revela um perigo sinistro. Num cômodo oculto por uma estante de livros, os heróis se deparam com o que parece ser o cadáver da entidade cultuada. Parece um monstro terrível, mas morto há bastante tempo, sendo mal preservado por magia, com partes em diferentes estados de decomposição. O “Mestre dos Fantoches” os recebe e inicia um combate. Ele mesmo é versado em combate corpo a corpo e um pouco de mágica. Quando estiver fraco, vai ingerir um pedaço do cadáver de seu deus defunto e começar uma segunda fase da luta final, desta vez focando em magias profanas. Ao derrotarem o vilão, o corpo da entidade se desfaz. Os aventureiros salvaram toda aquela região de um destino terrível, orquestrado por uma mente profana e sinistra.
Comentário: Esta é uma música sobre violência desnecessária. Mas em vez de fazer com que os heróis causem tal violência, é para ser uma reflexão sobre o mal que o vilão causou ao mundo. Sua divindade estava morta, sua fé era uma farsa, mas ele enganou e matou incontáveis pessoas para alcançar seus objetivos mesquinhos de controle e poder. A intervenção dos aventureiros salvou incontáveis pessoas.
Considerações finais
Este é apenas um exemplo de como você pode transformar um álbum musical em uma campanha inteira. Como eu disse, não se prenda aos temas originais das músicas caso não deseje. Use-as como inspiração e deixe a imaginação completar as lacunas. Também não tenha medo de tirar ou adicionar aventuras nessa estrutura, mas lembre-se de tentar manter uma narrativa coerente de acontecimentos. Tal qual um álbum musical, uma campanha de RPG precisa ter momentos de altos e baixos para guiar os aventureiros rumo aos seus objetivos.
Gostou deste artigo? Qual álbum você acha que se tornaria uma excelente campanha de RPG? Deixe sua sugestão nos comentários!
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