Categoria:A jornada da Mestra

A Jornada da Mestra — Reflexões sobre o Caos

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Durante esses nove meses como mestra, eu vivi muitas aventuras, dentro e fora das sessões. Enfrentei meus próprios desafios, tentei destruir os sonhos dos jogadores e me vi derrotada algumas vezes, mas também tive meus momentos de glória. Sempre pensei muito sobre meu papel dentro do jogo e foi uma longa jornada até eu compreender o que eu estava fazendo ali — às vezes eu ainda não sei, mas tá tudo bem.

Um longo caminho

Cada um possui um jeito próprio de jogar, afinal, somos todos diferentes e não cabe a mim dizer o que é certo ou errado – mas às vezes dá sim, viu? Me vejo hoje como uma jogadora sob um título pomposo, aprofundando-me no meu arco de vilania (obrigada, Brasil), empenhada em fazer meus jogadores pensarem. Às vezes eu perco, às vezes eu ganho e ficamos nesse samba.

Admito sentir orgulho quando os jogadores surgem com boas ideias, que me pegam de calças curtas, mas me fazem repensar o planejamento apesar de eu não ser uma das pensadoras mais rápidas da história do RPG. Eu gosto quando eles colocam a cachola para funcionar, ou quando tiram aquele 20 natural inesperado. Quem sou eu para contestar a autoridade de Nimb e seu avatar: o Roll20?

O momento mais desesperador da minha carreira foi a sessão na qual os jogadores queriam interrogar — leia-se matar um pouquinho — um dos principais vilões da campanha. Eu planejei a cena com cuidado, achando que o pobre do homem se livraria fácil dos aventureiros paspalhões, entretanto fui surpreendida pelos dados inacreditáveis do bárbaro. Fui obrigada a utilizar tudo na ficha do vilão porque ele não podia ser pego de maneira alguma. Fui eu quem precisou colocar o tico e teco para funcionar e, pela graça do poder Sortudo, saí vitoriosa.

Não posso negar, essas situações me deixam animada. O caos dos dados e dos jogadores, a sensação de ser o Cebolinha vendo mais um de seus planos infalíveis desmoronar. Já dizia um grande sábio: Khalmyr no volante, mas Nimb no comando.

Diga não a Khalmyr

Meu papel é o de intrigueira, de destruir a felicidade dos jogadores, mas também de ser justa e aceitar as derrotas com a cabeça erguida. Mesmo que o grupo falhe em algo importante, eles precisam lidar com isso. Se eles tiram um crítico e dão hitkill num inimigo importante, eu preciso lidar com isso. Há sempre uma próxima sessão, um próximo monstro, um novo momento para causar um TPK.

O controle é tentador, mas o caos é mais saboroso, sobretudo quando aquele 20 natural é meu. Eu crio os conflitos, jogo os obstáculos e espero os jogadores resolverem tudo da melhor maneira possível. É importante acreditar nos aventureiros. A gente não dá o peixe, nem ensina a pescar, semeamos o caos e os heróis que se virem — ou não, o que é mais comum do que eu gostaria.

Como mestres, sabemos o panorama geral da trama — ou não —, mas há inúmeras maneiras de resolver um conflito e isso é o que torna a história interessante para mim. Sempre que construo uma aventura, fico ansiosa para saber a maluquice da vez, se os jogadores me farão chorar ou o contrário. Às vezes o planejamento segue fluido como um rio, às vezes como um caminhão numa estrada esburacada. Mas, de qualquer forma, o importante é arrancar lágrimas dos jogadores, deixando-os lidar com as vitórias e as derrotas. Podemos sempre voltar na próxima sessão com cinco pedras a mais nas mãos, ou com uma arma de precisão para o combeiro safado.

Cada dia mais longe de Khalmyr e eu não me arrependo de nada. Lembrem-se: mesmo com uma carta na manga, seu jogador pode rasgá-la, mas é divertindo quando você faz um monstro reviver. Fica aqui a dica pela experiência própria.

Se hidratem, não caiam na ditadura da espadinha e até a próxima!

A Jornada da Mestra – Como mestrar com maestria

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A aprendizagem é um processo contínuo, não apenas com o RPG, mas também com outras coisas que fazemos, sobretudo num mundo que muda tão rápido. Isso é válido se você tem dois meses mestrando ou vinte anos nas costas. É óbvio que quanto mais experiência, mais conhecimento, mas isso não significa que você não vá aprender algo novo.

Levem isso para a vida, não confiem em pessoas dizendo saber tudo sobre tudo ou em gurus que alcançaram o nirvana. Confiem em Tanna-Toh, há sempre algo novo para descobrir.

Enfim, a reflexão de hoje é: apenas mestre.

Mas só isso? Bom, não é isso, mas basicamente é. Como assim? Tá usando Achbuld?

A gente tende a se comparar muito com as outras pessoas e, com o sucesso do streaming, é difícil não querer fazer um show parecido, não é? Até podemos achar que mestrar seja algo beeeem distante de nós, reles mortais, goblinoides nas favelas de Valkaria. A boa notícia é que você não precisa ser o Neymar do RPG (ou o Messi, Zico, Leonardo Di Caprio, o que você preferir).

Quer dizer que eu não preciso ganhar um Oscar ou um Nobel para mestrar? Eu não preciso estrelar na Broadway? Nem de sangue de virgens ou fazer jejum intermitente?

Não 🙂

Uma vez no Twitter, a Camila Gamino comentou sobre o tratamento que o mestre teve num capítulo de um sistema aí, porque tudo parecia glamouroso e inalcançável demais. Antes de começar a narrar, minha ideia era essa: o mestre era um ser iluminado que controlava tudo, basicamente o deus da mesa, o dono da bola. Pois bem, começando com os trabalhos, percebi que eu era só mais uma jogadora, entretanto com um título diferente.

É isso mesmo, me devolve essa coroa, porque ela pertence à galera toda da mesa.

Sim, temos um certo controle sobre a narrativa, afinal, nós sugerimos a história. Entretanto, quem move tudo são os aventureiros, por mais que saibamos o trunfo final do vilão. Contudo, nós somos apenas mais um na mesa, apresentando conflitos e obstáculos para os heróis, tentando tomar a vida dos personagens num belíssimo TPK.

É claro que temos muita coisa a aprender quando iniciamos algo, mas sabe aquele mestre com 237 anos de experiência? Ele também está aprendendo, porque as coisas mudam, novos sistemas surgem, mais pessoas chegam com visões diferentes. Nos anos oitenta não havia Twitch, não havia Discord, nem o Roll20. Cada mestre tem um jeito próprio de narrar, cada jogador possui suas peculiaridades, toda mesa é diferente porque somos pessoas diferentes.

Uma coisa não invalida a outra, nem uma diminui a outra. Ninguém é melhor que ninguém. Não é uma competição, nem o BBB (infelizmente ninguém vai ganhar um milhão). Estamos todos aqui unidos, tal qual um comercial da Globo de fim de ano.

O mestre não é um ser iluminado, seu signo não vai influenciar em nada, você não precisa passar por nenhum ritual arcano para iniciar uma campanha. Não há jeito certo de mestrar, mas há o jeito errado, que é sendo um babaca. Tirando isso, você precisa apenas de uma história e dados (e pessoas também, mestrar para o seu gato pode ser interessante, mas tenho certeza que ele vai preferir derrubar um copo do armário).

Não sinta medo de mestrar, não é uma tarefa impossível, muito menos difícil, não é um dragão da Tormenta. É apenas um processo que vai levar certo tempo para você pegar as manhas, assim como é ser um jogador, assim como qualquer outra coisa. É pra ser divertido, porque se fosse chato a gente chamava de trabalho.

Lembrem-se: bebam água, comam frutas e digam não à ditadura da espadinha.

A Jornada da Mestra — Navegar é preciso, RPG não é preciso

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RPG é sobre contar histórias. O mestre propõe uma situação, os jogadores a desenvolvem e isso se repete até o desfecho. E, é claro, essa proposta em algum momento vai descambar, afinal, lidamos com jogadores imprevisíveis.

Antes de começar a mestrar, esse era um dos meus medos: não saber conduzir a imprevisibilidade da narrativa. E se um jogador não quiser ajudar o taverneiro? E se o grupo desviar do caminho que eu preparei? O que eu faço quando uma situação acontece e isso não estava no meu planejamento?

Particularmente, eu não gosto de estar despreparada quando falo sobre algo. Em todos os seminários que participei, eu estudava até o último minuto sobre o assunto. Entretanto, mesmo com o preparo do Batman, imprevistos sempre ocorrem. É normal. E isso acontece bastante no RPG. Mesmo assim, eu ainda sentia receio do improviso.

Com preparo ou sem preparo?

A “batinização” também pode ser um risco. Perdi as contas de quantas vezes escrevi vários textões, mas não usei metade do planejado. E, mesmo assim, imprevistos sempre aconteceram. Seja porque eu esqueci de algo ou porque tomaram uma decisão inesperada.

Por exemplo:

O grupo encontrou uma lápide e nela havia uma inscrição um pouco apagada. Usei traços para simular as letras faltantes, mas uma frase ficou indecifrável porque eu não me lembrava do que havia escrito, nem havia salvo o trecho completo em outro lugar. O túmulo pertencia ao antepassado de um senhor, como ele sentia muito orgulho de sua linhagem familiar, aproveitei esse gancho e as perguntas dos jogadores para explicar mais sobre as lendas locais. Deu tudo certo e os jogadores saíram satisfeitos.

Num outro momento, o grupo investigaria um lugar o qual eu esqueci de aprofundar. Como eu não queria deixar ninguém de mãos abanando, utilizei pontos chaves que eu já havia escrito e alguns trechos da história maior para compor a cena. Sempre que os jogadores se interessavam por algo, eu tentava fazê-lo ser importante com base no que eu tinha, como um mecanismo que surgiu porque eles estavam muito curiosos com uma mesa.

O grupo outra vez encontrou uma serva de Tanna-Toh, orgulhosa de seu orfanato e casa de letramento. O encontro era sobre suas pesquisas, mas os jogadores resolveram transformá-lo num processo de adoção. Eu precisei tirar um monte de NPC do umbigo e não consegui revelar as informações que eu havia planejado.

Numa caverna, eles encontraram uma passagem bloqueada e acharam que tinha algo do outro lado. Spoiler: não tinha. Mas eles estavam tão empenhados em atravessar, até se arriscaram para isso, que procurei por uma carta importante que apareceria posteriormente e fingi que ela estava lá o tempo todo.

Deixa Nimb me levar, Nimb leva eu

Imprevistos acontecem e não há nada o que possamos fazer sobre isso. Entretanto, podemos lidar com eles da melhor maneira possível.

Improvisar não é tão difícil quanto eu havia imaginado, mas esse ainda é um dos meus maiores nêmesis. Tento sempre ter algo básico para me guiar, um plano maior e menos detalhado que pretendo seguir, um esqueleto que é preenchido continuamente. Ainda não precisei me virar nos 30, criando algo do absoluto nada, mas sei que essa hora pode chegar (e sei que não vou estar preparada, mas é sobre isso e está tudo bem).

Não importa se você tem um plano B, C ou D, uma hora o improviso vai te pegar. Não é nenhuma chuva da Tormenta, nem um bicho de sete cabeças, e podemos sempre contar com a ajuda dos jogadores, afinal, construímos a história em conjunto.

Ter pouco preparo é perigoso, assim como preparar muito pode ser frustrante caso você não consiga utilizar todo o planejado. Sigo tentando manter um equilíbrio e fazer amizade com o improviso.

Bebam água, joguem RPG comendo frutas e até a próxima!

A jornada da mestra — Coerência ao mestrar

Martelo de juiz sobre mesa de madeira

Eu tenho pensado bastante sobre ações e consequências. Na Dragão Brasil de novembro, o editorial falou sobre um mestre que matou o personagem do jogador novato por um erro de principiante. Após ler, compartilhei no twitter quando uma das minhas jogadoras ameaçou de morte um soldado dentro de um forte militar.

Acho que ações e consequências têm muito haver com controle. Na vida real, você não possui poder sobre os resultados das suas escolhas, mas isso acontece no RPG?

Brincando com Newton

Mantenho a coerência ou dou uma colher de chá?

A minha situação foi de mal a pior. Além da ameaça, a jogadora falhou no teste de intimidação pelo 20 natural do soldado. O mais lógico seria levar todo mundo em cana, certo? Talvez. Mas eu sabia que essa seria uma decisão “ruim”.

Por que?

Porque eu sabia que a jogadora e o resto do grupo se desestabilizariam. Eles não estavam entrosados e todos são iniciantes. Fiquei com medo de traumatizar alguém. Particularmente, eu prefiro que meus jogadores aloprem um pouco do que sintam medo de agir. Ou pior, que desistam da mesa.

Deixei claro que o grupo estava ameaçado e, na semana seguinte, apareci com uma mecânica simples de “moral” para dar uma chance aos jogadores de reverterem a situação ou de chutarem o balde.

Não estou dizendo para não punir os personagens quando eles fazem cagadas. Puna. Mas faça isso de maneira criativa, de modo que não assuste o coleguinha.

Um outro jogador queria comprar uma pistola, mas a campanha se passa no reinado dentro de um forte militar. Bela ideia, né? Contudo, eu não queria vetá-la porque ele havia pego o poder “estilo de disparo” e eu evito ao máximo voltar atrás em decisões. Como eu havia preparado um plot sobre contrabando de armas de fogo, permiti a compra da bendita pistola, deixando claro que ele poderia ser pego a qualquer instante. Na sessão seguinte, uma comitiva de investigação chegou ao forte e ele teve grandes chances de ver o sol nascer quadrado. O destino ficou nas mãos de Nimb, mas o jogador foi esperto o suficiente para esconder a pistola longe de seu quarto. No fim, após um cagaço inacreditável, deu tudo certo.

Meu maior problema foi Verena, uma NPC inimiga que os jogadores resgataram de um esquema envolvendo puristas, coisa que eu não havia planejado. Durante a investigação, ela não passou nos testes e foi pega no pulo do gato. Apesar dela não saber sobre o contrabando, ela havia envolvido-se com canalhas planejando matar civis.

Eu não queria que ela fosse presa porque eu rolo mal e resolvi usar outro NPC, um clérigo de Thyatis, para um “mini julgamento”. Com uma cena de roleplay muito divertida, o grupo passou na prova da OAB, libertando Verena sem fiança.

(In)felizmente o problema não era tão simples assim.

Os vilões sabiam que ela estava viva, logo, era uma ameaça. Ela podia não saber tudo sobre eles, mas pouco já era o suficiente. Fiquei muito tempo pensando se eu não deveria matá-la por ser o mais lógico, entretanto, eu mesma ficaria broxada caso, após uma aventura, eu encontrasse morta a personagem com a qual eu havia criado um vínculo por tanto tempo.

Imagine sua série favorita. Você vê o episódio mais recente e descobre que seu personagem favorito morreu. Mesmo que faça sentido para a narrativa, que outros personagens contem como aconteceu, não é a mesma coisa que ver o desenrolar do evento, porque isso é algo importante para a história.

Agora imagine que você tinha a chance de salvá-lo, mas não pôde porque sim.

Com esse dilema em mãos, precisei de criatividade para elaborar uma maneira de resolvê-lo. O resultado dessa saga sairá em algum momento quando meus jogadores pararem de brincar com macacos e voltarem para a história principal.

Deixe Nimb entrar, mas mantenha Khalmyr na sala

É importante manter a coerência? Sim, não queremos Nimb sambando na sua campanha. É imprescindível? Não. Faça o que é melhor para a sua mesa. Há o que funciona e o que não funciona, só você saberá disso.

Assim como o mestre tem controle sobre algumas coisas, os jogadores também precisam ter. Controle as consequências de maneira criativa. Dar chances para jogadores principiantes, além de mostrar que a história não é algo rígido, dá liberdade para que eles experimentem coisas novas e aprendam com as decisões ruins sem traumas.

E isso não significa que sua mesa deva virar bagunça. Mostre grandes níveis de ameaça: faça um personagem perder um poder temporariamente, um NPC querido, alguma parte do próprio corpo. Coloque em risco algo que importe para o personagem, não para o jogador. Puna o personagem, não o jogador. Um exemplo simples: o meu bardo cortou a palma da mão para um ritual e recebeu um debuff para atacar e tocar música.

A mesa com seus amigos não é uma copa do mundo, é uma pelada divertida de sábado a noite. Aliás, ainda bem que não existe VAR no RPG.

Até a próxima!

A Jornada da Mestra — Primeiro, o básico

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Algo importante que eu aprendi assistindo Masterchef, além de que a pimenta do reino deve ser sempre moída na hora, foi que, para fazer algo diferente, você precisa começar com o básico e fazê-lo bem. Isso pode parecer um pouco óbvio, mas é muito comum se frustrar com os resultados de algo feito pela primeira vez porque as expectativas estavam muito além da realidade.

Toda vez que eu encerro uma sessão, penso bastante se eu não poderia ter feito alguma mudança. Seja ter desenvolvido melhor uma parte da aventura ou ter cortado alguma informação ou NPC inútil. No começo, eu senti que estava errando muito e fiquei incomodada, mas isso é o normal.

Que mestre não quer narrar uma boa aventura? Uma campanha épica na qual os jogadores se sintam como heróis? Mas isso não significa que você não possa errar e seu jogo precise ganhar o GOTY. Quantas vezes você não se divertiu com jogos simples porque estava com os amigos? As maiores gargalhadas que eu dei foram com desenhos feios no Gartic Phone.

Você dificilmente vai sair da sua primeira partida de Valorant com 15 headshots se nunca chegou perto de um FPS. Ninguém inicia a vida na confeitaria fazendo um bolo de casamento com 5 andares, mas começa por um simples de laranja ou chocolate. Inícios precisam de prática e paciência.

O livro básico de regras será o seu melhor amigo durante a jornada. Não é à toa que há seções dedicadas a explicar sobre cenas e estruturas de uma aventura. Claro que não há verdades absolutas, e é sempre possível adaptar as coisas para o funcionamento da sua mesa, mas saber as técnicas básicas ajuda, e muito.

O único jeito de se aprimorar na arte de fazer seus jogadores arrancarem os cabelos é jogando. Entender a maneira como você mestra é importante, compreender como sua mesa joga também. Eu, por exemplo, percebi que gosto de valorizar as escolhas caóticas dos jogadores, e talvez seja muito tolerante em alguns aspectos, mas isso se deu pelo tom descontraído da mesa e por todos estarem aprendendo a jogar.

Um dos meus maiores erros, e teimosias, é enfiar um monte de coisa dentro de uma única cena. Por exemplo: eu estava narrando um combate com três tipos diferentes de inimigos: o chefe principal, um mini chefe e dois capanguinhas mixurucas. Eu sempre faço uma única iniciativa para os NPCs, até porque ninguém é de ferro, mas ainda assim eram três fichas diferentes ao mesmo tempo para controlar. Quando encerramos a cena, eu percebi que passei pelo menos 70% do combate sem atacar com os capanguinhas e não usei metade das habilidades do chefe. Me senti a pessoa mais lerda do mundo, mas na aventura seguinte eu fiz a mesma coisa. Tentei facilitar a minha vida anotando num post-it as CA dos inimigos e alguns pontos importantes, mas eu continuei me embananando porque ainda eram três fichas diferentes e o chefe era mais complexo que o anterior.

Uma coisa que eu não tentei foi estruturar a campanha inteira logo de cara. Quando eu escrevo ficção, normalmente traço um caminho com o personagem principal para que eu não me perca durante a narrativa, entretanto às vezes as coisas não saem como o planejado e eu preciso mudar a rota. E, se isso acontece com um personagem que estou “controlando”, seria um inferno fazer isso com jogadores imprevisíveis. Eu sei a motivação dos vilões, o que eles estão fazendo enquanto os personagens se embriagam na taverna e só. Até porque eu não sabia como balancear uma aventura — ainda estou tentando, inclusive — e o rumo da história poderia descambar para qualquer lado. Foi muito mais fácil criar algo simples de início para amarrá-lo em algo complexo mais tarde.

Além disso, a própria mesa me ajuda a conduzir a narrativa. Entender sobre as expectativas dos jogadores me auxilia a construir novas aventuras, inserindo suas preferências ao longo da construção. Se alguém está interessado na Tormenta, se gostou de um deus específico, ou se simplesmente quer descer a porrada em tudo o que se move. O RPG te permite modificar as coisas ao longo do tempo, é um trabalho contínuo de construção.

Resumindo: comece pequeno, focando em fazer bem o básico. Começar com um dragão adulto, mais seus escravos kobolds e um clérigo de Kallyadranoch que estão conspirando com mais três planos da existência talvez gere um TPK prematuro e você se embanane para controlar tudo isso. Muitas mecânicas diferentes ao mesmo tempo talvez não sejam muito saudáveis logo no início.

O simples e bem feito é melhor que algo complexo, mas todo cagado. Um bolo de laranja molhadinho é mais gostoso que um bolo de casamento que metade dos andares caiu no caminho e a pasta americana tem gosto de isopor. (nota do editor: toda pasta americana tem gosto de isopor, coloquem isso nos seus bolos não)

Lembre-se de ler o livro e se divertir, estamos jogando RPG de mesa e não apresentando uma tese de doutorado.

Até a próxima!

A Jornada da Mestra — Os primeiros passos de uma narradora de RPG

Mestre iniciante

Muito falamos sobre a jornada do herói, mas quando vamos discutir sobre a jornada do mestre?

“Por que você não mestra?”

Essa foi uma pergunta que me assombrou por muito tempo. Eu tinha em mente possíveis jogadores, mas eu não conseguia deixar de me sentir insegura sobre a ideia de mestrar. Fui atormentada por essa dúvida enquanto assistia Fim dos Tempos e estava meio órfã dos Nerdcast RPG, querendo jogar, mas sem coragem para começar.

Em algum momento eu compreendi que essa insegurança não fazia sentido.

Ora, bolas! Por que eu tinha tanto medo? Confesso que assistir lives de RPG com tantos mestres experientes fazia eu me sentir ainda mais insegura, achando que eu não possuía “a manha da coisa”. Mas por que eu precisava me comparar? Todo mundo, em algum momento, precisou dar o primeiro passo.

Meus possíveis jogadores também eram iniciantes (um deles nem sabia o que era RPG de mesa) e eu não tinha a pretensão de me tornar a Miss Universo dos mestres. Percebi que eu estava apenas adiando um momento de diversão porque eu estava com vergonha.

Mas porque eu tinha vergonha dos meus próprios amigos?

Eu iria errar, com certeza, e não há problema algum nisso, é assim que se aprende. RPG é um hobbie e, como qualquer outro, você precisa aprendê-lo aos poucos. Se você está lendo isso, precisou aprender a ler em algum momento da sua vida. Se você faz algum tipo de luta, com certeza estava chutando feio antes dela.

E sabe o que tudo isso tem incomum? Nenhuma dessas atividades é feita sozinha. Em algum momento você precisará da ajuda de alguém mais experiente para evoluir, mesmo que seja um vídeo no Youtube.

Meus amigos estavam ali para me apoiar, tanto nos acertos quanto nos erros (nos dados de ataque talvez nem tanto), e eu estava ali para apoiá-los igualmente. Sentir vergonha não fazia sentido, estávamos todos começando e alguns eu conheço há quase 10 anos.

Recebi o chamado, meus medos me fizeram ignorá-lo, entretanto, assim como Bilbo Bolseiro, não consegui resistir ao impulso e mergulhei de cabeça na aventura.

Mas por onde começar?

Eu precisava de uma história: poderia achar algo gratuito na internet, comprar uma aventura pronta ou criar minha própria campanha.

E eu decidi ir pelo caminho mais difícil.

Eu tenho certa experiência com histórias, mas eu entendia o básico do básico sobre regras de RPG. Apesar de ter passado boa parte da minha vida jogando videogame, montar o seu próprio jogo é algo bem diferente. Escolhi Tormenta20 porque achei o sistema divertido e eu o conhecia relativamente bem. Mas Arton é um mundo e eu me perdi. Relutei, mas decidi que imitar alguém que sabia o que estava fazendo seria uma boa maneira de começar, afinal, era uma mesa com apenas alguns amigos. Uma coluna do Trevisan na Dragão Brasil de agosto, edição 170, surgiu como um presente dos deuses e vale a pena ser lida se você também é iniciante e acha que sua primeira aventura deve ganhar um Nobel.

Após boas horas no pinterest, muitas tabelas e encher meu amigo veterano de mensagens, surgiu o megazord que hoje é “Os Filhos de Valkaria”. Uma campanha muito inspirada em Fim dos Tempos e com muitas referências às lendas arturianas (sobretudo às adaptações do anime Fate).

Não tenha medo de se inspirar em algo legal que você está lendo ou assistindo. Com o tempo você pega o jeito (eu ainda estou pegando) e não tem nada mais legal do que você ouvir de algum jogador, no final da sessão, que ele gostou de tal parte ou que ele pegou aquela referência. Isso, é claro, se você desejar criar sua própria história.

Fiz duas sessões 0 antes de começar, isso ajudou tanto os jogadores quanto a mim. Saber as expectativas de cada um me deu um norte melhor.

Apesar de ter pensado numa campanha a longo prazo, eu escrevi apenas quatro aventuras curtas, a primeira muito simples e introdutória: uma cena de investigação e outra de combate. Conforme a história anda eu observo o comportamento dos jogadores durante as cenas e faço os ajustes necessários, vejo o que serviu e o que não deu certo. Se alguma criatura estava forte demais, se o combate foi muito fácil, se eu pequei em dar as informações necessárias, etc.

Meu primeiro monstro foi um fiasco. Ele tomou um crítico, perdeu 90% da vida, não atacou ninguém e morreu de maneira ridícula.

Eu mestro há dois meses e é divertido acompanhar não apenas a minha própria evolução, mas também a dos meus jogadores. Uma coisa muito importante a qual eu aprendi é que a história se constrói aos poucos e em conjunto: mestre, jogadores e dados.

Tenha paciência consigo mesmo. Ninguém aqui está numa competição e as coisas levam tempo. Se estiver inseguro ou com vergonha vá assim mesmo, eu sei que não é fácil, mas você vai perceber que o mais difícil será arrumar um horário na semana no qual todos possam participar.

Leia o livro, pesquise, peça ajuda e erre bastante. O meu maior mantra é “se estamos todos nos divertindo, então as coisas estão dando certo”.