Autor: Mylena Machado

Deuses e Heróis – Mitologia em Tormenta

Quem não gosta de mitologia? Acompanhamos a luxúria de Zeus ou as façanhas de Odin, lemos romances de cavalaria, sonhando com o retorno de Arthur ou com os paladinos de Carlos Magno. Talvez busquemos por kitsunes e tengus ou quem sabe seja mais divertido ler sobre as façanhas de Gilgamesh ou descobrir o submundo asteca Mictlan.

Os mitos do nosso mundo existem em grande abundância, cada um com sua função. E não seria diferente em Arton, portanto, nossa aventura hoje será navegar pelas águas mitológicas do cenário.

O que é uma mitologia?

Nós contamos histórias desde tempos imemoriais, fazemos isso de modo quase instintivo. E podemos fazê-lo ao redor de fogueiras ou numa mesa de bar, acompanhados de amigos ou familiares.  Independentemente do motivo para se contar histórias, elas tem o poder de moldar o nosso mundo. Em Tormenta, não é diferenteé um RPG, afinal!

A cultura artoniana possui uma mitologia ampla que abriga uma vastidão de mitos e lendas. É até um pouco redutivo falar sobre “cultura artoniana”, considerando a grande diversidade cultural que o cenário nos apresenta. Todavia, antes de içar velas, vamos à pergunta: o que é uma mitologia?

Para isso, utilizarei como referência o mestre Joseph Campbell. 

Em resumo, um mito é uma história sobre algo do mundo ou sobre algo do espírito. E, ao dizer espírito, me refiro a algo intrínseco à experiência da vida humana, como o nascimento, a morte, o amor e etc. Mitos também podem explicar sobre a existência da chuva, sobre a criação do universo ou sobre uma determinada norma social. Em síntese, uma mitologia é a reunião dos mitos de um determinado grupo social – como a mitologia grega, a  japonesa, os mitos e lendas arturianas e por aí vai.

E não há mitologia sem criaturas fantásticas ou eventos maravilhosos, sobretudo, Deuses e Heróis

Aprendemos no Atlas e Ameaças de Arton sobre a Criação, e agora nos preparamos para um mergulho mais profundo ao lado dos protagonistas: os heróis (nós!) e com aqueles que os guiam (ou quase isso): os Deuses, graças a chegada dos novos suplementos para Tormenta20.

Arton, um mundo de deuses

O panteão de Tormenta, todos os vinte deuses. A base para a mitologia do cenário.

“Vinte deuses governam todos os aspectos da vida em Arton. Do dia à noite, dos mares às feras, da paz à guerra, do azar ao amor.” (Atlas de Arton)

Na mitologia de Tormenta, as divindades maiores surgiram da união entre o Nada e o Vazio, formando  o Panteão de Arton, e há 25 anos nós acompanhamos as transformações nessa hierarquia. Não apenas sua liderança mudou, mas Deuses caíram, outros morreram e seus lugares foram ocupados por  divindades ascendentes. Um verdadeiro casos de família divertido de acompanhar — talvez nem tanto para os habitantes de Arton.

Apesar das inúmeras mudanças, o número de deuses maiores nunca foi nem menos, nem mais que vinte. Essa é a lei.

A menos que você pretenda desbalancear o equilíbrio cósmico.

Que consequências isso traria ao mundo? Como o desaparecimento, morte, queda ou ascensão de um Deus impacta a vida dos artonianos? Ora, eles governam aspectos intrínsecos à vida como um todo. Os filhos podem viver sem os pais? E se a deusa da vida fosse sequestrada? O que ocorre no encontro entre o deus-sol e a deusa da noite? E se a deusa da magia resolvesse tirar férias?

Já vimos como isso pode funcionar em A Flecha de Fogo, em A Deusa no Labirinto, na aventura Libertação de Valkaria, entre outros.

Mas como você lidaria com isso?

É interessante pensar nessas questões. Os deuses moldaram o mundo, criaram seus filhos, mas o mundo também é capaz de afetar os deuses.

“O que antes era disforme foi moldado pelos deuses. E os deuses, por sua vez, descobriram que a fé dos habitantes deste mundo era capaz de aumentar ou diminuir seu poder e até mesmo de fazê-los ascender ou cair.” (Atlas de Arton)

Glórienn caiu, mas os elfos perduram, Tauron morreu, mas os minotauros perseveraram. O deus da morte morreu (!) e, embora o mundo tenha sentido a perda, o equilíbrio continuou.

Sempre vinte.

Deuses vivos

É claro, os Deuses não estão ali apenas para você ostentar um poderzinho maneiro. Eles possuem personalidade, dogmas baseados em sua essência, moldaram o mundo e ajudam a mover a história – para o bem ou para o mal. Conhecer os Deuses é conhecer parte de Arton. Eles são grandiosos e estão em outro patamar da existência, afinal, são seres cósmicos de poder imensurável.

Ou será que não? Alguns mortais já alcançaram a façanha de derrotar um deus.

Se não há mais desafios em Arton para os heróis, por que não dar um passeio pelo Reino dos Deuses?

Já pensou em ascender um Deus? Ou você prefere fazê-los cair? Se você está familiarizado com Tormenta talvez já tenha pensado em sair no soco com Arsenal, em arrastar a cara de Glórienn no asfalto ou em jogar xadrez com Nimb.

Como um mundo de aventuras, Arton também é um mundo de possibilidades.

Um giro pelo panteão mitológico

A liderança atual da família mais caótica de Arton está nas mãos de Valkaria, a deusa da ambição e mãe dos humanos. O restante do panteão é composto por: 

  • Aharadak, ex-Lorde da Tormenta e agora seu deus;
  • Allihanna, deusa da Natureza, aquela que impulsionou os animais marinhos para a terra firme. Conhecida em Moreania por Dama Altiva;
  • MESTRE ARSENAL, O DEUS DA GUERRA. PAVIMENTOU SEU CAMINHO ATÉ O PANTEÃO COM FORÇA E CORAGEM, DERROTANDO O PRÓPRIO PATRONO;
  • Azgher, o deus-sol, portador da luz diurna e rival de Tenebra, a deusa das trevas, portadora da noite e protetora das criaturas noturnas;
  • Hyninn, o deus da trapaça, muito astuto e sagaz;
  • Kallyadranoch, que já foi esquecido, mas retornou ao panteão em eventos recentes. É o orgulhoso deus dos dragões – podem criaturas de tanto poder e orgulho serem governadas?
  • Khalmyr, o antigo líder do panteão e deus ordeiro da Justiça;
  • Lena, a deusa criança da vida e padroeira da fertilidade;
  • Lin-Wu, o honrado deus samurai de Tamu-ra, o Império de Jade;
  • Marah, a deusa da paz. Conhecida por alguns na comunidade como o modo difícil de jogar Tormenta – num mundo com tantos conflitos, há espaço para soluções não-violentas?
  • Megalokk, o selvagem deus dos monstros. Conhecido em Moreania como o Indomável;
  • Nimb, o deus do caos;
  • Oceano, o deus dos mares. Distante das picuinhas dos outros deuses até agora…
  • Sszzaas, o deus cobra da traição, também conhecido como o Grande Corruptor;
  • Tanna-Toh, a deusa do conhecimento, aquela que deu aos mortais a palavra escrita;
  • Thwor, antes o imperador Bugbear e hoje deus dos Duyshidakk, em Valkar: deus dos goblinoides;
  • Thyatis, o deus fênix da ressurreição e das segundas chances;
  • Wynna, a bondosa e exuberante deusa da magia. Mãe das fadas, qareens, louvada por aqueles com interesse no arcano.

Arton, um mundo de heróis

E o que seria dos deuses sem seus campeões? Sem heróis? Não há mitologias sem eles. Adoramos ver suas façanhas e ansiamos por vê-los superando desafios. O bem triunfando sobre o mal – ou algo parecido com isso, na medida do possível.

Mas, ao invés de apenas observar, porque não ser seu próprio herói? Essa é a graça de jogar RPG: você é o protagonista da história e as suas ações moldam o mundo. É você quem deve impedir os planos de algum louco que quer destronar Khalmyr ou proteger Arton de uma incursão de demônios. Talvez seja mais divertido invadir o reino de Kallyadranoch para roubar algo de seus espólios. Já pensou em participar de um torneio contra o próprio Arsenal?

Mas o que é um herói?

Explicando de modo breve: um herói é um benfeitor – cada um com seu jeitinho, é claro. Um herói é alguém que pratica atos de coragem e muda a vida das pessoas, embora muitos possam não saber disso. Ele é alguém que salva pessoas, outras criaturas ou preserva lugares. Um herói se arrisca e se sacrifica por algo em que acredita.

Você pode servir aos deuses, espalhando sua palavra ao demonstrar sua bondade, ou pode rejeitá-los e inspirar os outros a seguir apenas a si mesmos. Às vezes, um herói pode fazer o bem por motivos meio… duvidosos. Pode realizar façanhas por puro altruísmo ou pode exigir um pagamento justo. Porque todo mundo precisa de um prato de comida ou uma adaga mais afiada, não é mesmo?

O importante é salvar o dia, seja o dia de um camponês anônimo ou a vida da própria Valkaria, mesmo discutindo com o paladino de Marah ou com o ladino trambiqueiro.

A história é sua e você pode fazer o que quiser. Portanto, não fique de fora! Se você não conseguiu apoiar o financiamento coletivo, a pré-venda é sua chance de elevar a vida dos seus heróis – ou complicá-la!

Deixe sua marca na história de Arton.

A Jornada da Mestra – O Chamado para a Aventura

Ilustração de moça sentada em poltrona amarela, com um gato cinza em cima do encosto, atrás dela. Na frente há uma mesa com miniaturas e livros de rpg espalhados.

Olá, queridos companheiros de aventura! Já sentiu vontade de mestrar RPG, mas ainda não encontrou aquela chama especial? No artigo do mês passado elencamos vários pontos básicos, mas importantes, sobre a figura enigmática do mestre e hoje, dando continuidade a nossa jornada, conversaremos sobre talvez um dos pontos mais importantes para a nossa aventura: as motivações para se tornar um mestre de RPG.

Se você me segue na capenga rede social do ex passarinho azul, talvez se lembre de uma pergunta sobre o assunto. Afinal, todo mundo precisa de um motivo para começar algo, nem que seja apenas um “porque eu quero” – que já é o suficiente. Nem tudo precisa de uma razão profunda, entretanto, como estou empenhada na construção de um exército de mestres para tomar os meios de produção, vale a pena mergulharmos um pouco mais fundo.

Portanto, o artigo de hoje será guiado por duas perguntas: por que mestrar? E porque não mestrar?

(mais…)

A Jornada da Mestra – Quem é o Mestre de RPG?

Olá, queridos companheiros de aventura! Sentiram saudades? Como estão? Espero que estejam bem e preparados para mais um ano de muita balbúrdia sobre a criatura misteriosa que é o mestre do RPG de mesa!

Para esse início de 2024 eu decidi rebobinar a fita cassete. Caso você não seja do tempo das cavernas e não saiba o que é isso, bom, hoje eu darei alguns passos para trás nessa jornada de mestre – badum, tss.

Mas o que isso significa? (mais…)

A Jornada da Mestra – Use os jogadores a seu favor

Dificuldades para pensar num desafio? Está suando porque não faz ideia de como montar aquela dungeon? Que monstro escolher para fazer da vida dos jogadores um inferno? Um Carrasco de Lena ou o clássico dragão furioso? Seus problemas acabaram! Ou pelo menos vim torná-los menos complicados.

A dica de hoje é: saiba todas as capacidades, fraquezas e gostos dos personagens e conheça bem seus jogadores!

Oxe, mas como assim?

Ora, você não vai dar um enigma para o bárbaro resolver com toda sua genialidade e -2 em Inteligência. Não vai pedir para o mago, com seus cambitos mágicos, levantar uma rocha. (mais…)

A Jornada da Mestra – Fábrica de NPCs

Já realizamos muitas reflexões nesta jornada, mas eu nunca escrevi sobre uma das minhas maiores paixões: a criação de NPCs. Confesso ter um certo vício em criar personagens e eu ponho a culpa disso no The Sims – não vou elaborar. De qualquer forma, hoje o papo não é sobre live de NPC na rede das dancinhas: é sobre o vilão, o taverneiro e aquela gosma adotada pelo grupo com a qual você tem que lidar. (mais…)

A Jornada da Mestra – Explorando caminhos: narração freestyle

Há muitas maneiras de se narrar uma história e o RPG nos proporciona um modo singular de construir uma narrativa em conjunto com os amigos. Hoje retornamos ao tópico da narração, já que eu estou fazendo uma leve migração – e mistura – de estilos e gostaria de compartilhar mais uma vez meus dois tibares de cobre sobre o assunto. (mais…)

A Jornada da Mestra – Chefão de fase: o metajogo

Não apenas os jogadores enfrentam chefões, mas nós, meros mestres mortais, às vezes também precisamos batalhar. Um desses inimigos é o temido fantasma do metajogo, tópico muito popular de bate-boca no twitter.

Mas o que diabos é isso? Basicamente, metajogo é uma abordagem que abrange qualquer ação realizada por um jogador em função de saber que se trata de um jogo. Isso inclui utilizar do seu próprio conhecimento sobre a lógica do jogo para tomar uma decisão.

Um exemplo clássico é aquele jogador que decora as fichas de todos os monstros do sistema para usá-las a seu favor num combate.

Essa thread do Thiago Rosa explica bem o que pode ser o metajogo e levanta uma boa discussão sobre a vilania geralmente aplicada a ele.

Aqui vão meus cinco tibares sobre o assunto. Vem comigo! (mais…)

A Jornada da Mestra – Narrativa no RPG, unidos venceremos ou modo scooby-doo?

Taverna medieval com longa mesa de madeira cheia de utensílios, luz amarela pelo ambiente

Nas últimas semanas, eu e alguns amigos conversamos sobre diferentes estilos de conduzir a narrativa nas mesas. Embora eu narre de maneira mais tradicional, conduzindo o grupo sempre junto, eu jogo bastante com o pessoal separado em certas partes da história. Seja porque o mestre decidiu jogar cada um num canto, seja por escolha dos jogadores em criar um novo personagem fora do núcleo anterior.

Eu prefiro emendar a história de um personagem novo com o momento atual da mesa, mas não me importo se o jogador não quiser. Também sou muito a favor de alinhar algumas coisas na Sessão 0 ela não morde, viu? (mais…)

A Jornada da Mestra – Construa um mundo tão legal quanto você!

Grupo de aventureiros no primeiro e Vectora ao fundo

Construção de mundo, ou worldbuilding para os gringos, é uma das minhas partes favoritas em mestrar. Sempre gosto de ver a exploração dos jogadores ou eles ignorando informações que voltam para morder a bunda deles. Mas, sobretudo, se divertindo ao desvendar os segredos espalhados por aí.

Elaborar um mundo inteiro requer certo esforço. São vários detalhes a se pensar, estratégias para despertar a curiosidade dos jogadores e etc, mas não é indispensável caso você não queira algo super complexo, ou apenas não esteja no clima para o trabalho. Pequenas regiões, cidades ou cenários pré-estabelecidos já ajudam muito. Ter um norte é menos complicado do que começar do zero, assim como criar espaços menores. (mais…)

A Jornada da Mestra – A primeira morte a gente nunca esquece

grupo de aventureiros, com arqueira de cabelo roxo e monge segurando katana à frente. Cavaleiro armadurado ao fundo e espadachim pirata fumando cachimbo à direita

RPG é mestre contra os jogadores”, a frase ícone que ecoa pelos anais do tempo. Após um ano de muitos planos maquiavélicos e risadas malignas eu finalmente ganhei e agora estou a par dos segredos obscuros sobre mestrar RPG. 

Nossa, mas ser mestre é tipo culto?

Quase, mas vamos deixar isso de lado.

Há algumas sessões atrás na minha campanha de Tormenta20 eu vivi a experiência que foi narrar a morte de um personagem de jogador durante um combate. Em outras palavras: matei o safado. Isso porque no início da batalha eu achei que o TPK estava chegando a cavalo porque o senpai Roll20 pareceu finalmente ter me notado. Infelizmente o TPK não veio, mas um eu levei comigo.

Entendi, mas aonde você quer chegar com isso?

Era uma vez um personagem inconsequente…

Vou confessar um pecado aos meus colegas de culto: eu estava com medo.

Brincadeiras à parte, nenhum mestre está bolando um plano super complexo para te matar – assim eu espero, não seja um canalha. A fatídica frase do início se refere a sermos justos com os jogadores, não é algo literal. Estamos sim despejando dificuldades e muitas criaturas da tormenta, mas com a melhor das intenções.

Korean Heart GIFs | Tenor

O próprio Leonel explica melhor a frase na Dragão Brasil 168. Ser justo é responder às ações dos jogadores da melhor maneira possível, sem protecionismo quanto a decisões esquisitas. O jogador gritou com o NPC estressado? Lide com isso. Meteu o dedo naquele artefato com aura de tudo de ruim? Oh, well.

Entretanto, o combate me deixou ansiosa desde o início, mesmo eu já tendo passado por um momento de quase TPK, sobretudo porque eu tinha certeza que um certo personagem morreria.

O encontro foi planejado em duas batalhas: a primeira com dois mini chefes e vários capangas, a segunda com um mini chefe, mais capangas e a “chefona” – claro, os jogadores não sabiam disso. O jogador, com seu bardo tritão de 27 pontos de vida, decidiu ir sozinho até os prisioneiros após a primeira batalha para tentar encontrar pistas sobre o seu passado. Lá, por acaso, era o local planejado para a “chefona” aparecer e dar início a segunda batalha.

Painful Smile GIFs | Tenor

Depois disso as coisas só foram ladeira abaixo. O personagem conseguiu sair pela tangente, mas logo depois ele resolveu ficar corpo-a-corpo com a inimiga, uma purista, e tentar um jutsu do discurso debochado.

O pobre coitado tomou duas espadadas e morreu. E essa não foi a primeira vez que o jogador se meteu na linha de frente. Ele teve sorte nas outras vezes, mas nessa não houve escapatória. 

Era uma vez uma mestra iniciada…

Fiquei nervosa de início, pensando em todo o planejamento para uma evolução futura e se o jogador me odiaria por ter matado o personagem que ele tanto gostava. Mas tudo isso passou quando eu percebi que nós dois éramos amigos adultos nos divertindo jogando um jogo. Não havia motivo algum para temer nada, o jogador apenas tomou uma decisão ruim com uma NPC que não tinha paciência para quem estava começando — que os deuses a tenham — e eu precisava ser justa.

Me senti mal? Sim, afinal, eu sei o que é perder um personagem querido, sobretudo porque esse era o primeiro do jogador e eu não queria deixá-lo triste. Mas acontece. 

Depois eu até expliquei melhor as nuances que poderiam ter passado: a NPC era muito soberba, egocêntrica e orgulhosa, não deixaria passar um insulto vindo de um “inferior”. Também apontei para coisas bem óbvias, como o fato dela fazer parte de um grupo purista dos mais radicais. Coisa que o grupo já havia visto antes.

No final ninguém me odiou, fiz metade da mesa chorar com as cenas dramáticas e hoje rimos bastante dessa situação. 

É sobre isso e tá tudo bem.

Essa foi minha primeira experiência com a morte de um personagem de jogador e espero ter mais algumas, afinal, RPG é mestre contra jogadores!

Bebam água, comam frutas, matem seus jogadores e até a próxima!

A Jornada da Mestra — Às vezes, mestrar RPG não é para você

Mestre Dos Magos / Caverna Do Dragão / Treta / GIF - Careful Dungeons And Dragons Dungeon Master - Discover & Share GIFs

Que papo é esse? Qualquer um não pode ser mestre?

Exatamente, jovem padawan. Entretanto, o buraco aqui é mais embaixo. Mas o que isso quer dizer? Que você não é obrigado a mestrar, seja porque não gostou da dinâmica ou porque apenas não quer. 

Mestrar não é uma hidra de sete cabeças, mas exige um certo trabalho, sobretudo se você decide criar a sua própria história. E, mesmo utilizando uma aventura pronta, é sempre de bom tom ter um planejamento mínimo. Tenha sempre em mente que o fator caos dos jogadores pode te levar a qualquer lugar.

Não sei se posso criar uma checklist de características que um mestre deveria possuir — nem gosto muito disso —, mas posso falar sobre alguns pontos percebidos após um ano nessa aventura.

Imparcialidade

Judge Juiz GIF - Judge Juiz Juiza - Discover & Share GIFs

É bem chato quando aquela pessoa faz uma bobagem astronômica e sai impune, não é? É triste quando sua mãe guarda uma foto 3⁄4 sua na carteira, com aquela cara de desastre, mas mantém um pôster de cinema do seu irmão na porta de casa.

O mesmo serve para seus jogadores. 

Se um único personagem recebe toda a sua atenção, não é bacana. Imagine você, sentado numa mesinha de bar com seus amigos. Um deles convidou a galera, mas ele só responde um amigo em específico, ignora você e o resto ou responde na base do “uhum, ok, ciente”. No mínimo estranho. Não seja assim.

Se um personagem toma uma decisão duvidosa e não recebe uma consequência a altura, abrem-se portas para que os outros tomem as mesmas ações. E se você não tiver o mesmo tratamento com os outros, punindo-os pela ação questionável, eu mesma pergunto quanto custa o valor do suborno.

Isso nos leva ao próximo ponto.

Honestidade

Missão Impossível: Confissão Sacramental - O Catequista

Seja honesto com seus jogadores. Somos todos amigos, adultos e maduros, fingindo lançar magias com sonoplastia improvisada. A comunicação é importante, portanto seja honesto sobre suas ações e decisões. 

Tirou um natural naquela briga importantíssima? Oh, well

Um jogador ficou frustrado porque não compreendeu uma decisão sua? Explique

O monstro morreu com um único hit porque você balanceou mal? O monstro ficou muito badass porque você enlouqueceu e perdeu a mão? Cabe um balanceamento de última hora, caso você não queira um combate anticlimático, ou outra solução criativa. Pode dizer depois, não faz mal.

Não conseguiu planejar nada para a sessão? Diga. Não fazemos uma campanha sozinho.

Um jogador tomou a pior decisão possível e ele vai morrer por isso? Mate-o. O time inteiro, numa mesa na qual eu sou jogadora, tomou uma decisão extremamente burra e o mestre fez um TPK sem dó. Lembrando que, caso os jogadores sejam iniciantes, você pode contornar isso com outras decisões. Eu sempre digo que matar é muito fácil, seja criativo. Arranque um braço, um olho, mate um npc querido.

Criatividade e Jogo de Cintura

Imagens e Gifs dançando - Gifs e Imagens Animadas

Dois pontos que se complementam porque você, em algum momento, vai ter que rebolar, rebolar, rebolar. Jamais tenha certeza do que te espera, com exceção do caos. Sempre achei que Valkaria perderia o posto de padroeira dos aventureiros para Nimb. 

Você não precisa de criatividade apenas para construir a história, mas para resolver os pepinos que surgem durante as sessões. Como eu já disse, caso você não queira matar um personagem, por qualquer motivo que seja, há inúmeras outras formas de punir o personagem. Arrancar um braço do guerreiro para deixá-lo com um debuff em seus ataques, diminuir um atributo chave ou selar a magia do arcanista e etc. Tem espaço para tudo.

Paciência

Classe; Monge | Wiki | [RPG] Ilha - Godashi Amino

É importante ter paciência para entender seu próprio tempo e o tempo dos jogadores. Para aceitar que cagadinhas vão acontecer, para lidar com os próprios erros, deslizes, decisões duvidosas e as bombas que os jogadores atiram em nossas mãos.

Mestrar não é uma tarefa árdua, mas exige um certo tempo e paciência para planejar e construir. Sejam horas procurando pelo handout perfeito, seja planejando a próxima sessão ou o próximo arco da campanha.

Mas, é claro, toda paciência tem limite. Você não precisa ser paciente com aquele jogador babaca, que está ali apenas atazanando o juízo alheio. Dá sempre para conversar antes de uma decisão, mas ninguém é obrigado a aturar gente sem noção. 

E lembre-se: você não é babá. Deixe que os personagem resolvam seus problemas, eles que se virem com o fantasma das consequências.

Bebam água, comam frutas e até a próxima!

A Jornada da Mestra — O Poder da Amizade para o Mestre de RPG

jornada da mestra

O trabalho do mestre de RPG parece ser solitário. Estamos sempre atrás das cortinas, arquitetamos planos maléficos e vivemos como Pink e o Cérebro. Nosso momento de glória chega durante a sessão quando, sozinhos, enfrentamos os jogadores e suas ideias de caráter duvidoso. Mas essa jornada precisa mesmo ser solitária?

Pegue isso, é perigoso ir sozinho

It's dangerous to go alone! Take this: O livro básico de regras de Tormenta20
Leiam o livro, crianças.

Além do livro básico, meu maior aliado nessa aventura é um amigo mestre em período sabático. Ele atua como a minha plateia nas sessões, faz comentários no meu privado e também surge com dicas preciosas. Todos os perrengues pelos quais eu passo ele já me contou sobre. Foi ele quem sugeriu a maravilhosa ideia de debuff num dos jogadores, o qual havia cortado a própria mão para ativar um mecanismo. Foi divertido ver o bardo não conseguir tocar, para mim pelo menos.

Essa troca, além de agregar ao meu repertório de ideias malignas, me ajudou com a compreensão do meu papel como mestre de RPG. Sobretudo em questões fora do jogo, como conflitos e dúvidas em relação a condução dos jogadores em determinados momentos: o abençoado que não lê o livro, o jogador que não presta atenção na narração, uma picuinha que surge do nada, etc.

Essas conversas me fizeram perceber como alguns perrengues são comuns (eu não estou sozinha!) e me ajudaram a tomar um rumo na vida – só no RPG porque na vida real eu continuo sem saber o que estou fazendo. Perceber como outro mestre lida com os problemas fez com que meus horizontes se abrissem para um caminho menos doloroso para o TPK.

Não é Pokemon, mas dá pra trocar figurinha

Outras conversas edificantes surgiram com a minha cunhada. Ela não mestra, e atua como a clériga oficial de cinco maníacos, mas me fez perceber até onde a malícia, e a loucura, de um jogador pode ir (spoiler: não há limites). Além disso, consigo ter uma ideia de como os mestres dela lidam com esses períodos de balbúrdia.

Essas experiências formam uma grande bolota de informações e eu as filtro para utilizá-las como trampolim na minha própria jornada. Uma coisa é ler um capítulo – bem escrito – sobre o Mestre, outra é vivenciar a loucura e entender que você não está sozinho nesse buraco de caos.

O caminho do mestre não precisa ser solitário porque há uma categoria inteira com o mesmo objetivo: destruir os sonhos e esperanças dos jogadores. Uma visão externa te ajuda a ver as questões por outro ângulo, em especial com um mestre de RPG que já passou pelos mesmos perrengues. E, é claro, cada mesa é única, com suas particularidades e etc., mas muitos comportamentos se repetem, sobretudo quando você lida com iniciantes.

Eu queria, mas não sou o Gandalf

Podemos, mais uma vez, bater na tecla de que o mestre não é um ser iluminado o qual desceu dos céus, solitário, para semear a dor e a discórdia. Ele não precisa ser um mago eremita porque há amigos nesse caminho, prontos para nos auxiliar com o poder da amizade maligna.

Discutir com colegas sobre a jornada do TPK também nos ajuda a sair um pouco da esfera das livestreams, onde as coisas são mais emperequetadas para o público — vamos deixar claro que essa humilde camponesa é a favor da livestream. Assim entramos no campo do RPG moleque, onde vale tudo: de dedo no olho à mordida na orelha.

Perceber os perrengues alheios nos tira da esfera solitária. Podemos sempre contar com aquela mãozinha amiga: conselhos sobre atitudes, ideias para massacrar o coração dos aventureiros ou uma simples conversa de bar sobre as peripécias dos jogadores. Se há uma coisa que os animes nos ensinaram é que o Poder da Amizade é imbatível.

A comunidade está aí para isso. Se já existe uma solução para o seu problema, não complique a sua vida, converse com um colega, ou exponha suas dores na internet, porque ela foi feita para duas coisas: vídeos de animais fofinhos e reclamação.

Não se esqueça de beber água e comer frutas.

Até a próxima!