A jornada da mestra — Coerência ao mestrar
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Eu tenho pensado bastante sobre ações e consequências. Na Dragão Brasil de novembro, o editorial falou sobre um mestre que matou o personagem do jogador novato por um erro de principiante. Após ler, compartilhei no twitter quando uma das minhas jogadoras ameaçou de morte um soldado dentro de um forte militar.
Acho que ações e consequências têm muito haver com controle. Na vida real, você não possui poder sobre os resultados das suas escolhas, mas isso acontece no RPG?
Brincando com Newton
Mantenho a coerência ou dou uma colher de chá?
A minha situação foi de mal a pior. Além da ameaça, a jogadora falhou no teste de intimidação pelo 20 natural do soldado. O mais lógico seria levar todo mundo em cana, certo? Talvez. Mas eu sabia que essa seria uma decisão “ruim”.
Por que?
Porque eu sabia que a jogadora e o resto do grupo se desestabilizariam. Eles não estavam entrosados e todos são iniciantes. Fiquei com medo de traumatizar alguém. Particularmente, eu prefiro que meus jogadores aloprem um pouco do que sintam medo de agir. Ou pior, que desistam da mesa.
Deixei claro que o grupo estava ameaçado e, na semana seguinte, apareci com uma mecânica simples de “moral” para dar uma chance aos jogadores de reverterem a situação ou de chutarem o balde.
Não estou dizendo para não punir os personagens quando eles fazem cagadas. Puna. Mas faça isso de maneira criativa, de modo que não assuste o coleguinha.
Um outro jogador queria comprar uma pistola, mas a campanha se passa no reinado dentro de um forte militar. Bela ideia, né? Contudo, eu não queria vetá-la porque ele havia pego o poder “estilo de disparo” e eu evito ao máximo voltar atrás em decisões. Como eu havia preparado um plot sobre contrabando de armas de fogo, permiti a compra da bendita pistola, deixando claro que ele poderia ser pego a qualquer instante. Na sessão seguinte, uma comitiva de investigação chegou ao forte e ele teve grandes chances de ver o sol nascer quadrado. O destino ficou nas mãos de Nimb, mas o jogador foi esperto o suficiente para esconder a pistola longe de seu quarto. No fim, após um cagaço inacreditável, deu tudo certo.
Meu maior problema foi Verena, uma NPC inimiga que os jogadores resgataram de um esquema envolvendo puristas, coisa que eu não havia planejado. Durante a investigação, ela não passou nos testes e foi pega no pulo do gato. Apesar dela não saber sobre o contrabando, ela havia envolvido-se com canalhas planejando matar civis.
Eu não queria que ela fosse presa porque eu rolo mal e resolvi usar outro NPC, um clérigo de Thyatis, para um “mini julgamento”. Com uma cena de roleplay muito divertida, o grupo passou na prova da OAB, libertando Verena sem fiança.
(In)felizmente o problema não era tão simples assim.
Os vilões sabiam que ela estava viva, logo, era uma ameaça. Ela podia não saber tudo sobre eles, mas pouco já era o suficiente. Fiquei muito tempo pensando se eu não deveria matá-la por ser o mais lógico, entretanto, eu mesma ficaria broxada caso, após uma aventura, eu encontrasse morta a personagem com a qual eu havia criado um vínculo por tanto tempo.
Imagine sua série favorita. Você vê o episódio mais recente e descobre que seu personagem favorito morreu. Mesmo que faça sentido para a narrativa, que outros personagens contem como aconteceu, não é a mesma coisa que ver o desenrolar do evento, porque isso é algo importante para a história.
Agora imagine que você tinha a chance de salvá-lo, mas não pôde porque sim.
Com esse dilema em mãos, precisei de criatividade para elaborar uma maneira de resolvê-lo. O resultado dessa saga sairá em algum momento quando meus jogadores pararem de brincar com macacos e voltarem para a história principal.
Deixe Nimb entrar, mas mantenha Khalmyr na sala
É importante manter a coerência? Sim, não queremos Nimb sambando na sua campanha. É imprescindível? Não. Faça o que é melhor para a sua mesa. Há o que funciona e o que não funciona, só você saberá disso.
Assim como o mestre tem controle sobre algumas coisas, os jogadores também precisam ter. Controle as consequências de maneira criativa. Dar chances para jogadores principiantes, além de mostrar que a história não é algo rígido, dá liberdade para que eles experimentem coisas novas e aprendam com as decisões ruins sem traumas.
E isso não significa que sua mesa deva virar bagunça. Mostre grandes níveis de ameaça: faça um personagem perder um poder temporariamente, um NPC querido, alguma parte do próprio corpo. Coloque em risco algo que importe para o personagem, não para o jogador. Puna o personagem, não o jogador. Um exemplo simples: o meu bardo cortou a palma da mão para um ritual e recebeu um debuff para atacar e tocar música.
A mesa com seus amigos não é uma copa do mundo, é uma pelada divertida de sábado a noite. Aliás, ainda bem que não existe VAR no RPG.
Até a próxima!
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