Esse texto contém spoilers de A Deusa no Labirinto. Leia por conta e risco.
O primeiro personagem que eu queria usar em Tormenta20 era um tritão bardo. Primeiro porque eu gosto de sereias e afins e até fiz uma extensa campanha durante o financiamento para que a raça acabasse nos livros. Segundo porque, bem, sereias cantam, e isso combina com bardos. Por uma série de razões que não vem ao caso, meu tritão bardo só se concretizou quando, sob pressão e insistência de G.S. Krupp, fui participar da guilda Submundo de Valkaria no Discord.
A Deusa Menor da Liberdade
No geral, eu sou do tipo que sempre escolhe o que parece ser mais divertido de interpretar na mesa. Concluí que meu homem-peixe escamoso simpático seria um ex-escravo, e por isso, devoto de Gwen, de A Joia da Alma e A Deusa no Labirinto, a Deusa Menor da Liberdade. “Ah, mas não tem regras de devoção para deuses menores em T20 ainda!” É, eu sei, e é por isso que eu me aproveitei dos meus privilégios de amizade de infância e funcionário da Jambô pra perguntar diretamente pra Karen Soarele como um devoto de Gwen deveria agir. Ela pensou por alguns segundos antes de responder “deve libertar qualquer criatura presa e nunca mentir.” Obviamente, isso só teria impacto na interpretação e não teria nenhuma relevância nas regras.
Um homem-peixe no mar dos sonhos
Corte para algumas semanas no futuro, meu amigo Igor Ricardo (ou Igão), com quem já dividi algumas mesas, me chamou para minha estreia na guilda! Ele mestraria uma aventura que envolveria lógica onírica de uma forma surreal. Uma garota havia se perdido em seus próprios sonhos e nós precisaríamos entrar lá e despertá-la, sob risco de ficarmos presos para sempre. Sem pressão!
Nos vimos em um campo com uma torre bem alta, a garota que precisava ser salva, Escarlate, ali em cima. Enquanto isso, o seu falecido amado chegava a cavalo para resgatá-la e era morto por um dragão. De novo, e de novo, e de novo. Um reflexo da morte real do rapaz, com a qual ela não conseguia lidar. Os aventureiros tentaram intervir, o que só tornou a coisa toda pior: o dragão de sonho batia igual dragão de verdade e deitou mais de um aventureiro.
A perturbação no sonho da moça também gerou alguns efeitos bizarros, desde o cavaleiro morrer de outras formas até o final da aventura com diversos dragões matando diversos deles ao mesmo tempo, enquanto a pilha de corpos de um mesmo cavaleiro só crescia. Por outro lado, para a alegria dos jogadores, aos poucos ficou claro que a lógica de sonho também se aplicava a nós, e o tritão pode, por exemplo, nadar no ar como se estivesse na água.
Libertar qualquer criatura presa
O conflito eventualmente foi solucionado não matando o dragão, mas convencendo a pobre moça de que ela precisava acordar. Igão é psicólogo, e apesar de seguir a linha comportamental, lançou mão de uma quantidade de simbologia digna de Freud e Jung para ambientar a mesa, que levou com grande sensibilidade, mais do que eu esperava naquela aventura na qual caí de paraquedas. Conversando depois da sessão, comentei com ele o quanto aquele tinha sido um começo apropriado para Enídio, o tritão bardo: um aventureiro que tinha jurado à Deusa Menor da Liberdade que não deixaria nenhuma criatura ser prisioneira, tinha estreado na mesa ajudando a libertar alguém do peso do seu próprio luto.
E isso foi um dos momentos mais bonitos que já tive no RPG.
Você também tem uma daquelas sessões que te deixaram reflexivo? Conta pra gente aí nos comentários!